Outrora exemplo para resto do Brasil, corporação paulista sofre reviravolta que traz risco a políticas de sucesso
Num momento em que o Brasil enfrenta crise na segurança pública, a Polícia Militar de São Paulo — outrora exemplo para o país — vive dias turbulentos, dentro e fora dos quartéis. Nesta semana, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) exonerou, com uma só canetada, o subcomandante da PM e trocou mais da metade dos coronéis da cúpula da corporação. As decisões causaram insatisfação na tropa e foram vistas como reflexo da interferência política do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL-SP).
É certo que mudanças na PM, explicadas oficialmente por “conveniência de serviço”, podem até se justificar tecnicamente. Mas reviravoltas dessa natureza trazem risco enorme para uma corporação que se profissionalizou nas últimas décadas, especialmente depois do Massacre do Carandiru, em 1992, com resultados incontestáveis.
Os índices de segurança de São Paulo estão há muitos anos descolados do resto do Brasil. Em 2022, o estado registrou 8,4 mortes violentas por 100 mil habitantes, número sem paralelo em nenhuma outra unidade da Federação (Santa Catarina é a que mais se aproxima, com 9,1). Para efeito de comparação, a taxa no Brasil é 23,4. Na Bahia, 47,1. No Rio de Janeiro, 27,9.
A conquista paulista foi obtida ao longo de mais de duas décadas — em 1999, os homicídios passavam de 44 por 100 mil. Um fator crítico para ela foi a transformação, ainda que imperfeita, da polícia numa corporação preocupada em obter resultados contra o crime com base em inteligência e evidências —e não mais em distribuir tiros a esmo, acreditando que violência indiscriminada contra bandidos ou operações de vingança a cada policial morto sejam políticas eficazes.
Desde o ano passado, há sinais de recuo na PM paulista. Chama a atenção a alta na letalidade policial. A Operação Verão, na Baixada Santista, já deixou ao menos 32 mortos. Ela foi deflagrada no início do mês depois do assassinato de um soldado da Rota, unidade de elite. Evidentemente, o ataque — gravado pela câmera no uniforme do policial — foi um ato bárbaro, que exige resposta do Estado. Mas não se pode combater violência com mais violência. A Operação Escudo, realizada no ano passado também depois da morte de um PM da Rota, já deixara 28 mortos.
A atual gestão paulista ameaça abandonar práticas bem-sucedidas, como as câmeras nas fardas dos agentes, que enfrentam inexplicável resistência do atual governo. Entre 2019 e 2022, o uso delas contribuiu para reduzir a letalidade policial em 76,2% (nos quartéis onde não foram adotadas, a queda foi de apenas 33,3%). O equipamento protege o agente de acusações falsas e dá mais transparência às operações, uma vez que as imagens ficam guardadas e podem ser usadas em investigações. Tarcísio afirmou que cumprirá os contratos existentes, mas não investirá novos recursos. Para ele, o equipamento não tem eficácia, embora as evidências científicas mostrem o contrário.
A insegurança acua a população mesmo nos estados mais equipados e preparados. Facções criminosas estão em toda parte, mas em particular nos presídios paulistas, comandados pela maior delas, o PCC. Por isso a criminalidade precisa ser combatida com base em evidências e critérios técnicos. A PM de São Paulo, tida como exemplar, não pode sofrer retrocessos ao sabor de inclinações políticas. Quem padecerá os efeitos de tal equívoco é a população.
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