Voto no STM mostra por que Justiça Militar não deveria julgar crimes contra civis
Ministro viu "ameaça imaginária" e alegou "infortúnio" em fuzilamento de inocentes no Rio
Aconteceu em 2019, na Zona Norte do Rio. Numa tarde de domingo, militares metralharam um Ford Ka com duas mulheres e uma criança a bordo. A ação matou o músico Evaldo Rosa, que levava a família a um chá de bebê, e o catador Luciano Macedo, que passava pelo local e tentou socorrê-lo.
Em poucas horas, o Comando Militar do Leste deu o caso por encerrado. Chamou as vítimas de “criminosos” e “assaltantes” e disse que os soldados teriam reagido a uma “injusta agressão”.
Quando a farsa ficou evidente, o então ministro da Defesa prometeu “cortar na carne”. Em 2021, oito militares foram condenados em primeira instância por duplo homicídio. Na última quinta-feira, o Superior Tribunal Militar abriu caminho para livrá-los de pagar pelo crime.
Relator do processo, o tenente-brigadeiro Carlos Augusto Amaral definiu o fuzilamento como “um erro plenamente justificado pelas circunstâncias”. Alegou que os militares teriam agido em “legítima defesa putativa” porque pensaram estar diante de “meliantes”. “Luciano representava uma ameaça imaginária”, sustentou o ministro do STM. “Não há como desconsiderar a ocorrência de um infortúnio”, concluiu.
O tenente-brigadeiro se disse convencido de que os militares “não queriam e nem objetivaram o resultado morte”. Faltou explicar que outro resultado poderia ser obtido com duas rajadas de fuzil, somando 82 tiros contra civis desarmados.
“O que este processo retrata é uma ação criminosa que destruiu duas famílias”, resumiu o advogado André Perecmanis, que atua como assistente de acusação.
A constatação não comoveu a corte. O ministro José Coêlho Ferreira acompanhou o voto do relator, que propôs reduzir as penas de 30 para 3 anos. O julgamento foi interrompido por pedido de vista, mas tudo indica que a tradição de corporativismo do STM vai prevalecer.
Se há infortúnio no caso, é o fato de a Justiça Militar poder julgar crimes contra civis. A Procuradoria-Geral da República contesta o privilégio desde 2018. A ação vai completar seis anos na gaveta do ministro Gilmar Mendes
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