Haddad insistiu em MP 'natimorta' e não conseguiu suprir a interdição de diálogo entre a Câmara e a articulação política do governo
Fernando Haddad foi o grande destaque positivo no ministério de Lula no primeiro ano do terceiro mandato. Venceu prognósticos negativos para a economia, surpreendeu aqueles que esperavam que ele cerrasse fileiras com a defesa da gastança desenfreada e teve coragem de colocar em curso uma agenda para reduzir benefícios setoriais que reduziam a capacidade arrecadatória da União.
Não menos notável foi uma mudança de estilo do titular da Fazenda: abandonou o tom professoral com que muitas vezes tentou justificar suas ideias na Prefeitura de São Paulo e arregaçou as mangas da negociação política com o Congresso, considerada por aliados e vereadores na encarnação anterior um de seus pontos fracos.
Mas, com a Medida Provisória 1.202, o ministro teve uma espécie de “recaída” na teimosia que lhe era atribuída antes de chegar à pasta. O resultado tem sido atraso na implementação de sua própria agenda e a necessidade de recuos que o enfraquecem quando ele mais precisa sair fortalecido.
Era evidente que insistir na reoneração da folha de pagamento de 17 setores, tentando enfiá-la goela abaixo do Parlamento, não seria uma guerra fácil de ganhar. Fazer isso por meio de uma MP depois de o Congresso derrubar o veto de Lula à desoneração, e nos últimos dias antes da contagem de Feliz Ano-Novo, só piorou o quadro.
Não foram poucos os avisos para que o governo parasse de insistir em temas que não têm chance de prosperar numa Câmara e num Senado em que sua maioria é flutuante, cara e ainda mais claudicante nos temas que envolvem visão de economia.
A derrota na tentativa de mudar o Marco do Saneamento, ainda no primeiro semestre de 2023, deveria ter sido um alerta e tanto sobre a necessidade de separar em escaninhos as matérias em que é possível e aquelas em que é infrutífero medir forças com o Legislativo.
Não bastasse ignorar as evidências, a despeito da sensibilidade que demonstrou ao longo do ano passado para esses temas espinhosos, Haddad ainda dobrou a aposta na receita do desastre ao decidir retirar da MP a reoneração, deixando outros três temas polêmicos não correlatos.
De novo: a reação negativa ao fim do incentivo para o setor de eventos foi estridente e veio desde antes da virada do ano, mas o ministro resolveu bancar a discussão. No mérito, ele pode ter razão quando diz que o benefício precisa ter um limite temporal e que a necessidade da pandemia não existe mais para justificar uma série de isenções tributárias a empresários que se inscreveram no Perse.
Mas essas coisas precisam ser mais bem comunicadas e demonstradas para ganhar o apoio da sociedade capaz de ao menos desencorajar o forte lobby que uniu interesses de empresários e parlamentares na defesa empedernida da prorrogação do programa.
Não ficou claro quem estava certo — Haddad ou Arthur Lira, que se colocou a favor da prorrogação do benefício — quanto ao valor já despendido com o socorro. Também faltou trazer à luz as evidências claras de fraudes no uso dos recursos do incentivo, o que seria capaz de fazer com que os lobistas recuassem.
Mas pouco foi feito nesse sentido, e Haddad não conseguiu, desta vez, suprir a interdição de diálogo que se instalou entre a Câmara e a articulação política do Palácio do Planalto. Com muitas frentes de batalha simultâneas com a Casa, o resultado é a completa paralisia da pauta econômica. O primeiro trimestre já vai terminando sem que qualquer matéria destinada a aumentar a receita tenha sido votada.
Nesse aspecto, pelo menos, a situação da Fazenda é confortável. Algumas medidas de 2023 surtiram efeito pontual, e a arrecadação de janeiro e fevereiro surpreendeu a ponto de encher os cofres do Tesouro e injetar otimismo na equipe econômica.
Mas é preciso entender que não se lida com o Congresso tentando vencer pelo cansaço. Até porque, à frente da Câmara, a mais inquieta das duas Casas, está alguém que já mostrou ter fôlego de gato.
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