Melhora na arrecadação aumenta confiança, mas negociações salariais são risco
Roberto Campos Neto corrobora na entrevista à Folha o viés positivo para as contas públicas em 2024, que ganhou tração com a melhora da arrecadação nos primeiros meses de 2024.
O presidente do BC considera que o governo tem todas as condições de entregar um déficit menor para as contas públicas do que aquele embutido nos preços do mercado.
Ou seja, um resultado melhor do que as previsões dos analistas do mercado financeiro, captadas pela pesquisa Focus do BC, que apontam um déficit entre 0,7% e 0,8% do PIB. "Eu estou otimista em relação ao que o mercado está achando", diz.
O dedo apontado pelo BC para os riscos fiscais e o seu impacto na política de juros sempre tem sido motivo de críticas não só no governo Lula, mas também no governo Bolsonaro.
Campos Neto foi contrário à PEC dos Precatórios, apoiada por bolsonaristas. Ele chegou a se desentender feio com o então ministro da Economia, Paulo Guedes, e recebeu fogo amigo na época.
No governo Lula 3, os alertas do BC para os riscos fiscais, no início de 2023, alimentaram os ataques do presidente da República à política de juros do BC —e a Campos Neto em particular.
Haddad —que já tinha apresentado um pacote de medidas fiscais em fevereiro de 2023 e o projeto do novo arcabouço fiscal– reforçava que a Fazenda estava fazendo a sua parte.
O ministro cobrava do BC harmonização da política monetária com a fiscal para pressionar pelo processo de redução da taxa Selic. O alívio dos juros só teve início no segundo semestre, em agosto.
Entre os bancos, as expectativas para o quadro fiscal parecem também ter um viés mais positivo.
Pesquisa interna da Febraban aponta que, enquanto 55% dos participantes estimam o déficit primário deste ano em 0,8% do PIB, 39% já projetam um déficit menor.
O crescimento maior do PIB e uma aparente subestimação das receitas com algumas das medidas adotadas pela Fazenda (especialmente taxação dos fundos exclusivos e os offshores dos super-ricos) ajudariam o governo a entregar um déficit menor no ano, na avaliação da pesquisa da Febraban
Além disso, o mercado de crédito dá sinais de estabilização, após longo período de estabilização com spread, juros e inadimplência recuando de forma consistente.
O viés de curto prazo fiscal melhorou porque o ministro Haddad conseguiu aprovar medidas importantes para o aumento de receitas, algumas delas impensáveis há pouco tempo. Uma agenda impopular que não saía do papel.
A boa notícia é que as receitas estão vindo melhores do que se esperavam. A notícia ruim é que boa parte dessas receitas não se repetirá nos próximos anos,
O viés positivo para o fiscal só vai seguir se o crescimento econômico engatar de forma consistente e governo e Congresso enfrentarem a agenda de medidas que estão interditadas politicamente, como a revisão de gastos —entre eles, o abono salarial, forma de correção dos pisos constitucionais da Saúde e Educação, e as emendas parlamentares crescentes atreladas à receita.
As negociações de reajustes salariais conduzidas pela ministra Esther Dweck (Gestão) merecem toda a atenção.
A ironia é que a proposta de 23% de reajuste salarial (2025 e 2026) para os servidores do BC abriu uma esteira para que outras categorias pedissem o mesmo, inclusive com a concessão de bônus de eficiência.
A depender do que sair dessas negociações, o viés positivo pode mudar. Com efeitos também na definição da meta fiscal na LDO de 2025.
O que só mostra que represar os reajustes de salários, sem uma política clara de correção com previsibilidade, só postergou o problema.
É mais um efeito nocivo de despesas adiadas. A conta chega sempre. Não teve nada de reforma administrativa silenciosa, como pregou na época o ex-ministro Paulo Guedes. Narrativa que só comprou quem quis.
A panela de pressão dos servidores pode estourar.
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