Não cabe ao STF dar uma forcinha para Lula reduzir o quinhão do Orçamento que os congressistas destinam a suas bases
Não é de hoje que estão borradas as fronteiras que delimitam até onde vai a atuação de cada um dos três Poderes e onde começa a dos demais.
Nos anos Jair Bolsonaro, diante de sua gestão temerária na pandemia e, antes e depois, de seus rompantes antidemocráticos que ameaçavam até a realização da eleição, a hipertrofia do Judiciário se impôs como última barreira para a defesa das instituições, diante de um Congresso acoelhado e de um Ministério Público silente.
Veio a transição, aconteceu o 8 de Janeiro e, em razão dele, a atuação ostensiva do Supremo Tribunal Federal continuou, tendo ainda a defesa da democracia como justificativa.
E agora, em que ponto estamos? O STF, como na letra da música de Chico Buarque, parece ter acostumado na fantasia. Não só mais de baluarte da democracia, mas, agora, de Poder revisor de todas as tretas da República. Não tem como dar certo, porque não é disso que a Constituição fala quando garante ao Judiciário a prerrogativa de falar por último.
O caso das emendas parlamentares é típico. Quando Rosa Weber impôs um freio ao orçamento secreto, instrumento anômalo de gestão do dinheiro público, corrigia uma ilegalidade, uma vez que um dos princípios básicos da gestão pública é a transparência. Passados dois anos, Flávio Dino voltou ao tema para apontar a falta de transparência nas emendas de comissão, artifício criado pelo Congresso para substituir o orçamento secreto, e nas tais emendas Pix, estas sim uma excrescência.
Mas pesou a mão de maneira injustificável ao estender sua decisão e sustar também as emendas individuais impositivas — isso depois de ele próprio dizer a interlocutores que não havia problemas de transparência com essa modalidade.
Foram quatro as emendas à Constituição que tornaram as emendas parlamentares mais e mais impositivas — blindadas à torneira do Executivo, que as usava como moeda de troca para obter maioria a cada votação.
A aprovação de emendas constitucionais requer o quórum mais elevado nas duas Casas do Congresso. Cassar por liminar (um ato monocrático) disposições que têm tamanho lastro explicita a falta de comedimento do STF no trato com outro Poder.
Não cabe ao Supremo dar uma forcinha para Lula reduzir o quinhão do dinheiro público que os congressistas destinam a suas bases. Fazer uma reforma do Orçamento era promessa de campanha de Lula que ele empenhou no balcão de Arthur Lira quando precisou dele para aprovar a PEC da Transição.
Fazer isso com a mão de gato de um ministro recém-nomeado distorce o equilíbrio que deve haver entre os Poderes e a temperança com que cada um deles deve se pautar para não provocar impasses que podem ter graves consequências para o país.
Muitos argumentarão que o “sequestro” do Orçamento pelo Congresso é que promove a distorção. Pode até ser, embora seja legítimo o argumento dos parlamentares de que não são meros carimbadores de programas do governo e foram eleitos para destinar recursos a seus representados.
Os limites para isso têm de ser pactuados entre Executivo e Legislativo no diálogo, na articulação política e, sobretudo, em votos nos plenários da Câmara e do Senado, e não nas canetas do STF.
Só nos últimos meses, é a segunda vez que um ministro nomeado por Lula pega a bola com o jogo rolando e apita um pênalti a favor do Planalto. Foi assim quando Cristiano Zanin suspendeu a desoneração das folhas de pagamento até que o Congresso fosse obrigado a reabrir uma discussão que já tinha sido submetida a sucessivas votações, todas com derrotas do governo.
O comedimento é a única forma de a harmonia entre os Poderes prevalecer. Medir força, retaliar e tramar às escuras para pegar o outro de calças curtas não são boas práticas nem para crianças, que dirá entre entes de uma República.
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