A América presa ao labirinto venezuelano
Países que evitam o rompimento com Maduro buscam saída diplomática
A observação de uma alta autoridade da República a um interlocutor sobre a crise na Venezuela evidencia que o cenário é mais grave do que parece. “Não é [Nicolás] Maduro que tem o Exército com ele, é o Exército que tem Maduro nas mãos”, resumiu.
Mais do que o projeto de poder do presidente Nicolás Maduro, que busca com a eleição de domingo (28) garantir mais seis anos no cargo, trata-se do projeto das forças militares, alçadas ao comando do país em 1998 por um dos seus, o tenente-coronel Hugo Chávez.
A se consumar o objetivo de Maduro, ele permanecerá quase duas décadas na Presidência da Venezuela, entre a vitória eleitoral em abril de 2013 até a conclusão do terceiro mandato em 2031. Uma longevidade ainda maior que a de seu antecessor, já que Chávez comandou o país por 14 anos, até o falecimento em 2013.
O professor de política internacional do Ibmec Tanguy Baghdadi considerou a análise sobre a relação entre Maduro e os militares “perfeita”. Argumentou que Chávez era um “líder carismático”, uma “raposa política”, originário da carreira militar, enquanto Maduro, um civil egresso do movimento sindical, era um político sem predicados, que se tornou presidente graças ao antecessor.
Para permanecer onde está, Maduro empenha-se em reproduzir o modelo autoritário chavista, sob pena de ser destituído pelas mesmas forças militares que o sustentam, prosseguiu Tanguy. “Maduro garante que o que foi feito nos últimos 20 anos será mantido”, explicou.
Em meio ao acirramento da crise, com a onda de protestos nas ruas de Caracas, prisões de manifestantes e, até mesmo, registros de mortes, em reação à falta de transparência na divulgação dos resultados do processo eleitoral, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, López Obrador, divulgaram na noite dessa quinta-feira (1) uma nota conjunta pela qual trilham um caminho do meio, sem romper com o regime de Maduro nem anuir tacitamente com a duvidosa reeleição do líder venezuelano.
Por meio do comunicado, os três países cobram pressa na divulgação das atas de votação - o prazo legal de três dias expirou nessa quinta-feira. Os três líderes ponderam que as “controvérsias sobre o processo eleitoral devem ser dirimidas pela via institucional”, mas enfatizam que a soberania popular depende da “verificação imparcial dos resultados”.
A publicação da nota - após uma conversa por telefone entre o trio de mandatários que durou 45 minutos - deixou claro que as declarações de Lula minimizando a crise venezuelana à afiliada da TV Globo em Mato Grosso, e que repercutiram negativamente no país e no exterior, “geraram ruídos” (nas palavras de uma fonte diplomática), mas não prejudicariam a articulação com México e Colômbia.
Para esta fonte do Itamaraty, o caminho da negociação e do diálogo é o único possível neste momento, até por ser o único que a oposição venezuelana ainda não tentou. Nesse contexto, o diplomata cita o exemplo frustrado do ex-líder da oposição Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente em 2019, e teve o reconhecimento de parte da comunidade internacional. Contudo, o movimento teve impacto nulo sobre a liderança de Maduro, com desfecho constrangedor para a oposição anos depois.
O mesmo diplomata lembra que medidas de bloqueio e sanção pelos Estados Unidos e União Europeia foram impostas no passado na tentativa de isolar a Venezuela. Argumenta, todavia, que tais recursos soam inócuos num cenário em que potências como China e Rússia são aliadas do país, e já reconheceram a reeleição de Maduro.
Apesar do cenário conturbado, esse diplomata vê a oposição com mais legitimidade desta vez para levantar questionamentos por ter “jogado o jogo”. Em 2020, a oposição havia se recusado a participar das eleições parlamentares, entregando o Congresso “de bandeja” para Maduro. Por isso, na visão desse diplomata, a atuação conjunta de países como Brasil, Colômbia e México é “essencial para abrir uma terceira via de solução no meio da crise”.
Para Tanguy, ao assinar a nota conjunta com México e Colômbia, o Brasil adota uma postura de cautela para não entrar na vala comum das condenações ao regime ou do reconhecimento precipitado do resultado eleitoral.
Mesmo assim, o professor de política internacional vê o Brasil desconfortável em qualquer cenário. Não reconhecer a reeleição de Maduro implicará a ruptura das relações diplomáticas em prejuízo à liderança regional do Brasil e à sua posição de país fronteiriço com a Venezuela.
Em acréscimo, é estratégico preservar alguma interlocução com a Venezuela. Foi o canal de diálogo com Maduro que deu ao Brasil a delicada missão de custodiar as sedes das embaixadas da Argentina e do Peru em Caracas, a pedido desses países, após a expulsão de seus diplomatas.
Em síntese, os países que evitam o rompimento com Maduro buscam uma saída diplomática em um labirinto que na biografia romanceada escrita por Gabriel García Márquez, desafiou o general Simón Bolívar (1783-1830) em seu leito de morte. “Como sairei deste labirinto?”, exasperou-se o militar, líder da independência da Venezuela e da Colômbia, ao ouvir do médico a prescrição de se confessar porque era chegada a hora da extrema unção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário