Ação militar para matar Ismail Haniyeh certamente enfraquece o grupo no curto prazo, mas haverá um sucessor
Duas décadas atrás, em março de 2004, Israel matou o xeque Ahmad Yassin, fundador e líder espiritual do Hamas. Menos de um mês mais tarde, outra ação israelense no mesmo território matou Abdel Aziz al-Rantissi, líder da organização palestina. Era o que se denominava na época “ataque seletivo”. O objetivo era decapitar o comando do grupo durante a Segunda Intifada. Um fracasso. Três anos mais tarde, em uma breve guerra civil contra o Fatah, o Hamas assumia o controle de Gaza.
A ação militar de Israel para matar Ismail Haniyeh, líder do Hamas, certamente enfraquece o grupo no curto prazo, mas haverá um sucessor. Inclusive, a organização sempre teve um processo sucessório. Até pouco tempo, o líder era Khaled Meshal, que talvez volte ao cargo. Muito cedo para sabermos. Inclusive, desde o atentado de 7 de outubro, o líder de facto é Yahya Sinwar, comandante militar do grupo em Gaza e arquiteto do ato terrorista.
Haniyeh, no entanto, tinha o peso de ser a principal figura política do Hamas, com livre circulação por países como a Turquia, integrante da Otan, o Catar, onde fica a mais importante base aérea americana no Oriente Médio, e o Egito, aliado de Israel. Era Haniyeh quem negociava o acordo de cessar-fogo e libertação de reféns em troca de prisioneiros palestinos nas prisões israelenses. Sem ele, sem dúvida, as negociações ficam mais difíceis, embora autoridades do grupo já tenham dito que não romperão o diálogo. No final, será de Sinwar a decisão final pelo lado do Hamas. O premier Benjamin Netanyahu, por sua vez, possui seu próprio cálculo que leva em conta, de um lado, a pressão contra o acordo de radicais do seu governo, e, de outro, dos parentes dos reféns e dos EUA para que haja o acordo.
A ação de Israel nesta quarta-feira faz parte de um histórico do país de se vingar de inimigos, assim como os EUA fizeram com Osama Bin Laden e outros líderes da al-Qaeda, do Estado Islâmico e mesmo das Guardas Revolucionárias do Irã. Haniyeh liderava uma organização que cometeu o maior atentado da História de Israel, além de dezenas de outros atos terroristas desde o início dos anos 1990. Ele sabia que poderia ser alvejado a qualquer momento pelos israelenses. Ao mesmo tempo, deve-se perguntar se existe alguma estratégia do governo de Netanyahu com essa ação, já que o Hamas não acabará sem Haniyeh.
A escolha para realizar a ação militar no Irã segue uma certa lógica porque os riscos diplomáticos para Israel seriam enormes. A Turquia integra a Otan, o Catar possui base aérea dos EUA e o Egito é aliado dos israelenses. Sobraria apenas o território iraniano dos lugares por onde circulava Haniyeh. Isso aumenta o risco de uma guerra regional, mas o regime de Teerã já indicou meses atrás, depois de membros das Guardas Revolucionárias serem mortos na embaixada iraniana em Damasco, não estar disposto a um grande conflito contra os israelenses ao menos neste momento. Realizou na época uma resposta calibrada para evitar escalada militar. Israel seguiu na mesma linha em sua tréplica.
O Hezbollah, por sua vez, vive a sua própria dinâmica no conflito contra Israel. O assassinato do líder do Hamas acirra os ânimos ainda mais depois do bombardeio no sul de Beirute, que foi uma resposta a ação atribuída ao grupo que matou 12 crianças nas colinas do Golã, um território sírio anexado ilegalmente por Israel. Mas o grupo xiita libanês deve manter sua estratégia de conflito de baixa intensidade contra os israelenses, evitando uma escalada que leve a uma guerra total. De qualquer maneira, como dizem os libaneses, no Oriente Médio, o que já érea ruim, sempre fica pior.
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