Bloqueio do “orçamento secreto”, controle das agências reguladoras e mediação de conflitos contratuais foram discutidos em encontro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mexeu em três vespeiros na última reunião ministerial: bloqueio do “orçamento secreto”, controle das agências reguladoras e mediação de conflitos contratuais. Lula não fala desses temas em público. Além de ministros, havia presidentes de bancos públicos e do IBGE e líderes governistas no Congresso. Ao bulir nos vespeiros, mostrou que não está inerte à usurpação de prerrogativas que marca sua volta ao poder.
No dia da reunião, o noticiário estava dominado pela decisão do TCU que equipara os presentes de Lula às muambas do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não foi o único incômodo daquela sessão. Naquela véspera da reunião ministerial, o TCU também tomou uma decisão que exclui dos cinco anos de mandatos dos atuais diretores-presidentes das agências reguladoras o tempo em que permaneceram em outros cargos de direção.
“As agências reguladoras estão capturadas pelo mercado com a intermediação do Congresso”, disse o presidente. Ele estará impedido de indicar o comando das duas joias da coroa, a de energia elétrica (Aneel) e de telecomunicações (Anatel), até o fim de seu governo.
São mandatos decisivos sobre a disputa de mercado dos grandes investidores do setor e a regulamentação de contratos que oneram os usuários de energia e de serviços banda larga. Essas nomeações foram feitas por Bolsonaro sob o patrocínio de mandatários do Centrão que fazem corretagem empresarial. A cobrança dos usuários recai sobre um governo sem meios para intervir.
Tudo isso estava marcado para acontecer. O setor elétrico causou a maior crise do governo FHC (apagão), ajudou a derrubar Dilma Rousseff, manteve Michel Temer no cargo e agora está medindo forças com este governo. A frustração dos interesses do TCU, a começar por aqueles de seu presidente, Bruno Dantas, contribuíram para azedar o clima. Preterido para o Supremo, teve sua ambição pela presidência da Vale, um dos cargos mais bem remunerados do país (R$ 52,6 milhões anuais), vazada.
O tribunal será presidido, a partir de dezembro, por Vital do Rêgo, um ex-senador vinculado à Casa em que serviu. Tem um irmão na mesa diretora, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB), e um filho, Vital do Rego Neto, conselheiro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Lá ainda tem uma trinca que aprendeu tudo no Congresso: Aroldo Cedraz, Augusto Nardes e Jhonatan de Jesus. Têm mais munição, como a auditoria do cartão corporativo da Presidência de 2023.
Nada disso inibiu o presidente a mandar o segundo recado da reunião, o de que nenhuma revisão de contrato ou renegociação de dívida de agentes privados deveria ser enviada para a secretaria criada no TCU para mediação de conflitos sem a anuência da Casa Civil. O ministro Rui Costa citou, nominalmente, dois casos, o “reequilíbrio” do contrato de concessão do Aeroporto de Brasília e um contrato de arrendamento do Porto de Santos feito pelo grupo Libra.
Se o primeiro trata de um pedido de redução de custo sem que nenhuma intercorrência tenha acontecido para isso, o segundo, referente a uma dívida de R$ 3,4 bilhões com a União, envolve um grupo que sempre teve seus interesses defendidos pelo lendário ex-deputado Eduardo Cunha. Depois da reunião, o TCU informou que arquivará ambos.
Nascida junto com o governo Lula, a secretaria do TCU já fez três renegociações de contratos de rodovias que vão a plenário, um do aeroporto de Guarulhos e outro da Telefônica. Outros cinco estão na fila. Além dos dois citados por Rui Costa, a concessão da Fernão Dias, uma linha ferroviária e o Galeão (RJ).
A renegociação sempre tem para o erário. A atuação desta secretaria bateu de frente com a determinação do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, incumbido de recuperar ativos em contenciosos que se arrastam. Levantamento da Pasta mostra que as vitórias da AGU geraram a expectativa de recebimento de R$ 1,4 trilhão aos cofres públicos.
O terceiro vespeiro mencionado por Lula na reunião foi a decisão do ministro do STF, Flávio Dino, para pôr fim ao chamado “orçamento secreto”. “Vamos ver como vamos nos adaptar a esta situação”, limitou-se a dizer o presidente. Os ministros palacianos vêm tentando se dissociar da decisão porque não sabem como lidar com a nova ordem e temem a paralisia do Congresso.
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, foi o primeiro a romper o silêncio e pedir, nesta segunda, que os recursos bloqueados sejam liberados. Seus representantes na reunião que o STF promoveu na sexta-feira já tinham feito o mesmo pedido, mas Dino reiterou que toda liberação está condicionada ao cumprimento dos preceitos constitucionais de transparência e rastreabilidade.
Ainda determinou que os tribunais de conta estaduais, sempre muito pressionados pela política local, identifiquem os destinatários das transferências. Ainda convidou a Pasta da Fazenda, via Secretaria do Tesouro, a entrar no jogo de adivinha dos autores das destinações dos recursos
Não há dúvida de que o Planalto custa a elaborar rota alternativa àquela de dezembro de 2022, com o acordo que deu um basta de faz-de-conta no “orçamento secreto” em troca da PEC da Transição. Lula tem evitado juízo de valor sobre a decisão, mas Dino foi um de seus ministros mais próximos. Não precisa consultá-lo para saber o que pensa sobre um presidente que parece alijado dos grandes negócios da República.
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