Meu companheiro de viagem apareceu cedo aqui em casa.
— Subimos esta semana para Roraima?
Ele precisa de resposta. Sua tarefa é comprar pilhas, checar o áudio, renovar os cartões do drone. A minha é carregar as baterias das câmeras, limpar lentes, separar tripé, deixar tudo pronto para mais uma jornada.
— Não subimos ainda. Há essa história do Irã. A qualquer momento, podem atacar. E isso vai tomar o programa de domingo.
— Que azar — disse ele.
— Dê graças a Deus. Mataram apenas o líder do Hamas. Alckmin estava lá na posse do novo presidente. Se algo acontecesse com ele, passaríamos semanas falando só disso.
De fato, temos muito o que agradecer. Ainda temos de vez em quando a chance de fazer algo. As revistas fecharam, todos os grandes fotógrafos do mundo perdem espaço, é sombrio o futuro da reportagem.
E quer saber de uma coisa? Os próprios espectadores mudam. Não se tem mais tempo para uma só história. A atenção muda com a rapidez de um raio.
Se você me pergunta qual a saída, digo que não a tenho. Precisaria de tempo e dinheiro para pesquisá-la. Uma experiência do século passado, o documentário “Edvard Munch”, de Peter Watkins, seria o ponto de partida. Ele combina bem fatos com trechos de ficção.
Mas, ainda assim, seria preciso encontrar um ritmo apropriado à nossa época. Está tudo em movimento, e creio que vou tirar férias apenas para pesquisar. O discurso político foi substituído por memes. Eles acabam sendo a mensagem que domina as redes. Os debates de TV são apenas matéria-prima. O que vale são os recortes que os candidatos lançam nas redes sociais. O contexto foi para o espaço, contam apenas os fragmentos.
— Tudo bem — diz o amigo. — Mas vamos subir quando?
— Não sei. Em breve esquecerão a Venezuela. Há a saída em massa. Nosso amigo do botequim de Pacaraima pode nos dar um quadro. Afinal, na rodoviária de Pacaraima se tem uma boa visão do movimento.
— Poderíamos subir pelos ianomâmis, Raposa Serra do Sol, Essequibo, quem sabe?
— Tudo vago. As mortes ianomâmis foram naturalizadas. Raposa Serra do Sol é apenas um nome, sonoro como Uiramutã, mas apenas um nome. E Essequibo, passadas as eleições, talvez saia dos planos de Maduro.
No entanto é preciso filmar. Tenho os gatos, as ruas de Ipanema, mas isso é apenas treino. Quem sabe uma história em Paquetá, aquela da aposta que ameaça a carreira de um craque brasileiro na Inglaterra? Quem sabe, quem sabe? O mundo está mudado. É preciso trocar o pneu com a bicicleta andando. Ideias não faltam, mas sim a metamorfose.
— Na prática, então, vamos esperar o Irã? Subimos em seguida?
Sim, nesta semana vou apenas sonhar que visito com uma câmera bem leve o hospício onde Van Gogh se internou em Saint-Rémy-de-Provence. É um lugar com lindas flores, onde ele pintou “Noite estrelada”. Apenas imagens e a música dedicada a ele: Agora compreendo o que você tentou dizer para mim/Como você sofreu pela sua sanidade/Como tentou libertá-los. As lindas flores ainda são a melhor forma de resistir às mudanças que praticamente varreram tudo: o espaço de trabalho, a forma de comunicar, os veículos, o discurso.
Às vezes, quando encaro um debate político, como o de São Paulo, lembro-me de um amigo de Minas que costumava dizer diante de situações complexas: vai nascer uma iguana. Quantas iguanas não nascerão desse novo paradigma?
Cedo ou tarde, vamos subir e encontrar na fronteira os que fogem do horror. Mas como remover as montanhas da indiferença? Uma nova língua é o desafio, apesar do pouco tempo do mundo para inventá-la.
Quando jovem, Alberto Dines me designou editor dos Cadernos de Jornalismo, uma apanhado teórico para orientar mudanças. Querido, peço licença para retomar o trabalho, em outros e estranhos tempos.
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