Disputa acirrada pela presidência da Câmara jogou luz sobre dois habilidosos caciques da política nacional: Gilberto Kassab e Ciro Nogueira
A disputa acirrada - e prematura - pela presidência da Câmara dos Deputados jogou luz sobre dois habilidosos caciques da política nacional: o secretário da Casa Civil de São Paulo e presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o senador pelo Piauí e presidente do Progressistas (PP), Ciro Nogueira.
São dois equilibristas avançando na ponta dos pés sobre a corda bamba que traz o governo em uma ponta, e a oposição na outra. Eles evocam a imagem do acrobata Phelippe Petit, que em 1974, caminhou sobre um cabo de aço de 42 metros, ligando as torres norte e sul do World Trade Center - décadas antes dos terroristas derrubarem os arranha-céus de 140 andares.
Mas a principal diferença entre Nogueira, Kassab e Petit é que os dois políticos jamais cruzariam o abismo sem uma rede de proteção. Já o francês desafiou a gravidade recorrendo, unicamente, a um bastão para se equilibrar.
Numa conjuntura em que o fenômeno Pablo Marçal voltou a desafiar a política tradicional, com estilo agressivo, recordes de engajamentos e discurso fabricado para atrair o “povo prascóvio”, citado por Riobaldo, Nogueira e Kassab demonstram que, no jogo do poder, há espaço para os políticos ladinos, daqueles que ainda conseguem tirar as meias sem descalçar os sapatos.
Ciro Nogueira é o artífice da candidatura do líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), à sucessão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Jovem, 35 anos, com trânsito fluente do baixo clero à cúpula, com fama de cumpridor de acordos, Motta entrou no jogo com a missão de construir um consenso em torno de seu nome. Missão na qual o vice-presidente da Casa e presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), não foi bem sucedido, e por isso, saiu do páreo.
Nogueira, Motta e Pereira não imaginavam, contudo, que o PSD de Kassab e o União Brasil de Elmar Nascimento (BA) fariam uma aliança para sustentar as respectivas candidaturas por mais tempo. Lira e Nogueira atuam, intensamente, nos bastidores e esperam alcançar essa unanimidade em torno do nome de Motta depois das eleições, quando os ânimos serenarem.
Não é briga para amadores. Nogueira e Kassab destacam-se entre outras lideranças do Centrão por navegarem nas águas turbulentas da política com um pé em cada canoa.
Se for bem sucedido na estratégia, e conseguir a desistência do PSD e do União Brasil na disputa pelo lugar de Lira, Ciro Nogueira vai se projetar como a liderança da oposição que controla um ministério no governo Lula - ele é padrinho político do ministro do Esporte, André Fufuca (PP-MA) -, e ainda poderá eleger o presidente da Câmara com a benção do Palácio do Planalto.
Seria um golpe de mestre. Isso porque, publicamente, Nogueira veste o figurino de opositor radical da gestão Lula e de aliado incondicional do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sem alarde, contudo, o senador do Piauí que foi aliado no passado de gestões petistas, mantém boa interlocução com auxiliares de Lula no palácio. Um deles disse à coluna que se todos os representantes da oposição fossem como Nogueira, seria mais fácil governar.
Da mesma forma, Kassab mantém a aliança local com o governador paulista Tarcísio de Freitas, enquanto o PSD comanda três ministérios na gestão Lula: Minas e Energia, Agricultura e Pesca. Mas em contraponto a Nogueira, Kassab articula com discrição. Pratica a neutralidade que pregou desde a fundação do PSD, em 2011, ao anunciar que não seria um partido “de direita, nem de esquerda nem de centro”.
O cientista político Cláudio Couto, professor da FGV/Eaesp, vê, na atual conjuntura eleitoral, uma coexistência entre as forças do Centrão e da extrema direita, rachada entre Pablo Marçal e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ele identifica Marçal avançando sobre territórios em relação aos quais Bolsonaro achava que detinha o monopólio, mas não sobre o Centrão. “Marçal mostrou que o espaço do [governador] Tarcísio não estava garantido como sucessor de Bolsonaro, e que o ex-presidente não é mais o principal líder da extrema direita”, observou.
Couto não visualiza, contudo, uma nova onda de “outsiders” personificada em Marçal, como aquela que caracterizou as eleições municipais de 2016. Naquele ano, chamou a atenção a vitória de dois quadros estranhos à política em capitais estratégicas, como o empresário João Doria, então no PSDB, em São Paulo, e Alexandre Kalil, presidente do Atlético Mineiro, que concorreu pelo nanico PHS, em Belo Horizonte.
Analisando o efeito Marçal em São Paulo, Couto diz que “já não se trata mais tanto de ‘outsiders’, mas, sim, de se ter um voto de direita radical consolidado no país, com uma parcela significativa do eleitoral”.
Ele acrescentou um terceiro fator ao “efeito Marçal”, que excede o terreno da extrema direita. “O Marçal faz um discurso sobre alcançar a prosperidade pelo trabalho, que tem muito apelo para uma parcela da sociedade que quer vencer pela sua capacidade”, observou. “É o jovem que trabalha, os filhos da ‘uberização’, daí o voto jovem no Marçal”, completou.
Na Bienal do Livro, um jovem declarou ao Valor que gostava de Marçal por causa da “muvuca”. Na política tradicional, Kassab e Nogueira não dão ponto sem nó. No passado, Phelippe Petit declarou que se lhe dessem três laranjas, ele faria acrobacia com elas. Em resumo, cada um joga com as cartas que tem à mão.
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