quarta-feira, 18 de setembro de 2024

TARCÍSIO E A APOSTA EM CONTER MARÇAL

Vera Magalhães, O Globo

Governador de SP toma a frente de Bolsonaro e Lula na percepção do risco que ex-coach representará para 2026 caso seja eleito

Enquanto à direita e à esquerda sobrava perplexidade e faltava coragem para enfrentar o incêndio Pablo Marçal quando ele começou a se alastrar na política paulistana, o governador Tarcísio de Freitas fez uma jogada de risco: tomar a frente da resistência e apostar num candidato de carisma duvidoso no momento em que ele ardia nas chamas da queda nas pesquisas e da debandada de aliados.

A aposta, de altíssimo risco no momento em que foi feita, será bem-sucedida? O resultado da eleição mostrará, mas, para além das urnas, a decisão do governador de São Paulo de se afastar da orientação de Jair Bolsonaro e assumir a liderança da condução da coalizão de direita na capital do estado pode ter consequências importantes para o rearranjo político posterior ao pleito municipal.

Até esse episódio, Tarcísio vinha evitando divergir da orientação do ex-presidente e padrinho político. Por lealdade ou cautela, não hesitou sequer em comparecer a atos de confronto com o Judiciário como no último 7 de Setembro, algo que não condiz com o estilo negociador que ele vem procurando cultivar, mesmo com o governo federal.

Mas, quando Bolsonaro tremeu na base diante da febre Marçal e se recolheu àquela covardia característica, orientando seu ex-ministro a também tirar o time de campo, Tarcísio ignorou a orientação e colocou um então abatido Ricardo Nunes debaixo do braço para convencer o eleitorado de que o prefeito era a melhor opção.

O efeito captado por duas rodadas de pesquisas feitas desde que ficou mais evidente a preeminência do governador na propaganda de Nunes é de estagnação da onda do ex-coach e reação do emedebista. Nos 20 dias que restam a uma campanha marcada por ausência de racionalidade e violência inaudita, é cedo para qualquer prognóstico definitivo sobre quem vai ao segundo turno, mas, se confirmado o favoritismo mostrado pelo Quaest e pelo Datafolha para Nunes em caso de segunda fase da disputa, Tarcísio arrastará as fichas sozinho, sem chance para Bolsonaro tentar fazer arminha e surfar na onda. 

O que isso representa em relação a outra campanha que se avizinha, a presidencial de 2026, ainda é cedo para dizer. Mas não é prematuro cravar que Tarcísio resolveu apagar o fogo ainda no início, ao perceber, com clareza maior que o predecessor e o próprio Lula, que, se Marçal for eleito prefeito da maior cidade do país, com a chave do cofre do terceiro maior orçamento, será presidenciável no dia seguinte.

Dada a disputa pelo espólio bolsonarista na direita, isso poderia significar “pular” a geração de Tarcísio e dos demais governadores, que seriam engolfados pelo influenciador. E o que significa o silêncio do restante do establishment político diante do grau de depredação do debate público que Marçal promove? Que pouco ou nada aprenderam com Bolsonaro.

Em 2018, era fácil culpar a imprensa e a Lava-Jato pela “criminalização” da política que levara à vitória de Bolsonaro. Pois o que explica o silêncio da esquerda diante do avanço de um coach de passado coalhado de investigações, que aposta no caos? Por que a aposta velada de parte da campanha de Guilherme Boulos de que seria “melhor” enfrentar Marçal, num cálculo míope e imediatista de chances eleitorais que não leva em conta o risco da transposição de um fenômeno que corrói a própria política para além das fronteiras da cidade de São Paulo?

É muito fácil arrumar culpados para anomalias como a que tomou conta da disputa paulistana enquanto o tal “sistema” se omite de enfrentá-las. A campanha de Kamala Harris mostra quanto a coragem de enfrentar extremistas pode fazer a diferença. No caso de Marçal, Tarcísio parece ter sido dos poucos a entender a própria responsabilidade e o risco que ele mesmo corre.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário