Mundo afora, sobram sinais — de preocupantes a desesperadores — de fenômenos climáticos. Durante a semana, brasileiras e brasileiros em largas porções do território, do Distrito Federal à Serra Fluminense, miraram o céu em gratidão pela chuva que voltou a cair. Um mês atrás, Ailton Krenak, ativista indígena, filósofo, imortal na Academia Brasileira de Letras, confessou a (boa) inveja da amiga que contara sobre a precipitação num pequeno jardim em Londres, enquanto matas e lavouras em chamas, aqui, lançavam “a tinta preta do carvão vegetal” sobre as cidades. Ainda anteontem, os Estados Unidos bambearam com a ameaça de um furacão. O Milton se formou tão rápida e assustadoramente que fez meteorologista experiente chorar por medo da devastação em parte da Flórida — felizmente não confirmada.
Os alertas estão por toda parte, das inundações no Rio Grande do Sul aos rios secos na Amazônia. Ainda assim, são insuficientes para impedir a eleição, em primeiro turno, de negacionistas climáticos em municípios do Norte; ou de levar ao segundo turno com mais de 49% dos votos o prefeito que negligenciou a manutenção do sistema de bombeamento que protegeria Porto Alegre do alagamento. Tampouco são capazes de adicionar ingrediente novo ao debate brasileiro sobre política monetária.
Tão logo o IBGE divulgou, na quarta-feira, os resultados da inflação de setembro, agentes econômicos reprisaram o mantra da elevação dos juros. O índice oficial de inflação fechou setembro em 0,44%, após resultado negativo em 0,02% no mês anterior. O IPCA acumulado em 4,42% nos últimos 12 meses, alegam, exige que a taxa básica suba. Disso dependeria a convergência para meta contínua — aquela que já não obedece ao ano-calendário — de 3%, com um ponto e meio percentual para mais ou para menos.
Aconteceu no dia seguinte à aprovação pelo Senado Federal da indicação do economista Gabriel Galípolo, hoje diretor de Política Monetária, como presidente do Banco Central. Sucederá a Roberto Campos Neto, cuja gestão foi marcada pela manutenção da Selic em 2% ano por seis meses (agosto de 2020 a março de 2021); e em 13,75% por 12 meses (agosto de 2022 a julho de 2023). Antes de ocupar a cadeira, o futuro titular do BC já está sob pressão.
Habitação e alimentação foram os grupos de despesas que mais pressionaram o orçamento das famílias brasileiras. Por razões climáticas. Depois de 26 meses sem cobrança adicional nas contas de luz, em razão do longo período com reservatórios das hidrelétricas em nível confortável, a Aneel acionou a bandeira tarifária amarela em julho e, no mês passado, a vermelha nível 1. Significa que os brasileiros pagaram, nos dois primeiros meses, R$ 1,885 a cada 100 kWh consumidos; e, a partir de setembro, R$ 4,463. Com isso, a energia elétrica residencial encareceu 5,36% no mês, pressionando em 0,21 ponto percentual a inflação de setembro, quase metade do IPCA.
Os gastos com alimentação subiram 0,5%, após dois meses seguidos de queda. Ficou mais cara a comida que famílias compram em mercados e feiras para consumir em casa. Carne bovina, café e algumas frutas, como laranja, limão e mamão, estão custando mais. André Almeida, gerente da pesquisa de inflação do IBGE, explicou que “a forte estiagem e o clima seco foram fatores que contribuíram para a diminuição da oferta das carnes”.
Em janeiro, o grupo alimentação e bebidas subira 1,38%, como costuma acontecer no verão, influenciado pela alta nos preços da cenoura (43,85%), da batata-inglesa (29,45%), do feijão-carioca (9,70%), do arroz (6,39%) e das frutas (5,07%). Em maio, por causa da tragédia no Sul, dispararam os preços da batata (20,61%), da cebola (7,94%), do leite longa vida (5,36%); em junho, batata-inglesa (14,49%), leite longa vida (7,43%) e arroz (2,25%) seguiam pressionados. O café, também por razões climáticas que impactaram a produção no Brasil, no Vietnã e na Indonésia, já subiu 25% no varejo nacional.
Em julho e agosto, a alimentação no domicílio caiu de preço, como costuma acontecer na virada do primeiro para o segundo semestre. A sazonalidade na oferta — e consequentemente no preço — dos alimentos não é novidade, e os fenômenos climáticos mais frequentes e extremos afetam intensamente a agropecuária. Não parece razoável estreitar o debate de política monetária a uma variável que os juros não alcançam. É penalizar à toa toda a engrenagem econômica. Veio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a análise pertinente:
— A economia está rodando bem, forte; os preços estão controlados. A gente está com a questão da seca. O dado do IPCA demonstra claramente que os núcleos estão bem-comportados, mas que a seca está afetando dois preços importantes: energia e alimentos. Isso não tem a ver com juros, juro não faz chover. Tem a ver com o fato de que há um choque de oferta, em virtude da seca. Mas é temporário, não se estenderá no tempo. Daqui a pouco a chuva chega, e os preços voltam ao normal.
O mercado financeiro já estima Selic de 11,75% ao ano em dezembro, o que significa que o Comitê de Política Monetária (Copom) elevará a taxa básica, hoje em 10,75% ao ano, em meio ponto percentual em cada uma das reuniões restantes deste ano, em novembro e dezembro. Como o mercado, a natureza se impõe. Nem a comida nem a energia deixarão de encarecer com os juros de dois dígitos em viés de alta. A dívida pública, por sua vez, subirá. A arrecadação, se a economia esfriar, cairá. Entre o mar e o rochedo, sofre o marisco.
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