O aguardado ataque de retaliação israelense contra o Irã não se fará esperar nem ficará em suspenso
Ao contrário do personagem maior da obra de Samuel Beckett, o aguardado ataque de retaliação israelense contra o Irã não se fará esperar nem ficará em suspenso. Dele tivemos notícia ominosa nesta semana.
— O ataque será letal, preciso e particularmente surpreendente — informou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, a integrantes do Serviço de Inteligência Militar do seu país. E acrescentou, sem avançar em demasia no arrosto:
— Eles [os iranianos] só compreenderão o que houve quando já tiver acontecido.
Para quem, semanas atrás, conseguiu fazer explodir milhares de pagers e celulares em mãos do até então formidável inimigo Hezbollah, deve ser tentador surfar na superioridade militar. Difícil é conseguir desescalar.
Por ora, além de prosseguir no sangramento de Gaza, Israel intensifica seus bombardeios com invasão terrestre no Líbano, abusa da força contra palestinos na Cisjordânia, alcança inimigos no Iêmen, Síria, Iraque e prepara sua resposta-surpresa aos quase 200 mísseis iranianos disparados contra seu território. Também as relações do governo de Israel com a paquidérmica ONU atingem pontos de fervura. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu simplesmente ignora as resoluções da entidade, que qualifica de “pântano de bile antissemita”. Outro dia, seu chanceler, Israel Katz, de modos e pavio curtos, declarou persona non grata o próprio António Guterres, secretário-geral da organização. Na semana passada, um tanque israelense em território libanês atingiu uma torre de observação da Unifil, sigla da força de paz internacional naquela fronteira encrencada, fazendo quatro feridos.
A Unifil tem um contingente de 10 mil “capacetes azuis” de 50 nacionalidades de integrantes da ONU. Nunca conseguiu impedir o enraizamento militar do Hezbollah no sul do Líbano — nem tentou. Por suspeitar que a milícia xiita tem usado essa proximidade como escudo, Israel chegou a emitir uma quase ordem para que a missão de paz se afastasse de algumas posições. Pedido negado. No dia seguinte, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI), general Daniel Hagari, fez uma transmissão em inglês do interior de uma casa que disse situada na região conflagrada. Do vilarejo, veem-se apenas escombros, e o imóvel em questão está em ruínas.
— Venham comigo — convida Hagari, passando a circular pelo que resta amontoado: coletes, capacetes, granadas, rifles de precisão, de mira telescópica com visão noturna, explosivos. — Tudo empilhado para a grande invasão... um massacre em grande escala maior do que o 7 de Outubro.
O general encerra a transmissão afirmando que cada casa da região é uma base do Hezbollah e que haverão de ser eliminadas.
— Esta é uma invasão limitada e dirigida à parte norte de Israel, ok? — conclui.
Não ok. Um quarto do território do Líbano já foi submetido a ordens de evacuação por parte das FDI, com o deslocamento forçado da população em mais de cem vilas do sul e alguns subúrbios da capital densamente habitados por xiitas. Numa mensagem de vídeo dirigida a seus vizinhos bombardeados, o próprio Netanyahu lhes oferece o que seria uma escolha: “A oportunidade de salvar o Líbano antes que ele caia no abismo de uma longa guerra, que resultará em destruição e sofrimento semelhante ao que vemos em Gaza”. Por meio de seu comunicado, o primeiro-ministro garante que o Hezbollah já está enfraquecido e que, além de matar o líder máximo Hassan Nasrallah, também seu substituto e o substituto do substituto foram eliminados, cabendo portanto à população erradicar esse braço armado do Irã. Ou então, Gaza.
Gaza 1 — Na semana passada, o bombardeio de uma escola em Deir al Balah apinhada de deslocados gerou imagens ainda não vistas mesmo para quem acompanha diariamente a desumanização no enclave. Nacos, muitos nacos de carne humana e pedaços de gente sendo recolhidos por mãos aflitas, jogados num grande lençol que foi se enchendo de matéria humana ainda mole. Ao final, o grande lençol também foi levado para o hospital Al-Aqsa, com os feridos e mortos ainda inteiros.
Gaza 2 — Também na semana passada, três hospitais ainda funcionando parcialmente no setor norte de Gaza receberam prazo de 24 horas para a evacuação total de equipes médicas e pacientes. O diretor de uma das unidades, o Kamal Adwan Hospital — único da região com UTI pediátrica —, lançou um apelo ao mundo, por meio da rede noticiosa ABC News, para evitar o fechamento da unidade:
— Estes civis são inocentes, são mulheres, crianças — argumenta em árabe, enquanto mostra pacientes atrelados aos aparelhos que lhes dão vida.
Entre eles, um bebê, várias crianças entubadas, os corpos com estilhaços. É preciso contar, diz o doutor Husam Abu Safiyeh.
Sim, é preciso. É o que fazemos aqui.
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