Acabou? Ainda não acabou de todo. Mas já dá para afirmar que as eleições não são mais aquelas. Principalmente para mim, que participei diretamente de quase todas do período democrático.
Eu as achei mais tristes que outrora. Como candidato, caí em muitas ciladas. Cilada era ir a um evento programado para conquistar votos e encontrar apenas o autor do convite acenando alegremente uma bandeirinha. Escapar das ciladas com leveza e bom humor é uma arte necessária, porque elas são presentes mesmo na vida de quem não é candidato.
Agora, vi algumas pessoas tristes portando uma bandeira encardida, com nome e número. Eram pagas para isso, passaram horas solitárias numa esquina movimentada. Pareciam dizer:
— Meu candidato fará cemitérios limpos e acessíveis.
Os debates antes eram calorosos. Mesmo os que contestavam o sistema o faziam com elegância e rigor gramatical, como o Dr. Enéas. Lembro-me de um debate para o governo do Rio em que a angústia de Aarão Steinbruch me comoveu. Ele estava perto dos 70 anos, precisava ir ao banheiro, e o intervalo não chegava. Com a idade, passei a entender mais essa urgência. Aliás, o próprio Ulysses Guimarães dizia em suas viagens políticas:
— Sempre que houver um banheiro, use, pois não se sabe nunca quando aparecerá outro.
Outro dia, lembrei-me dos comícios de campanha. Sempre havia um bêbado interagindo ruidosamente com os oradores.
Tudo isso acabou. E, se me refiro a essa época com alguma nostalgia, é porque era mais leve. O traço distintivo talvez fosse este: achávamos que a democracia era irreversível e cada vez mais se aperfeiçoaria. Hoje surgiu a sombra do autoritarismo, a possibilidade de regressão, inexistente no quadro da democracia idealizada.
Naqueles anos já havia a globalização. Nos países mais ricos, uma classe média começava a se sentir ameaçada pela emigração que furava a fila nas suas pretensões de ascensão social. As lutas identitárias já existiam. Trabalhei com elas, mas ainda não levavam à severidade do politicamente correto. As reações à diversidade crescente ainda não encontravam a resistência dramática dos que experimentam a política como missionários e acham que existe apenas uma única visão de boa vida, extensiva a todos.
A verdade é que a política tão presencial do passado, o corpo a corpo cotidiano, se deslocou para as redes. Milhões de pessoas a seguem pelo WhatsApp. Ao mesmo tempo que se torna mais vulnerável, a democracia avança. Talvez isso explique a enigmática frase de Ulysses Guimarães quando se reclamava do nível do Congresso:
— Esperem o próximo. Vai ser pior.
Tive alguma esperança na eleição de São Paulo. Ela apresentou um aventureiro jogando na distância entre a política e o povo e acabou resultando em debates melancólicos. Pablo Marçal ficou fora do segundo turno.
As soluções nas grandes metrópoles são fascinantes. Copenhagen reduziu suas emissões de CO2 de forma drástica; Paris recuperou o Rio Sena; os chineses experimentam a ideia de cidades-esponja para enfrentar grandes chuvas.
Nós contribuímos com uma cadeirada cinematográfica no candidato. Apesar disso, alguns sinais sugerem que a tão decantada polarização não dominou tudo. Os grandes eleitores, Lula e Bolsonaro, não tiveram o papel que se projetava para eles. Novos e promissores quadros políticos têm surgido, ainda que não tenham conquistado vitória eleitoral.
Faltou a experiência de uma campanha sorridente, otimista, voltada para o futuro, como a de Kamala Harris nos Estados Unidos. É preciso esperar ainda o resultado das eleições americanas para ver se o antídoto à indiferença e ao ressentimento funcionam. O que acontece lá não se reproduz mecanicamente noutros lugares, mas dá uma ideia de como tratar essa onda de rancor que domina a política dos nossos dias.
Artigo publicado no jornal O Globo em 07/10/2024
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