José Carlos Dias é âncora moral para as novas gerações
Ingressar no centro de tortura do DOI-Codi ou no prédio do
Dops para atender perseguidos políticos, em plena vigência do ato institucional
número 5, exigia muita coragem e ousadia de um advogado. Defender mais de 500
presos políticos durante o regime de exceção, muitos deles gratuitamente,
demandava também enorme competência e determinação. O fato é que essas virtudes
nunca faltaram a José Carlos Dias.
A trajetória de José Carlos Dias indica que ele jamais
gostou de andar sozinho. Em 1970, aceitou o convite de dom Paulo Evaristo Arns
para formar, ao lado de Margarida Genevois, Dalmo Dallari, José Gregori, Fabio
Comparato e outros militantes dos direitos humanos, a Comissão de Justiça e
Paz. Organização que foi fundamental na luta contra a tortura durante o regime
militar.
Em 1977, José Carlos Dias voltou parte de
sua interminável energia para o processo de abertura, sendo um dos redatores e
articuladores da famosa Carta aos Brasileiros, que viria a se transformar num
dos marcos fundamentais da redemocratização, participando ativamente da
mobilização das Diretas e da convocação constituinte, ao lado de Miguel Reale
Jr. e de outros amigos de geração.
Desde cedo, José Carlos teve clareza de que as violações de
direitos humanos não terminariam com o fim da ditadura, especialmente em
relação a presos comuns e aos grupos vulneráveis que habitam as periferias
sociais brasileiras. Por isso aceitou o desafio de assumir a Secretaria de
Justiça, no governo Montoro em São Paulo, e o Ministério da Justiça, na
Presidência de Fernando Henrique Cardoso.
Em ambas oportunidades colocou em curso projetos inovadores
de reforma do sistema carcerário e da segurança pública. A falta de compromisso
de sucessivos governos de direita, centro e esquerda com essas reformas nos
levaram a uma dramática deterioração das condições de segurança no Brasil, como
estamos testemunhando hoje em São Paulo.
Quando parecia animado com a ideia de reduzir o passo, foi
convocado mais uma vez a defender a democracia. Sua contribuição para a
Comissão Arns, idealizada por Paulo Sérgio Pinheiro, foi essencial para
reconstruir o tecido da sociedade civil brasileira. A escolha unânime de José
Carlos Dias para ler o Manifesto de Defesa do Estado de Direito, em 11 de
agosto de 2022, em nome de centenas de entidades —do Movimento Negro à Fiesp,
da CUT à Febraban—, foi o reconhecimento de sua rica trajetória.
O percurso de José Carlos Dias tem sido marcado por enorme
coerência política, correção moral e competência profissional, além de um forte
compromisso com o pluralismo, a tolerância e, sobretudo, com a defesa dos
direitos humanos.
José Carlos Dias tornou-se ao longo das últimas décadas uma
espécie de âncora moral para as novas gerações de advogadas e advogados, assim
como para todos aqueles que militam pela dignidade humana.
Como se não bastasse, em José Carlos Dias todas essas
virtudes republicanas convivem de forma mais que harmoniosa com uma aguda
sensibilidade poética, um humor brejeiríssimo e uma despretensão militante.
A trajetória desse brasileiro gigante, como cravou Juca
Kfouri, nos chega agora por meio de um conjunto de relatos cuidadosamente
organizados por Ricardo Carvalho e Otávio Dias. "Democracia e
Liberdade", uma inspiradora leitura para este final de ano.
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