A eleição de 2026 é a bússola daqui para diante. O
desafio será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas
propostas de políticas públicas
O ano novo político começará cheio de expectativas. Qual
será a agenda dos novos presidentes da Câmara e do Senado? Qual será a feição
da reforma ministerial do governo Lula? Que pauta legislativa aproximará e qual
afastará os Poderes (incluindo o STF)? Haverá novos ajustes fiscais? O
orçamento das emendas será provavelmente modificado, mas em que medida? Tantas
questões antecedem a bússola principal daqui para diante: a eleição de 2026. O
desafio, neste caso, será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças
com suas propostas de políticas públicas. Sem isso, o avanço do país será
lento, ou haverá retrocesso.
As últimas duas eleições presidenciais foram contra algo, e
não a favor de uma agenda de políticas públicas. O programa de governo de
Bolsonaro em 2018 era risível, feito por gente inexperiente e radicalizada por
chavões que não eram capazes de dar o suporte a uma gestão presidencial. Não
por acaso seu mandato foi marcado pela ausência de políticas estruturadas na
maior parte dos setores, perdendo-se em debates sobre valores e se propondo,
como disse o próprio ex-presidente em frase célebre, mais a desconstruir do que
a construir novos paradigmas de ação governamental. O resultado foi a piora
substancial em áreas como Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Meio
Ambiente, Relações Internacionais e Direitos Humanos.
O pleito de 2022 foi marcado pela
polarização centrada na contraposição Bolsonaro versus Lula. Estavam em jogo
projetos civilizatórios, mais do que políticas públicas. De um lado, um
candidato com um perfil claramente autoritário, que quase liderou um golpe de
Estado e cujas ideias radicais de extrema direita expressaram-se no desprezo
pelos adoentados e mortos pela covid-19.
Do outro, um ex-presidente muito identificado com as
questões sociais - como mostra sua força eleitoral junto à imensa parcela de
pobres do país - e com o processo de redemocratização brasileiro. Claro que
houve políticas públicas bem-sucedidas nos seus dois períodos governamentais
anteriores, mas isso ocorrera havia mais de uma década e pouca coisa tinha sido
atualizada para os dias atuais.
Em outras palavras, uma agenda de políticas públicas
antenada com os desafios da terceira década do século XXI não esteve no centro
das duas últimas disputas eleitorais, tomadas por polarizações baseadas em
discussões amplas e genéricas. O debate público pode puxar outras pautas e
assim pressionar os candidatos a terem uma outra postura, permitindo que o país
se concentre no que é mais importante para o seu futuro.
Não se pode negar que havia um risco enorme no Brasil em
2022 - e talvez continue havendo em 2026, pois o autoritarismo ainda move parte
dos políticos e eleitores. Entretanto, sem negar esse fato, é preciso trazer as
políticas públicas para o centro do debate. A cobertura da mídia pode ajudar
neste processo, realçando mais os diagnósticos e, especialmente, prognósticos
de boas políticas públicas.
Em geral, as matérias jornalísticas procuram os erros das
propostas dos candidatos, procurando marcar sua independência. Só que a maior
parte do espaço deveria ser dedicado a realçar um cardápio de políticas que
geram soluções críveis baseadas em evidências, sem simplismos, nem
maniqueísmos.
A principal agenda do Brasil desde a redemocratização deriva
do espírito da Constituição de 1988, baseada na garantia dos direitos dos
cidadãos, especialmente a busca da melhor provisão de serviços públicos na área
social. Esse é o caminho que FHC e Lula começaram a construir e tiveram muitos
êxitos. Um dos problemas civilizatórios do projeto de Bolsonaro é que ele foi a
favor da desconstrução desse modelo, optando por uma ideia vaga de liberdade
que só gerou aumento da pobreza e da desigualdade. O atual governo está
recuperando o caminho anterior, mas mesmo ele já não se sustenta apenas com
medidas pensadas nas décadas de 1990 e 2000.
Nos últimos 30 anos também houve agendas setoriais
bem-sucedidas, com avanços incrementais em várias áreas. No entanto, o país
precisa hoje de uma atualização de sua agenda de políticas públicas, o que não
significa um corte total com o passado, mas um debate sobre a estrutura de
prioridades e um balanço dos melhores caminhos para os desafios atuais.
Nesta linha, por exemplo, temas como Mudança Climática,
Primeira Infância, Segurança Pública, Educação Profissional (na escola e ao
longo da trajetória laboral) e políticas de Saúde para toda a vida deveriam
ganhar destaque que não tiveram nos últimos 20 anos na pauta federal.
A sociedade brasileira passou por grandes transformações e
as políticas públicas devem se adequar a esse processo. Num caso de avanço, o
país colocou as crianças e jovens nas escolas, como nunca fizera em sua
história. Mas agora se quer um novo modelo de aprendizado e desenvolvimento
infantojuvenil, baseado principalmente em escolas de tempo integral, com
profissionais dedicados a apenas uma escola, com maior integração da política
educacional com as comunidades e outras políticas públicas, além de melhorias
no processo pedagógico.
Numa área em que houve poucos avanços, a política urbana
precisa olhar para a nova realidade das periferias brasileiras e para o
crescimento das médias cidades. A questão do emprego precisa ter também uma
perspectiva local, em termos de oportunidades de empreendedorismo, atração de
novos negócios, melhoria habitacional e do transporte público. Os avanços
obtidos com as agendas anteriores melhoraram a vida das pessoas, só que elas
querem novas políticas públicas, com outros focos. Na verdade, o país tem tido
dificuldades de conciliar políticas para os mais pobres com outras voltadas à
classe C.
A desigualdade continua sendo o grande tema sistêmico da
agenda brasileira. Isso não quer dizer que sua abordagem não tenha mudado.
Deve-se se falar mais em desigualdades múltiplas, com soluções específicas e,
ao mesmo tempo, articuladas, para questões como a igualdade de gênero, racial e
regional. Todavia, combater as disparidades e preconceitos não envolve apenas
proteção e redistribuição de recursos. A produção de oportunidades e de
caminhos de ascensão social podem favorecer uma luta menos defensiva em prol da
igualdade e da diversidade.
Como acoplar a temática ambiental com o restante da agenda
brasileira talvez seja o maior desafio, não só de construção de política
pública, como também para convencer a sociedade (ou setores dela) a ter um novo
modo de vida. As dificuldades não apagam o fato de que a valorização da questão
ambiental é inexorável. De um lado, porque ela é um ativo do país tanto para
alavancar o desenvolvimento, como no plano energético e de novas indústrias,
quanto no plano internacional. E, de outro, porque se não melhorarmos as formas
de relacionamento com a natureza, desastres climáticos e outros danos atingirão
a todos, com maior força sobre os mais pobres. Em resumo, o fracasso na
política ambiental vai tornar o Brasil mais pobre, desigual e subdesenvolvido.
Melhorar as políticas passa, ademais, por aperfeiçoar as
formas de governança. Cinco questões são essenciais aqui. A primeira é a
articulação federativa, uma vez que o sucesso das políticas públicas deriva
muito da capacidade de coordenação entre a União, os estados e os municípios.
Não haverá avanços, por exemplo, na Segurança Pública se
cada ente agir sozinho. Isso é uma ilusão, ou apenas uma forma partidarizada de
inviabilizar o país. É fundamental garantir a autonomia dos estados, mas eles
não conseguirão sozinhos equacionar o problema do crime organizado, que se
tornou uma questão nacional.
A solução aqui, como noutras políticas, passa pela criação
de um Sistema Nacional de Políticas Públicas, no qual haja formas
institucionalizadas de debate e deliberação entre os níveis de governo, bem
como formas para apoiar e induzir o reforço das capacidades estatais locais.
A segunda forma de governança é a intersetorialidade. Muitos
problemas só serão resolvidos com a integração de áreas, como nos casos da
Mudança Climática e da Primeira Infância. Uma terceira forma essencial é a
articulação com a sociedade. Quanto mais os governos auscultarem a população e
fizerem parcerias com organizações sociais, mais chances haverá de se ter uma
implementação bem-sucedida de políticas.
A atuação conjunta dos Poderes é uma quarta forma de
governança que deve urgentemente ser fortalecida, seja para responsabilizar
todos os atores públicos em relação às políticas públicas, seja para ganhar
parceiros que podem ajudar na multiplicação de boas práticas. Alguns Tribunais
de Contas estaduais têm dado exemplos interessantes de como apoiar políticas
locais. Por fim, é essencial ter um Estado mais baseado na prevenção do que no
tratamento muitas vezes tardio dos problemas.
Desse ponto, emerge uma recomendação: que os candidatos em
2026 apresentem quais medidas práticas e bem detalhadas tomarão para o Brasil
ser melhor nos dez anos seguintes. Não vale centrar em bordões, nem defender
soluções que não tenham base empírica. O que vale são propostas de políticas
públicas.
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