Com menos de 50 dias de governo, ainda sob o impacto da
tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, já era possível
diagnosticar que o presidente Lula era prisioneiro de uma "jaula de
cristal
Com menos de 50 dias de governo, ainda sob o impacto da
tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, já era possível
diagnosticar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era prisioneiro de uma
"jaula de cristal", embora houvesse uma mudança da água para o vinho
na situação política do país com sua chegada ao poder. A parábola do
ex-ministro do Planejamento chileno Carlos Matus, na obra O líder sem
Estado-Maior, descreve "os imponentes e frágeis" gabinetes de líderes
que se isolam e se tornam prisioneiros de uma pequena Corte.
"Um homem sem vida privada, sempre na vitrine da
opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode
aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem
transparecer seu estado de ânimo", aponta Matus. "O governante
sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo, nem
saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando", completa.
Na tentativa
de realizar o impossível, continua Matus, "deteriora a governabilidade do
sistema e não aprende, porque não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido
por uma prática que acredita dominar, mas que, na realidade, o domina. Acumula
experiência, mas não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a
capacidade para governar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de
governo resulte nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder
para fazer e a capacidade cognitiva para fazer".
Na recente viagem ao Amapá e ao Pará, no decorrer da semana,
o presidente Lula saiu da "jaula de cristal", com seu pulo do gato: a
velha narrativa populista de campanhas. Um velho amigo, cientista político,
numa dessas conversas de redes sociais, foi cirúrgico: "o tom dos oradores
já é retoricamente patético e politicamente esotérico. Falta pouco para se
instalar um clima de exasperação equivalente ao do barco à deriva dos últimos
meses de Dilma. Lula está sangrando em público".
Seu interlocutor, quase sempre tolerante com Lula, perdeu a
paciência: "Lula foi ao Amapá e acabou possuído. Falou por uma hora,
abusando do popularesco e da mistificação. Valeu tudo, a mãe, Deus, as emas, os
jabutis e o tucunaré. Inacreditável". Esse tipo de crítica não tem nada a
ver com a oposição a Lula, sobretudo a bolsonarista. Meus amigos torcem para o
governo dar certo.
Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira aponta que 24%
dos eleitores brasileiros aprovam o governo do presidente Lula e que 41%
reprovam. Dos entrevistados, 32% avaliam o governo como regular, e 2% não
souberam ou não responderam. Nos seus piores momentos, no primeiro mandato,
Lula havia atingido 28% de ótimo e bom em outubro e dezembro de 2005, no auge
da crise do mensalão. Seu maior índice de ruim e péssimo, 34%, em dezembro de
2024. Essa situação somente se compara ao segundo mandato de Dilma Rousseff, o
fantasma que ronda o Palácio do Planalto.
Inflação e corrupção
Os habitantes da "jaula de cristal" não são
afeitos a autocríticas, a culpa de tudo está na inflação e na chamada
"crise do Pix" ou seja, jogam no colo do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, toda a responsabilidade pela impopularidade de Lula. Antes, a
culpa era do ministro da Comunicação, Paulo Pimenta, substituído pelo
marqueteiro Sidônio Palmeira, o principal responsável pela recidiva do
populismo explícito de Lula, na base do "agora, vai".
O IPCA de janeiro foi de 0,16%, a menor taxa para o mês
desde o início do Plano Real, em 1994. O índice foi derrubado pela redução das
tarifas de energia elétrica proporcionada pelo bônus de Itaipu. Os habitantes
da "jaula de cristal" culpam os supermercados pela alta dos alimentos
e o Banco Central pela alta de juros. Essa ladainha vai recrudescer.
A inflação não é causa, é consequência. Medidas sociais e
incentivos ao crescimento econômico são meninas dos olhos de Lula. Ninguém é
capaz de convencê-lo de que um corte de 2% nas despesas do governo,
perfeitamente possível, acabaria com o deficit primário, inverteria todos os
sinais do governo em relação aos agentes econômicos e ainda aumentaria a
produtividade e qualidade da administração federal.
E se o problema não for apenas a inflação, mas também a
perda de liderança moral perante a sociedade, por causa da resiliente crise
ética que provocou o tsunami eleitoral de 2018? O Brasil está empatado com
Argélia, Nepal, Tailândia, Maláui e Níger no Índice de Percepção da Corrupção
(IPC) da Transparência Internacional.
Exibe a pontuação 34, sua pior posição desde 2012, o começo
da série histórica. Está nove pontos abaixo da média global e oito abaixo da
média das Américas. A principal evidência de corrupção, segundo a Transparência
Internacional, é a presença cada vez maior do crime organizado nas instituições
estatais. Outra evidência é o descontrole no pagamento das emendas
parlamentares, mais de R$ 148,9 bilhões em cinco anos, sem transparência nem
rastreamento. Governo e Congresso estão juntos e misturados.
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