Ideia de uma 'fuga para frente' a partir de um grande
acordo esbarra em dificuldades nos casos envolvendo Bolsonaro
As últimas semanas têm sido pródigas em balões de ensaio com
saídas para lá de heterodoxas para resolver impasses políticos, judiciais ou
institucionais. Das condenações do 8 de Janeiro à expectativa diante da
iminente denúncia de Jair Bolsonaro, ex-ministros, militares e outros
assessores pelas tratativas para um golpe ainda antes da posse de Lula,
passando pelo imbróglio das emendas, muita gente parece empenhada em desenhar
uma “fuga para a frente”, como bem definiu um observador com vista para a Praça
dos Três Poderes.
A expressão, de origem francesa, costuma designar aqueles
movimentos para tentar resolver um problema escondendo o passivo debaixo do
tapete. Nesse balaio, sobram ideias à procura de quem as leve adiante. Pouca
gente responsável pelos desígnios do Legislativo ou do Judiciário acredita que
alguma delas prospere.
Ao minimizar os atos de janeiro de 2023, o
recém-empossado presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), procurou
apenas dar alguma satisfação a seus eleitores bolsonaristas. O mais provável,
de acordo com seu entorno e com a expectativa do Planalto, é que ele se
concentre, daqui em diante, em fazer andar a pauta econômica, depois de um ano,
2024, em que a Casa ficou sequestrada pelo barulho ideológico de suas comissões
permanentes.
As declarações do ministro da Defesa, José Mucio, no Roda
Viva, sugerindo que deveria haver dosimetria das penas para os condenados por
aqueles atos, até causaram certo burburinho nos gabinetes de Brasília ao longo
desta terça-feira, mas, no fim do dia, a conclusão era que ele procurou apenas
fazer um aceno aos militares, ansiosos diante da expectativa da apresentação da
denúncia de Paulo Gonet no inquérito do golpismo bolsonarista — que pode
atingir até 25 oriundos das Forças Armadas, da ativa ou da reserva.
No Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros não se
comovem com o zum-zum-zum pré-denúncia de Gonet. Acreditam que a pressão
bolsonarista tem “chance zero” de alterar tanto as condenações já decididas dos
executores da nossa versão do Capitólio quanto os rumos do julgamento do
ex-presidente e daqueles que participaram com ele das maquinações para não
passar o poder a Lula — e outras piores, como o plano lunático de assassinar o
presidente eleito, seu vice, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Se, na esfera penal, os caminhos estão interditados para
acordos que signifiquem a tal “fuga para a frente”, na novela das emendas, a
disposição parece ser maior em todos os palácios envolvidos. O ministro Flávio
Dino ainda dispõe de ampla maioria para cobrar a execução do acórdão firmado
pelo STF para dar às emendas Pix e de comissão a transparência e
rastreabilidade exigidas, mas a Corte não pretende ficar indefinidamente
comprando briga com Senado e Câmara enquanto o próprio governo Lula adota
postura dúbia, para dizer o mínimo, em relação à captura do Orçamento pelo
Congresso.
O mais provável é que se chegue a um entendimento quanto ao
futuro das liberações, para que elas não fiquem sujeitas a paralisações de
tempos em tempos por ordem de Dino, e que o “passado”, os eventuais desvios
cometidos nos tempos em que o dinheiro fluía sem freios nem muitas digitais,
seja resolvido pela Polícia Federal — e esse, por mais que signifique algum
entendimento, ainda é um cenário que tira o sono de muita gente.
Essa solução pode não ser suficiente para dar a Lula um
horizonte de convívio pacífico com o Legislativo. Todos os esforços do
presidente e dos ministros nos últimos dias parecem ser nesse sentido, mas a
fumaça branca só virá mesmo quando o bode das estimadas emendas for tirado em
definitivo da sala.


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