Estamos assistindo, em diferentes formatos e intensidades, a
um processo de corrosão da democracia?
A lógica por trás de todos os golpes é enfraquecer
instituições para concentrar poder
A Constituição brasileira não possui uma definição precisa
de golpe. Pensamos, de forma geral, que golpe é a tomada de poder de forma
inconstitucional. A tomada clássica, digamos, seria o impedimento de eleições.
Mas há muitas formas de ampliar o poder de forma inconstitucional.
Ao que parece, Bolsonaro se reuniu com militares, pressionou
instituições e fez discursos que incentivavam atos golpistas. Em um famigerado
desfile de 7 de Setembro na Avenida Paulista, Bolsonaro disse que só sairia do
poder preso, morto ou com vitória. O ex-presidente deve ser julgado ainda neste
ano por tentativa de golpe. Bolsonaro parecia envolvido em um clássico “coup
d’état” latino-americano que, felizmente, falhou.
Mas nem todo golpe acontece de maneira
explícita. Há também tentativas mais sutis de captura do Estado por dentro. A
lógica subjacente é a mesma: enfraquecer instituições para concentrar poder. No
governo Bolsonaro, interferências na Polícia Federal e mudanças em entes
federais foram feitas sob o mantra da eficiência, mas funcionaram para colocar
aliados e não técnicos.
Discurso semelhante aparece nos EUA. Na sua última coluna
para o Financial Times, Martin Wolf alertou para o desmantelamento do serviço
público americano pelo Department of Government Efficiency, de Elon Musk. A
justificativa é de que um Estado menor significa maior eficiência. Mas, como
bem apontou Wolf, a ausência de pessoal qualificado pode levar ao colapso
administrativo e abrir caminho para decisões centralizadas e personalistas.
De acordo com o Washington Post, candidatos a altos cargos
de segurança nacional estão sendo questionados sobre suas crenças nas alegações
infundadas de Trump. Perguntas como “a eleição foi roubada?” e “o ataque ao
Capitólio foi uma ação interna?” mostram como um processo de filtragem
ideológica pode minar a neutralidade do Estado.
Quando até ataques explícitos à democracia, como os atos do
6 de Janeiro nos EUA e do 8 de Janeiro no Brasil, são minimizados, ações mais
discretas de corrosão institucional passam quase despercebidas. O desgaste da
máquina pública deixa de ser visto como ameaça real disfarçado de eficiência.
Golpes clássicos, tentativas de captura do Estado por dentro
ou o desmonte estratégico da administração pública seguem a mesma lógica:
enfraquecer a capacidade do Estado para subordiná-lo a um projeto autoritário.
Será que estamos assistindo, em diferentes formatos e intensidades, a um
processo de corrosão da democracia moderna?
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