Governo brasileiro deveria promover estudos para definir
legislação que defenda os interesses do agro e da indústria
O mundo se transformando rapidamente, tanto na economia como
na ordem política. O livre comércio está sendo substituído pelo nacionalismo,
pelo protecionismo e por medidas que enfraquecem a globalização. O comércio
exterior já está sofrendo fortes impactos.
Considerações de poder, com base na segurança nacional,
passaram a influir na aplicação de restrições comerciais como arma política,
como as sanções e restrições. Medidas americanas (tarifas, chips, nuvem) e
chinesas (área de mineração). O início do governo Trump nos EUA é uma clara
indicação de que poderá haver uma escalada nessas medidas restritivas levando a
uma guerra comercial envolvendo os EUA, a China e a Europa, com fortes
consequências para os países em desenvolvimento, como o Brasil.
As medidas tomadas agora pelos EUA foram
precedidas por restrições unilaterais adotadas pela União Europeia (UE), no
contexto da política de meio ambiente ( Green Deal), barrando a entrada de
produtos agrícolas oriundos de áreas desmatadas e industriais que não possam
compensar suas emissões de gás de efeito estufa.
A UE, antecipando-se a eventuais políticas restritivas
contra os países-membros, se adiantou e produziu legislação, já em vigor, para
defender os produtos da região, a chamada lei contra medidas restritivas
comerciais e de investimento (lei anticoerção – Regulamento 2.675 do Parlamento
Europeu e do Conselho, 22/11/2023).
A lei anticoerção europeia determina que a restrição
econômica existe quando um país não europeu aplica ou ameaça aplicar medidas
afetando o comércio ou o investimento a fim de evitar ou obter a cessação,
modificação ou adoção de uma medida por parte da UE ou de algum Estado-membro,
assim interferindo na decisão legítima e soberana da UE ou de um Estadomembro.
A comissão preliminarmente deverá explorar com o país que
impõe a coerção as opções negociais baseadas na boa-fé para a suspensão das
medidas ou obter reparação pelo dano.
As medidas poderão ser tomadas pela UE quando três condições
estejam presentes: os esforços de negociação não produzam resultados depois de
um período razoável de tempo (as medidas não foram suspensas nem houve
compensação pelo dano); as medidas de reposta da UE são necessárias para
proteger os interesses europeus e os direitos em algum caso particular; as
medidas de resposta são de interesse na UE.
Se os entendimentos e negociações com a parte agressora não
conseguirem eliminar a medida ou a ameaça de medida restritiva, será possível
aplicar, na defesa do interesse europeu, determinadas medidas. Essas medidas,
que terão de ser equivalentes na natureza e na quantidade, poderão incluir:
imposição de tarifas novas ou aumentadas; restrições de exportação ou
importação, incluindo controles de exportação; bens ou medidas internas
aplicadas a bens; bens ou serviços de compras governamentais ou licitação de bens
ou serviços; medidas afetando comércio de serviços; medidas afetando o acesso
de investimento direto na UE; restrições sobre proteção de direitos de
propriedade intelectual e sua exploração comercial; restrições no sistema
bancário, seguro, acesso ao mercado de capital europeu e outras atividades do
serviço financeiro.
No caso do Brasil, não há legislação que permita a tomada de
medidas contrárias à imposição de sanções, medidas restritivas ou tarifas
unilaterais, em desrespeito às regras negociadas internacionalmente. O Brasil
sempre defendeu que os direitos afetados na área comercial deveriam ser
defendidos multilateralmente na Organização Mundial de Comércio (OMC). Nos
últimos anos, a OMC, como a instituição que julga diferenças comerciais entre
países, foi esvaziada pela não aprovação pelos EUA de juízes para o órgão de
apelação do mecanismo de solução de controvérsias, e com isso perdeu a força e
a influência que beneficiava os países em desenvolvimento, sem outro recurso
para contrapor às medidas unilaterais sem base legal. Para superar essa
dificuldade, em 2022, a OMC aprovou decisão que autoriza os países que aderiram
(inclusive o Brasil) a tomar medidas de retaliação após decisão de primeira
instância.
A lei da selva no comércio internacional, nos últimos anos,
ampliada com as novas políticas do governo Trump, ameaça todos os países com
medidas restritivas e a imposição de tarifas unilaterais. Nesse contexto, o
governo brasileiro deveria promover estudos para definir legislação que defenda
os interesses do agro e da indústria, com a aprovação de contramedidas que
respondam à imposição por outro país de restrições ao comércio exterior
brasileiro, sem uma base legal.
A legislação brasileira de defesa comercial tem um caráter defensivo e existe há muitos anos. As novas circunstâncias do cenário internacional e a perspectiva de uma escalada na aplicação de medidas restritivas generalizadas demandam uma legislação adicional, atualizada, para evitar prejuízo aos interesses do governo e do setor privado. A legislação da UE poderia ser adaptada às circunstâncias e características do agro e da indústria nacionais.
Governo e Congresso têm de agir de forma coordenada para analisar e aprovar essa legislação o mais rapidamente possível.


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