sábado, 22 de fevereiro de 2025

O INFERNO DE BOLSONARO

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Ex-presidente que sempre defendeu tortura agora busca se socorrer de direitos humanos para tentar saída jurídica

Dante Alighieri imaginou um inferno em que os suplícios impostos aos condenados guardam algum tipo de ligação com o pecado que determinou sua perdição. Os iracundos, por exemplo, são relegados ao quinto círculo, onde golpeiam uns aos outros dando vazão à sua raiva sem fim.

A ideia de que nossos infernos pessoais são desenhados para nos afligir de forma particularmente dolorosa está ganhando inesperada materialidade nos périplos jurídicos de Jair Bolsonaro.

As acusações contra o ex-presidente estão em larga medida baseadas na delação premiada de Mauro Cid, que entregou tudo depois de uma interação com o ministro do STF Alexandre de Moraes, que o ameaça com uma prisão preventiva.

A defesa de Bolsonaro já disse que tentará anular a delação. Ela teria sido obtida, nas palavras dos bolsonaristas mais exaltados, mediante tortura. É aqui que as coisas ganham uma dimensão dantesca. Bolsonaro é um entusiasta da tortura. Há na internet um vídeo de 1999 em que ele defende que pessoas que invocam o direito constitucional ao silêncio para não se incriminarem (nem a eventuais terceiros) sejam torturadas.

Não penso que prisões preventivas configurem tortura. Mas, pela lógica bolsonarista, Moraes deveria ser condecorado por arrancar a confissão de Cid, não importando os métodos utilizados.

Se Bolsonaro fosse coerente e destemido, proibiria seu defensor Celso Vilardi de recorrer a essa estratégia. Aliás, a relação entre Bolsonaro e Vilardi também tem um aspecto curioso.

Antes de ser contratado, Vilardi assinou manifestos e deu declarações que ligavam Bolsonaro a movimentações golpistas. Agora, ele defende a tese contrária.

Penso que até o pior celerado deve ter direito a defesa e não costumo confundir o advogado com seu cliente, mas não há como não reparar na ironia da situação. Falta descobrir se é Bolsonaro que está sendo punido ao ter de contratar um advogado que enxergou sua real natureza, ou se é Vilardi, por ter de trabalhar para livrar a cara de alguém como Bolsonaro.

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