Ex-presidente que sempre defendeu tortura agora busca se
socorrer de direitos humanos para tentar saída jurídica
Dante
Alighieri imaginou um inferno em que os suplícios impostos aos
condenados guardam algum tipo de ligação com o pecado que determinou sua
perdição. Os iracundos, por exemplo, são relegados ao quinto círculo, onde
golpeiam uns aos outros dando vazão à sua raiva sem fim.
A ideia de que nossos infernos pessoais são desenhados para
nos afligir de forma particularmente dolorosa está ganhando inesperada
materialidade nos périplos jurídicos de Jair
Bolsonaro.
As acusações
contra o ex-presidente estão em larga medida baseadas na delação
premiada de Mauro Cid,
que entregou tudo depois de uma interação com o ministro do STF Alexandre
de Moraes, que o ameaça com uma prisão preventiva.
A defesa de Bolsonaro já disse que tentará anular a delação.
Ela teria sido obtida, nas palavras dos bolsonaristas mais exaltados, mediante
tortura. É aqui que as coisas ganham uma dimensão dantesca. Bolsonaro é
um entusiasta
da tortura. Há na internet um vídeo de 1999 em que ele defende que pessoas
que invocam o direito constitucional ao silêncio para não se incriminarem (nem
a eventuais terceiros) sejam torturadas.
Não penso que prisões preventivas configurem tortura. Mas,
pela lógica bolsonarista, Moraes deveria ser condecorado por arrancar a
confissão de Cid, não importando os métodos utilizados.
Se Bolsonaro fosse coerente e destemido, proibiria seu
defensor Celso
Vilardi de recorrer a essa estratégia. Aliás, a relação entre
Bolsonaro e Vilardi também tem um aspecto curioso.
Antes de ser contratado, Vilardi assinou manifestos e deu
declarações que ligavam Bolsonaro a movimentações golpistas. Agora, ele defende
a tese contrária.
Penso que até o pior celerado deve ter direito a defesa e
não costumo confundir o advogado com seu cliente, mas não há como não reparar
na ironia da situação. Falta descobrir se é Bolsonaro que está sendo punido ao
ter de contratar um advogado que enxergou sua real natureza, ou se é Vilardi,
por ter de trabalhar para livrar a cara de alguém como Bolsonaro.
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