A denúncia do PGR e a delação de Cid mostram que
estivemos muito perto de um golpe ‘A democracia correu riscos’, diz presidente
de STM
"Eu te digo com muito assombro que eu não tenho dúvidas
de que a democracia correu sérios riscos e que se tivesse sido decretado a GLO
provavelmente o golpe teria sido desfechado”. Ouvi isso da ministra Elizabeth
Rocha que assumirá em março a presidência do Superior Tribunal Militar. Ela
chegou para a entrevista que me concedeu ontem de manhã com um bloquinho no
qual tinha anotado pontos importantes da denúncia que ficara lendo até tarde.
Disse que o procurador-geral Paulo
Gonet apresentou uma denúncia com “começo, meio e fim, os indícios são
fortes e a peça bem fundamentada processualmente”. Ela disse que “sem querer
prejulgar, acho muito difícil que essa denúncia não seja recebida”.
Dias intensos em Brasília. A denúncia do
procurador-geral foi divulgada às 20h45 da terça-feira, o que tornou tudo mais
desafiador para os jornalistas, e na manhã de ontem foi retirado o sigilo da
delação do tenente-coronel Mauro Cid,
pelo ministro Alexandre de Moraes. O que fica claro da leitura da denúncia da
PGR é que o documento está baseado principalmente nas fartas provas que os
denunciados produziram contra si mesmos, através de documentos, mensagens,
minutas, áudios, anotações em agendas, reuniões gravadas, além dos depoimentos
de outros interrogados. Não é, como tem dito a defesa de Bolsonaro, sustentado
apenas na delação do ajudante de ordens de Bolsonaro. Nem poderia.
Os comunicados do ex-diretor da Abin Alexandre
Ramagem ao presidente, encontrados em computador do delegado, indicam
o mesmo caminho defendido nas anotações feitas de próprio punho pelo general
Heleno numa agenda com o logotipo da Caixa. A ideia deles era usar a AGU para
dar respaldo jurídico, sabe-se lá como, para que os policiais federais fossem
proibidos de cumprir ordem judicial. “A conexão entre os documentos de Augusto
Heleno e Alexandre Ramagem confirmam que os múltiplos ataques
disseminados por Jair Messias Bolsonaro ao sistema eleitoral e às instituições
democráticas, a partir de 29.7.2021, não foram aleatórios e representavam a
primeira parte de um plano de permanência do poder”, diz a denúncia, depois de
informar que “as anotações previam “prisão em flagrante” de autoridade policial
que se dispusesse a cumprir as ordens judiciais”. O general escreveu de próprio
punho uma proposta de sedição institucional.
Dos 34 denunciados, 23 são militares da ativa ou da reserva.
O que a ministra Elizabeth me explicou é que todo o processo do golpe será
julgado pelo STF. Mas que os militares podem ter que enfrentar a Justiça
Militar se tiverem cometido crimes militares, ou se forem condenados a penas de
mais de dois anos. Nesse caso, será feita uma representação contra eles pelo MP
militar por “indignidade para o oficialato” e eles podem perder as patentes. Se
a pena for menor que dois anos, o militar enfrenta uma comissão de justificação
e ir para a reserva. Não se falou disso na entrevista, mas coincidentemente o
tenente-coronel Mauro Cid pediu pena máxima de dois anos. Se receber, ele não
enfrentaria o processo que corta as patentes.
A ministra Elizabeth explicou também que se a denúncia for
aceita e for julgada na primeira turma, a defesa não poderá requerer habeas
corpus, porque existe a súmula 606 do STF que impede a impetração de habeas
corpus contra ato monocrático ou contra decisão de turmas. Portanto, não haverá
trancamento da ação penal.
O que se conclui tanto da denúncia do PGR Paulo Gonet,
quanto da delação de Mauro Cid é o envolvimento direto do ex-presidente Jair
Bolsonaro em rigorosamente tudo. Nada foi feito sem que ele soubesse
ou desse o seu aval. Ele recebeu dinheiro em mãos do seu ajudante de ordens.
Que, aliás, recebeu também dinheiro em mãos do general Walter
Braga Netto. Os denunciados tiveram intensa e íntima relação com cada etapa
da conspiração contra a ordem democrática brasileira.
Fica insustentável, diante de tantas provas materiais, de
denúncia tão robusta e delação tão eloquente, manter a interpretação dos
eventos do presidente da Câmara, Hugo Motta, de que não houve golpe porque não
havia comandante. Foi uma tentativa de golpe e havia ligação direta entre Jair
Bolsonaro, seus generais, almirante, coronéis com os manifestantes dos
atentados de 8 de janeiro. A ideia era criar o caos para que entrasse em ação o
golpe cujo roteiro já estava pronto. Estivemos muito perto de perder a democracia
duramente conquistada.
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