Ultradireitistas veem na proximidade com presidente
americano uma chance de ganhar influência e promover-se para eleitorado
[RESUMO] A volta de Donald Trump ao poder marca um
realinhamento na direita global, notadamente na Europa, onde a fragmentação do
espectro político avança junto com seu poder de influência. O autor sustenta
que grupos posicionados à direita da direita tradicional buscam, na proximidade
com o presidente americano, formas de promoção ideológica. Com posturas mais
radicalizadas e sem respostas para problemas complexos, esses grupos, assim
como Trump, também miram sua retórica contra os imigrantes.
A posse de Donald Trump rendeu
selfies entusiasmadas no Instagram de
vários líderes europeus. Em uma dessas fotos, o presidente americano aparece
sorridente ao lado de Giorgia
Meloni. "Estou certa de que a amizade entre nossas nações e os valores
que nos unem continuarão a reforçar a colaboração entre Itália e Estados
Unidos, enfrentando juntos os desafios globais e construindo um futuro de
prosperidade e segurança para nossos povos", escreveu a primeira-ministra
italiana.
No perfil de Meloni, há um vídeo de Trump em
que ele define a premiê como "uma líder e pessoa fantástica" e
outra foto
de ambos com a legenda "prontos para trabalhar juntos".
O espanhol Santiago
Abascal, líder do partido político Vox, ecoou o discurso de Trump em uma de suas
postagens. "Felicidades aos defensores da liberdade e do senso comum
no mundo inteiro. Este é o nosso momento." Os dois políticos aparecem na
foto com o polegar para cima.
Casado com uma influenciadora, Lidia Bedman, Abascal fez uma cobertura completa do evento.
Em uma sequência de vídeos com imagens de Washington ao fundo, chama o premiê
espanhol Pedro Sánchez de charlatão, ataca os "burocratas de
Bruxelas" e abraça efusivamente o presidente argentino Javier Milei.
A selfie de Tino Chrupalla, um dos líderes do partido
político alemão AfD (Alternativa
para a Alemanha), teve como cenário a festa de Trump dentro da arena Capitol
One. Ele escreveu
sob a foto: "Podia-se sentir o otimismo e a esperança em um presidente
que cumpre imediatamente as promessas eleitorais e quer proteger o interesse
dos cidadãos, da mesma forma que nós nos preocupamos com os interesses dos
cidadãos alemães".
Em sua posse, Trump pouco falou de assuntos internacionais —"América
primeiro!"—, mas abriu um precedente ao convidar vários líderes
estrangeiros para uma festa à qual tradicionalmente só comparecem americanos.
Com o gesto, demarcou quem seria sua turma no mundo.
Da América
Latina, foram convidados Javier Milei, o presidente salvadorenho Nayib
Bukele e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que não pôde comparecer por
ter tido o passaporte
retido pela Justiça. Um olhar sobre os líderes europeus, como Meloni,
Abascal e Chrupalla, deixa mais claro, no entanto, o perfil dos escolhidos por
Trump.
O Parlamento
Europeu é ocupado por partidos que agrupam siglas de diferentes
países. O maior deles é o PPE (Partido Popular Europeu), de direita, à qual
pertence a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula
von der Leyen, e a presidente do próprio Parlamento Europeu, a maltesa
Roberta Metsola. A esquerda se agrupa no guarda-chuva S&D (Socialistas e
Democratas), ao qual pertencem os premiês da Espanha, Pedro Sánchez, e da Alemanha, Olaf
Scholz, que disputa a reeleição em pleito marcado para o dia 23 de fevereiro.
Direita e esquerda fazem parte da coligação
de centro que governa a Europa atualmente.
O Partido Popular Europeu e o Socialistas e Democratas formaram maioria ao
incorporar o Renovar a Europa, que reúne vários partidos de centro e
centro-direita —entre eles o Renascimento, fundado pelo presidente
francês Emmanuel Macron—
e os verdes, que são fortes apenas na Alemanha mas ganham peso por ter
representantes em vários países europeus.
Nos últimos anos, no entanto, surgiram no Parlamento Europeu
vários grupos à direita da direita. O mais tradicional é o ECR (Conservadores e
Reformistas Europeus), que tem como principal estrela justamente Giorgia Meloni
e representa a direita à direita da direita.
Santiago Abascal, do Vox, é o presidente do recém-fundado Patriotas
pela Europa, articulado pelo premiê húngaro Viktor
Orbán, a direita à direita da direita da direita. A turma de Orbán se opõe
ao poder central de Bruxelas de forma mais veemente que Meloni.
Considerado radical demais mesmo nesse espectro —um de seus
integrantes já foi condenado por brandir slogans nazistas—, a AfD de Tino
Chrupalla é a direita à direita da direita à direita da direita. O partido
integra, com outras siglas extremistas do leste do continente, a família Europa
das Nações Soberanas.
Na Europa delineiam-se três grupos políticos bem claros:
esquerda, direita e ultradireita. O termo ultradireita foi consagrado na
ciência política pelo holandês Cas
Mudde e reúne os representantes da direita radical e da extrema
direita.
A direita radical questiona os aspectos liberais da democracia, como os
direitos de imigrantes e cidadãos LGBTQIA+, mas aceita, de forma geral, as
regras do jogo eleitoral. A extrema direita, na definição de Cas Mudde, não
teria o mesmo apreço pela democracia, trabalhando para corroê-la por dentro.
De forma simétrica, existem na União
Europeia líderes e partidos de esquerda radical e extrema esquerda,
que toleram e defendem, por exemplo, ditaduras como as da Coreia do Norte,
Nicarágua ou Venezuela. Essas forças, no entanto, não são expressivas nem no
Parlamento Europeu nem dentro dos países, onde, em geral, os partidos com
densidade eleitoral reproduzem a tríade esquerda-direita-ultradireita. É assim
em Portugal (PS-PSD-Chega), Espanha (PSOE-PP-Vox), Alemanha (SPD-CDU-AfD) e
assim por diante.
Nos Estados Unidos, onde vigora o bipartidarismo, muitos
eleitores da direita mais moderada votam em Donald Trump, vendo-o como única
alternativa para evitar que os rivais democratas ocupem o poder. Há, no
entanto, vários republicanos históricos que não se identificam com Trump. Estão
neste caso os escritores Anne
Applebaum e David Brooks.
Applebaum começa seu livro "O Crepúsculo da
Democracia" descrevendo uma festa de Réveillon na véspera do ano 2000 em
que um grupo de amigos que admiravam Ronald Reagan e Margaret Thatcher celebram
o que consideravam o "fim da história". Nada pode ser mais oposto ao
ideal de um mundo liberal e globalizado que o combo de economia fechada e
populismo autoritário de Trump.
Ao longo do livro, escrito em 2020, Applebaum identifica os
primeiros sinais da colaboração entre Trump e os partidos de ultradireita
Fidesz, da Hungria,
e Lei e Justiça, da Polônia, precursores do clube da ultradireita que acaba de
viralizar no Instagram.
Em artigo recente no jornal The New York Times, David Brooks,
que se define como um conservador moderado, delineia o que pode ser o ponto
comum entre Trump e seus admiradores europeus. Na visão de Brooks, Trump seria
alguém sem competência para lidar com as complexidades do mundo moderno
—diversos polos econômicos e militares, poder decrescente dos governantes
eleitos, abismo educacional que gera desigualdade social. O método e o discurso
do presidente americano seriam consequência dessa incompetência.
Como não existem respostas simples para problemas complexos
—e as soluções complexas e viáveis estão na academia, que Trump rejeita—, resta
inventar culpados e puni-los: os
imigrantes.
Nisso, Trump e a ultradireita europeia estão de acordo. A Europa vive um
paradoxo. A população do continente envelhece, a União Europeia precisa
desesperadamente de imigrantes, principalmente jovens, mas os partidos com
discursos xenófobos prosperam. Recentemente, o Parlamento Europeu aprovou uma
nova e necessária regulação sobre o tema. Socialistas, populares, liberais e
verdes apoiaram. A ultradireita, com exceção de Giorgia Meloni, nem quis
discutir.
Na Europa, os líderes da direita à direita da direita veem
na proximidade com Trump um meio de ganhar influência internacional e
promover-se junto aos próprios eleitorados. Giorgia Meloni largou na frente.
Visitou Trump em Mar-a-Lago três semanas antes da posse e saiu de lá com o
convite VIP.
O premiê húngaro Viktor Orbán não esteve em Washington, mas
é o organizador da sucursal europeia da CPAC,
a Conferência de Ação Política Conservadora, o braço ideológico do trumpismo.
No semestre passado, a Hungria ocupou a presidência rotativa da União Europeia
e Orbán, inspirado em Trump, propagou o slogan MEGA, "make Europe great
again".
Para o cientista político espanhol Francisco Rodríguez
Jiménez, autor de um livro sobre a primeira Presidência de Donald Trump, se
trata de um jogo de ganha-ganha. O presidente americano também lucra ao
promover líderes de ultradireita e dividir a Europa —muitos deles são críticos
das políticas unificadoras de Bruxelas.
Faria parte desse plano a aproximação entre o empresário Elon Musk e
Alice Weidel, candidata ao parlamento alemão pela AfD. O supracitado partido da
direita à direita da direita à direita da direita combina, por seu prontuário,
com o polêmico gesto
de Musk no dia da posse.
O espanhol Santiago Abascal ambiciona ser o líder da ultradireita em um espaço
que ele próprio definiu como iberosfera e que engloba Portugal, Espanha e os
países da América Latina. Para isso, seu partido, o Vox, criou a Fundação
Dissenso, que promove eventos, produz documentários e edita a Gazeta da
Iberosfera.
Cinco anos atrás, Abascal foi a uma CPAC em Maryland, nos Estados Unidos, mas,
ao contrário de Giorgia Meloni e Marine Le Pen,
que também estavam lá, não foi convidado a falar porque ninguém sabia direito
quem ele era. Dessa vez, fez vídeo com Milei e tirou foto com Trump. A teia da
ultradireita vem se tecendo aos poucos e consistentemente, com transmissão ao
vivo no Instagram de Mark
Zuckerberg.
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