Em uma geração, Brasil avança aos trancos e barrancos
Desde o ano 2000, a proporção de crianças de 4 e 5 anos
matriculadas saltou de 51,4% para 86,7%
O Brasil é capaz de feitos incríveis. Não perder de vista
essa potência é, ao mesmo tempo, lanterna e sombreiro a nos iluminar e proteger
em tempos de trevas. Depois de duas décadas de ditadura, foi capaz de
reencontrar a democracia com instituições suficientemente firmes para impedir a
tomada de poder por três dezenas de golpistas, entre eles o então presidente da
República, seis generais, um almirante, ministro da Justiça, chefe da Abin,
diretor da Polícia
Rodoviária Federal. O roteiro está contido nas mais de 200 páginas da
denúncia que o procurador-geral da República, Paulo
Gonet, protocolou no Supremo Tribunal Federal na semana passada.
Com o Programa Nacional de Imunizações,
cinquentão tornado orgulho do sistema público de saúde, o país foi capaz de
erradicar a poliomielite e o sarampo. Faz
três décadas que a população se engajou, como fizera anteriormente sem sucesso,
no Plano
Real para dar adeus à hiperinflação, herança da ditadura que agravava
a crise social. Em duas décadas, a partir da mobilização da sociedade civil,
via Ação da Cidadania, à época liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o
Betinho, o combate à fome virou prioridade. Campanhas maciças de doação de
alimentos deram na política pública de transferência de renda que, combinada à
exigência de frequência escolar e acompanhamento da saúde dos pequenos, reduziu
a desigualdade, melhorou condições de vida e abriu perspectiva para famílias,
até então, aprisionadas por gerações na pobreza.
Dias atrás, o IBGE apresentou
os resultados da educação no questionário amostral do Censo 2022.
Ainda está lá o fosso entre indicadores regionais e raciais. Os números do
Norte e do Nordeste estão aquém dos apurados no Sudeste e no Sul. A proporção
de pessoas pretas com mais de 25 anos que já completaram o curso superior é de
11,7%, menos da metade dos autodeclarados brancos com a mesma formação. Três em
quatro graduados em medicina são brancos, evidência de acesso estreito ao curso
que demanda dedicação exclusiva e recursos financeiros.
A escolaridade média dos adultos brasileiros não chega a uma
década (9,6 anos), resultado que mal dá conta do ensino fundamental. Cerca de
um terço dos brasileiros (35,2%) não foi alfabetizado ou não completou o nível
básico de educação regular. Dois terços dos brasileiros de até 3 anos ainda
estão fora da escola, sintoma também de dificuldade no acesso das mães ao
mercado de trabalho e à qualificação profissional. Dos 5.570 municípios
brasileiros, só 646 têm mais da metade das crianças de zero a 3 anos em creche.
É possível — e correto — usar esses dados para maldizer o
Brasil, seus atrasos, sua inaceitável desigualdade, sua inviabilidade. Mas
também dá para, com outra lente, enxergar que, aos trancos e barrancos, contra
quase todos, a despeito de “uma classe dominante razinza, azeda, medíocre,
cobiçosa”, como declarou certa vez Darcy Ribeiro, grande antropólogo e
político, o país avançou em uma geração. Desde o ano 2000, a proporção de
crianças de 4 e 5 anos matriculadas saltou de 51,4% para 86,7%. Na faixa etária
de 6 a 14 anos, a escolarização está praticamente universalizada, em 98,3%.
Aumentou também entre adolescentes de 15 a 17 anos. A proporção de adultos
pretos que concluíram a faculdade quase sextuplicou em duas décadas, obra da
política de acesso por cotas à universidade, ainda hoje questionada.
Uma em cada cinco (20,77%) mulheres com mais de 25 anos está
formada; a proporção entre os homens é menor, 15,8%. Há dois anos, 18,4% dos
brasileiros adultos tinham curso superior; na virada do século eram 6,8%. Os
esforços para universalização da educação básica começaram na segunda metade da
década de 1990, durante os governos de Fernando
Henrique Cardoso, e continuaram nos mandatos petistas de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma
Rousseff. É provável que estivessem ainda melhores sem a pandemia da
Covid-19 com Jair
Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Mas, em 2024, 4,3 milhões de brasileiros se inscreveram no
Enem, 10% a mais que em 2023. Cerca de 73% fizeram a prova, proporção 1,6%
maior. Em três anos, o percentual de alunos formandos do ensino médio que se
inscreveram na prova saiu de 54% para 91%. O recorde tem a ver com o pagamento
da parcela extra de R$ 200 do Pé-de-Meia para quem faz o exame. O programa
federal bonifica mensalmente estudantes que comprovem matrícula e frequência
escolar. Ao fim de cada ano concluído, o governo deposita R$ 1.000, que podem
ser sacados ao fim do ciclo. É antídoto contra a evasão escolar. Os números
animadores são prova de que, sim, o Brasil é capaz de melhorar. Com política
pública bem formulada, governo e sociedade comprometidos com prosperidade, em
vez de retrocesso, brutalidade, inimigos inventados, desinformação e indignação
vazia.
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