Denúncia somente tem precedente no caso do putsch
integralista de 11 de maio de 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou um
ataque ao Palácio Guanabara, residência do presidente Getúlio Vargas
A Procuradoria-Geral da República (PGR) finalmente
apresentou a denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente
Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas por tentativa de golpe de Estado, abolição
violenta do Estado Democrático de Direito e formação de organização criminosa,
crimes que podem levar a penas duríssimas. Bolsonaro é acusado de liderar uma
conspiração para permanecer no poder, após a derrota nas eleições de 2022, para
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ações para desacreditar o sistema eleitoral, pressionar
líderes militares, envenenar Lula e assassinar o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes compõem o escopo da denúncia. Isso é muito
grave. Porém, as acusações precisam ser comprovadas, principalmente no caso do
ex-presidente da República. Todos os acusados têm direito à presunção de
inocência e ao devido processo legal, ou seja, à ampla defesa.
Essa denúncia somente tem precedente no
caso do putsch integralistas, em 11 de maio de 1938, quando o tenente Severo
Fournier liderou um ataque ao Palácio Guanabara, residência do presidente
Getulio Vargas e sua família. O grupo de rebeldes integralistas cercou o
prédio; luz e telefones foram cortados. Uma linha, porém, continuou
funcionando, e Alzira Vargas conseguiu pedir ajuda.
Getúlio comandou pessoalmente a resistência, com alguns
parentes e poucos auxiliares, armados unicamente de revólveres. Durante quase
cinco horas, houve intenso tiroteio, sem que nenhum tipo de ajuda chegasse para
defender o presidente e a família. O ataque só terminou horas depois, quando
Fournier resolveu fugir com seus homens.
Às 5h, o coronel Cordeiro de Farias chegou ao Palácio
Guanabara, acompanhado de policiais. Depois vieram Eurico Gaspar Dutra
(ministro da Guerra) e Góis Monteiro (chefe do Estado-Maior do Exército). Os
integralistas se renderam. Sete deles foram fuzilados na hora, nos jardins do
palácio. O tenente Nascimento, que abrira os portões do Guanabara aos rebeldes,
foi entregue à polícia por seu tio, o almirante reformado Oscar Espíndola, em
cuja casa tentara se abrigar.
Anos depois, Alzira Vargas revelaria em suas memórias: “Góis
Monteiro me disse nada poder fazer, porque também estava cercado em seu
apartamento… Francisco Campos transmitia palavras de solidariedade admirativa e
passiva… O chefe de polícia (Filinto Müller) confirmou o prévio envio de tropas
e espantou-se de que não houvessem chegado ao seu destino… Não fiquei sabendo
como nem porque o general Eurico Gaspar Dutra foi o único membro do governo que
conseguiu atravessar a trincheira integralista. Não pude apurar, também, o que
aconteceu depois que se retirou com um arranhão na orelha, novamente transpondo
o cerco do inimigo.”
Processo político
Quando, em 1937, Getulio deu o golpe do Estado Novo e
extinguiu os partidos políticos, a Ação Integralista Brasileira mudou seu nome
para Associação Brasileira de Cultura e, imediatamente, começou a articular um
plano de tomada do poder. A primeira tentativa de levante ocorrera exatamente
dois meses antes, em 11 de março, mas foi abortada pela polícia. Centenas de
integralistas foram presos, em vários estados, quase todos soltos logo em
seguida.
A repressão policial, porém, seria implacável após o 11 de
maio. Cerca de 1,5 mil pessoas seriam detidas. Cinco dias depois do cerco, o
governo baixaria um decreto reduzindo os julgamentos do Tribunal de Segurança
Nacional a ritos sumários, com o mínimo de prazos e testemunhas. No dia 18, um
novo decreto instituiria, entre outras medidas, a pena de morte.
Muitos integralistas seriam presos e torturados, e vários
outros se refugiariam em embaixadas. Plínio Salgado e Gustavo Barroso, seus
principais líderes, porém, foram excluídos do processo por falta de provas.
Dado como desaparecido, Plínio continuou em São Paulo. Preso no final do ano,
ficou três dias encarcerado. Um ano depois, Getulio decretaria seu exílio.
Segundo o historiador Edgar Carone, em Portugal Plínio
recebeu do governo brasileiro uma “mesada”. Nada parecido com o que aconteceu
com o líder comunista Luiz Carlos Prestes, preso após a Intentona Comunista de
1935, que passou nove anos encarcerado, e sua mulher, Olga Benário, foi enviada
para a morte num campo de concentração na Alemanha, onde nasceu a filha do
casal, a Anita.
No caso da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de
2023, Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, abriu um prazo de 15 dias
para que os acusados apresentem suas defesas por escrito. Após esse período, o
STF decidirá se aceita a denúncia.
Bolsonaro classificou as acusações como “vagas” e afirmou
que são fruto de um “regime autoritário”, que busca fabricar inimigos internos.
Ele também comparou sua situação à de líderes da oposição da Venezuela, de Cuba
e da Nicarágua. Não é o caso. O Brasil completará 40 anos da posse do
presidente José Sarney — ou seja, de redemocratização — no próximo 15 de março,
véspera do ato que está sendo convocado por Bolsonaro em sua defesa e dos
demais acusados.
Além disso, Bolsonaro busca apoio no Congresso para evitar
possíveis condenações e manter sua elegibilidade para as eleições presidenciais
de 2026. Quer aprovar leis de anistia no Legislativo com apoio de aliados. Será
um longo processo político, nos dois sentidos, dentro dos ritos do Estado
democrático de direito.
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