domingo, 2 de março de 2025

UMA GIRAFA NO SUPREMO

Elio Gaspari, O Globo

As duas coisas podiam ter o mesmo objetivo, ainda assim, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Boa parte deste ano será consumida pelo julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), do plano de golpe de 2022/2023. O inquérito está na mesa do ministro Alexandre de Moraes a partir de um critério que colocou o golpe no mesmo processo do 8 de Janeiro.

Entende-se que as invasões do Planalto, do STF e do Congresso foram parte de um plano golpista gestado meses antes. Os delinquentes de janeiro queriam a mesma coisa que os planejadores de um golpe logo depois da eleição de Lula, em novembro. É a velha questão: quem vem antes, o ovo ou a galinha? O planejamento do golpe seria a nascente e o 8 de Janeiro, a foz.

Apesar disso, no dia 8 de Janeiro Jair Bolsonaro estava nos Estados Unidos, e o grosso da documentação que instrui a denúncia dos golpistas refere-se a fatos ocorridos entre novembro e dezembro de 2022.

O 8 de Janeiro, chamado de Festa da Selma, previa as invasões e um caos. Assim, estaria feita a omelete que levaria à decretação de medidas excepcionais como o Estado de Defesa ou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, dando poder a militares.

Quem deveria assinar a GLO? Lula, que não quis fazê-lo.

Mais: de acordo com o relatório da Polícia Federal e a denúncia do Procurador-Geral, até mesmo o golpe de 2022 dependia de um ato formal de Bolsonaro, decretando o Estado de Sítio ou de Defesa. O general Estevam Theophilo, por exemplo, está denunciado por ter dito a Bolsonaro que moveria sua tropa se ele assinasse o decreto. Assinou? Não.

O inquérito do 8 de Janeiro documenta fatos que aconteceram. Os documentos da trama golpista revelam que os planos existiram e não foram adiante. As duas coisas podiam ter o mesmo objetivo, ainda assim, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

O procurador-geral, Paulo Gonet, afirmou que Bolsonaro recebeu o projeto do Punhal Verde-Amarelo e com ele “anuiu”. Só com a oitiva de testemunhas será possível avaliar o peso desse “anuiu”.

A defesa de Bolsonaro entrou em campo com a firmeza dos suicidas, pedindo o impedimento dos juízes Flávio Dino (ministro da Justiça de Lula) e Cristiano Zanin (advogado de Lula nos processos de Curitiba). Pura cenografia.

Colocando-se a trama golpista de 2022 no mesmo processo do 8 de Janeiro de 2023, esticaram-se as pernas e o pescoço do bicho, encolhendo-lhe a cabeça. Ficou bonito, até elegante, mas é uma girafa.

A conta foi Lula

Lula está com a popularidade erodida enquanto oito governadores vão bem. Um deles, Ronaldo Caiado, de Goiás, tem 86% de aprovação em seu estado e é candidato à Presidência. Desde que o jacaré abriu a boca, surgiram inúmeras explicações, todas baseadas na realidade. Há mais uma: foi para Lula a conta de um governo travado, no qual ele ungiu dois superministros: Rui Costa, da Casa Civil, e Fernando Haddad, da Fazenda.

Deixando-se de lado o fato de que os dois não se bicam, Haddad ficou com as boas notícias da economia, passando adiante o espinho da carestia. Foi hábil, mas ela iria para outro colo, e está no de Lula.

Com Rui Costa aconteceu o contrário. Ele aceitou a função de bedel do ministério, que lhe foi dada por Lula logo no início do governo. Ambos sonharam que a Casa Civil afunilaria o estudo das “ideias geniais” dos ministros. Isso só deu certo no governo do general Emílio Médici (1969-1974). A partir de 2024, resultou na transformação de Rui Costa em gerente da trava. A PEC da Segurança Pública travou? A criação da Autoridade Climática atolou? Tudo culpa do gaveteiro da Casa Civil.

Quase todos os ministros garantem que têm ideias paradas na Casa Civil. Em alguns casos, Rui Costa teve ou tem pouco a ver com a trava. A PEC da Segurança não andou porque o ministro Ricardo Lewandowski acreditou em sonhos petistas. A Autoridade Climática está atolada porque Lula não quer encrenca com a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.

Lula não é Médici, Haddad não é Delfim Netto e Rui Costa não é Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil do general. E mesmo se fossem, o Brasil de 2025 não é a ditadura dos anos 1970.

A conta foi para o colo de Lula porque não tinha para onde ir.

Advogados e engenheiros

O Censo de 2022 revelou que o Brasil tinha 2,5 milhões de advogados e 518 mil engenheiros. Somando-se os 553,5 mil médicos aos engenheiros, vê-se que existem dois advogados para cada um desses profissionais. Poucas estatísticas retratam tão bem um país que anda para trás.

A China tem 6,7 milhões de jovens em cursos de engenharia. Esse número supera os 4 milhões de brasileiros que têm diploma de curso superior. A China tem 1,4 bilhão de habitantes contra 211 milhões de brasileiros, mesmo assim, o sinal permanece, com os chineses andando para a frente.

Para piorar, o Censo mostrou que o Brasil tem 4 milhões de formados em gestão e administração. Isso se explica por diversos fatores, desde o custo das faculdades até os salários para quem sai da faculdade. Esses gestores e administradores cuidam de empresas numa economia que anda de lado.

Vale a pena olhar para trás.

Em 1886, na Alemanha, Carl Benz patenteou um veículo movido a gasolina. Nos Estados Unidos, o engenheiro Nikola Tesla obteve sua primeira patente e dois anos depois registrou seu motor de corrente elétrica alternada.

Em Pindorama, esse mesmo ano seria conhecido pelo vigor dos debates pela abolição.

Nele, o advogado Inácio Martins apresentou um projeto que proibia o açoitamento de negros escravizados. Na sua discussão, apareceu o telegrama de um juiz do Vale do Paraíba que informava:

“A cada um dos escravos condenados a 300 açoites, foram aplicados 50 de cada vez, nos dias em que se achavam em condições de sofrê-los sem perigo. Segundo a opinião de dois médicos, estes açoites não concorreram absolutamente para a morte dos dois escravos. Tal é também o juízo das pessoas que viram o bom estado deles antes e por ocasião de serem entregues aos enviados de Valle. (Valle era um fazendeiro, dono dos negros.)”

Grandes abolicionistas como Joaquim Nabuco e Luís Gama eram advogados. O Brasil andava para trás porque os projetos e as ideias de engenheiros como André Rebouças ficavam no papel.

A alma do Rio

Por mais que as maltratem, as escolas de samba carregam um pedaço da alma do Rio.

Na noite de hoje a Mangueira desfilará para o mundo com seu samba-enredo “À Flor da Terra — No Rio da Negritude entre Dores e Paixões”.

Convidado na quinta-feira, no meio dos passistas estará o jovem mototaxista Thiago Marques. Ele transportava o passageiro Igor Melo de Carvalho, quando um PM da reserva achou que a dupla havia roubado o celular de sua mulher. Atirou duas vezes e acertou Igor. Outros policiais chegaram ao local e prenderam Thiago, que ficou um dia na cadeia. Só foi solto depois da audiência de custódia.

A Mangueira cantará:

Fui risco iminente

O alvo que a bala insiste em achar

Lamento informar

Um sobrevivente.

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"ARAÇÁ E SUAS VOZES"

Isabela Bernardes, Folha de S.Paulo

Domingo de Oscar terá visita mediada ao túmulo de Eunice Paiva em São Paulo

Atividade do Cemitério Araçá conta história da advogada, além de abordar o impacto da ditadura na sociedade

São Paulo O Cemitério Araçá, na região oeste de São Paulo, receberá uma edição especial do projeto "Araçá e Suas Vozes" no domingo (2). A visita mediada será em homenagem à memória de Eunice Paiva, enterrada no local.

A ação, marcada para às 10h, faz parte das atividades mensais cujo objetivo é celebrar a história e a cultura da cidade. A data escolhida coincide com a cerimônia do Oscar, na qual o filme "Ainda Estou Aqui" —que narra a história de Eunice e sua família durante a ditadura no Brasil—, concorre a três estatuetas.

Além de mostrar que o cemitério é um importante guardião de histórias da capital paulista, a visita contará a história Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva, que foi casada com o ex-deputado Rubens Paiva, morto pelo regime em 1971. Após o episódio, ela se tornou símbolo da luta contra a ditadura, além de uma importante advogada pela causa indígena.

Ao longo do passeio, serão explorados temas como o luto, o impacto da ditadura na sociedade e a preservação da memória histórica por meio de personalidades que marcaram a cidade.

Visita mediada ao túmulo de Eunice Paiva- projeto "Araçá e Suas Vozes"

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sábado, 1 de março de 2025

HOMENAGEM AO PAPA FRANCISCO

Luiz Gonzaga Belluzzo*, Carta Capital

O pontífice rejeita as formas de religiosidade que deságuam no “consumismo do sagrado”

A saúde debilitada do papa Francisco impulsionou meus neurônios a relembrar suas palavras, em uma mensagem aos cristãos:

“Vigiemos o narcisismo e o exibicionismo, baseados na vanglória que levam também nós cristãos a ter sempre nos lábios a palavra ‘eu’ : ‘eu fiz isto, eu havia dito, eu havia entendido’. Onde há muito eu, há pouco Deus.”

Narcisismo, exibicionismo e autoritarismo são as marcas registradas de Donald Trump. Enquanto Donald Trump tomava posse em Washington para o exercício de seu primeiro mandato, Francisco concedia no Vaticano uma longa entrevista ao El País, em que pedia prudência ante os alarmes acionados com a chegada do egótico presidente dos Estados Unidos – “é preciso ver o que ele faz; não podemos ser profetas de calamidades” –, embora advertindo que, “em momentos de crise, o discernimento não funciona” e os povos procuram “salvadores” que lhes devolvam a identidade “com muros e arames farpados”.

Diante das trumpadas de Trump, os neurônios revigorados insistiram em conduzir minha atenção para as fragilidades e insuficiências de homens arrogantes, como Donald Trump e Elon Musk. Na mesma toada, os inquietos neurônios suscitaram recordações das transformações da Igreja nos tempos de João XXIII. Na encíclica Mater et Magistra, papa João advoga o reatamento das relações entre transcendência e imanência.

“O cristianismo é, de fato, a realidade da união da terra com o céu, uma vez que assume o homem, na sua realidade concreta de espírito e matéria, inteligência e vontade, e o convida a elevar o pensamento, das condições mutáveis da vida terrena, até às alturas da vida eterna, onde gozará sem limites da plenitude da felicidade e da paz.

De modo que a Santa Igreja, apesar de ter como principal missão a de santificar as almas e de as fazer participar dos bens da ordem sobrenatural, não deixa de preo­cupar-se ao mesmo tempo com as exigências da vida cotidiana dos homens, não só no que diz respeito ao sustento e às condições de vida, mas também no que se refere à prosperidade e à civilização em seus múltiplos aspectos, dentro do condicionalismo das várias épocas.”

Esse trecho da Mater et Magistra está estampado na abertura da encíclica e define com clareza a visão cristã a respeito das relações entre a transcendência divina e a imanência da vida concreta dos homens.

A transcendência não pode ser usada como pretexto para sufocar as liberdades e as carências de mulheres e homens em sua peregrinação existencial, mas, sim, deve cuidar da valorização e atendimento de suas angústias e anseios.

O teólogo Hans Küng escreveu em sua obra magna, The Incarnation of God, que o Deus do Torá – a divindade dos sacerdotes de Israel – permanecia “externo”, como o “outro” dos homens. Jesus, o Deus entre os homens, era o amigo homem dos pecadores e falava as palavras da comiseração do Pai amoroso pelos filhos sofridos.

Um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro é a negação do cristianismo. Depois da encarnação, a escatologia judaico-cristã sofre uma transmutação: o tempo adquire uma dimensão histórica. Cristo trouxe a certeza da eventualidade da salvação, mas cabe à história coletiva e individual realizar essa possibilidade oferecida aos homens pelo sacrifício da cruz e pela ressurreição. Vamos encerrar com as palavras do papa Francisco: “Não nos é pedido que sejamos imaculados, mas que não cessemos de melhorar, vivamos o desejo profundo de progredir no caminho do evangelho, e não deixemos cair os braços.”

Em uma entrevista sobre seu filme ­Satyricon, Fellini desvelou a alma que se escondia no rosto de seus personagens no crepúsculo do Império Romano. As máscaras se debatiam entre o tédio das concupiscências e as angústias da desesperança. Para o grande Federico, o filme escancarava “a nostalgia do Cristo que ainda não havia chegado”.

Tal como nos personagens do ­Satyricon, percebo em muitos que hoje se proclamam cristãos a nostalgia do Cristo que não voltou. Por isso, o Papa Francisco rejeita as formas de religiosidade que fazem recuar o espírito para os recônditos do individualismo, uma espécie de “consumismo do sagrado” que ignora os fundamentos comunitários do cristianismo. “Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus”. Vou repetir: um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro é a negação do cristianismo. 

*Publicado na edição n° 1351 de CartaCapital, em 05 de março de 2025.

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UNIDOS DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO

Marcus Pestana, Congresso em Foco

Viva! Chegou! É Carnaval! Esquentem os tamborins, cuícas, surdos e repeniques. A vida continua e a economia ficará na marcação, esperando as decisões de março. Apesar de seus efeitos impactarem a vida de cada brasileiro, a discussão econômica não é nada popular. Alguém aí conhece algum bloco de carnaval chamado “Unidos do Superávit Primário” ou “Grêmio Recreativo Amantes da SELIC”?  Será que a economia vai ou não atravessar o samba em 2025?

O ano começou com a inflação em alta. Os juros deverão crescer ainda mais. Teremos uma inflação fora dos trilhos acima de 5,5%. O dólar deu um refresco e chegou ao carnaval no eixo dos 5 reais e setenta e cinco centavos. O Brasil não será punido pelos jurados em função das políticas monetária e cambial. A harmonia proporcionada pelo câmbio flutuante, pelas metas inflacionárias e a autonomia operacional do Banco Central asseguram um bom desempenho dessas alas no desfile da escola.

As atenções das arquibancadas e dos críticos concentram-se nas alegorias fiscais. Não temos ainda orçamento para 2025. Ele é a bússola. Será votado na primeira quinzena de março. Em 2024, batemos na trave em termos de meta fiscal. O objetivo era zerar o déficit primário (sem despesas financeiras). Fechamos no vermelho, do Salgueiro e do Império Serrano, com um resultado negativo de 0,4% do PIB. Com os descontos das despesas de apoio ao Rio Grande do Sul e “otras cositas más”, cumprimos a meta legal usando a margem de tolerância (- 0,1% do PIB). O Brasil tem uma dívida alta. Para estancar o passivo que estamos deixando para nossos filhos e netos precisávamos estar no azul, da Portela e da Beija Flor, produzindo um superávit primário de 2,5% do PIB. Estamos longe desse objetivo. E não adianta pintar o cenário de rosa, cor da minha Mangueira. Não estamos à beira do abismo, mas os números não são confortáveis.

As nossas projeções apontam a manutenção de um déficit primário, em 2025, de 71 bilhões de reais, ou, - 0,56% do PIB. Descontadas as despesas oriundas de decisões judiciais (precatórios), cumpriremos a meta, mais uma vez usando a margem de tolerância e longe do objetivo de estabilizar o endividamento público. Além de tudo, dos 2 trilhões e 300 bilhões de reais que o presidente da República tem livres nas mãos para governar apenas 60 bilhões de reais vão para o PAC (menino dos olhos de Lula e elenco de investimentos selecionados como estratégicos pelo próprio governo).

Duas despesas essenciais não constam do orçamento: Pé de Meia (estímulo contra a evasão no ensino médio) e o Fundo de Compensação de Incentivos Fiscais, criado pela Reforma Tributária. Somam 20,5 bilhões de reais. Há bombas fiscais de efeito retardado a partir de 2027. A dívida bruta ficou menor que as projeções (76,1% x 78,0), mas a tendência da curva para os próximos 10 anos é explosiva.

Parece que o enredo da escola de samba do governo está decidido. 2023, aumento de receitas. 2024, corte de despesas. 2025 e 2026, administrar o dia a dia e o varejo, fazendo das tripas coração para manter de pé o arcabouço fiscal e cumprir as metas fiscais.

O próximo presidente da República, independente de quem for e da cor do manto carregado por sua porta-bandeira, tem um encontro marcado com uma profunda reforma fiscal que reinvente o orçamento brasileiro, hoje o mais engessado do mundo. 

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MORRE RUI XAVIER

Do O Globo

Profissional atuou em veículos como 'Gazeta Mercantil' e o 'Estado de S. Paulo'

Morreu na madrugada deste sábado o jornalista Rui Xavier aos 79 anos. Ele estava internado no Hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio de Janeiro. A causa da morte não foi divulgada. Entre os veículos em que Xavier atuou estão a "Gazeta Mercantil" e o "Estado de S. Paulo".

Em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) lamentou a perda:

"É com pesar que a ABI comunica o falecimento de seu conselheiro Rui Xavier, na madrugada desse sábado (1º). Junto com seus familiares, colegas e amigos, convidamos para a sua despedida, nesse sábado, das 14h às 18h, na sede da Rua Araújo Porto Alegre, 71, no Centro".

Um dos momentos marcantes da carreira do jornalista ocorreu no programa da TV Cultura, em 1994, quando Xavier questionou o então governador de São Paulo, Orestes Quércia, sobre o enriquecimento do político. A pergunta provocou uma discussão e troca de xingamentos.

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