As duas coisas podiam ter o mesmo objetivo, ainda assim, uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa
Boa parte deste ano será consumida pelo julgamento, no
Supremo Tribunal Federal (STF),
do plano de golpe de 2022/2023. O inquérito está na mesa do ministro Alexandre
de Moraes a partir de um critério que colocou o golpe no mesmo
processo do 8 de Janeiro.
Entende-se que as invasões do Planalto, do STF e do
Congresso foram parte de um plano golpista gestado meses antes. Os delinquentes
de janeiro queriam a mesma coisa que os planejadores de um golpe logo depois da
eleição de Lula,
em novembro. É a velha questão: quem vem antes, o ovo ou a galinha? O
planejamento do golpe seria a nascente e o 8 de Janeiro, a foz.
Apesar disso, no dia 8 de Janeiro Jair
Bolsonaro estava nos Estados Unidos, e o grosso da documentação que
instrui a denúncia dos golpistas refere-se a fatos ocorridos entre novembro e
dezembro de 2022.
O 8 de Janeiro, chamado de Festa da Selma,
previa as invasões e um caos. Assim, estaria feita a omelete que levaria à
decretação de medidas excepcionais como o Estado de Defesa ou um decreto de
Garantia da Lei e da Ordem, dando poder a militares.
Quem deveria assinar a GLO? Lula, que não quis fazê-lo.
Mais: de acordo com o relatório da Polícia Federal e a
denúncia do Procurador-Geral, até mesmo o golpe de 2022 dependia de um ato
formal de Bolsonaro, decretando o Estado de Sítio ou de Defesa. O general
Estevam Theophilo, por exemplo, está denunciado por ter dito a Bolsonaro que
moveria sua tropa se ele assinasse o decreto. Assinou? Não.
O inquérito do 8 de Janeiro documenta fatos que aconteceram.
Os documentos da trama golpista revelam que os planos existiram e não foram
adiante. As duas coisas podiam ter o mesmo objetivo, ainda assim, uma coisa é
uma coisa, outra coisa é outra coisa.
O procurador-geral, Paulo Gonet, afirmou que Bolsonaro
recebeu o projeto do Punhal Verde-Amarelo e com ele “anuiu”. Só com a oitiva de
testemunhas será possível avaliar o peso desse “anuiu”.
A defesa de Bolsonaro entrou em campo com a firmeza dos
suicidas, pedindo o impedimento dos juízes Flávio Dino (ministro da Justiça de
Lula) e Cristiano Zanin (advogado de Lula nos processos de Curitiba). Pura
cenografia.
Colocando-se a trama golpista de 2022 no mesmo processo do 8
de Janeiro de 2023, esticaram-se as pernas e o pescoço do bicho, encolhendo-lhe
a cabeça. Ficou bonito, até elegante, mas é uma girafa.
A conta foi Lula
Lula está com a popularidade erodida enquanto oito
governadores vão bem. Um deles, Ronaldo Caiado, de Goiás, tem 86% de aprovação
em seu estado e é candidato à Presidência. Desde que o jacaré abriu a boca,
surgiram inúmeras explicações, todas baseadas na realidade. Há mais uma: foi
para Lula a conta de um governo travado, no qual ele ungiu dois
superministros: Rui Costa, da
Casa Civil, e Fernando
Haddad, da Fazenda.
Deixando-se de lado o fato de que os dois não se bicam,
Haddad ficou com as boas notícias da economia, passando adiante o espinho da
carestia. Foi hábil, mas ela iria para outro colo, e está no de Lula.
Com Rui Costa aconteceu o contrário. Ele aceitou a função de
bedel do ministério, que lhe foi dada por Lula logo no início do governo. Ambos
sonharam que a Casa Civil afunilaria o estudo das “ideias geniais” dos
ministros. Isso só deu certo no governo do general Emílio Médici (1969-1974). A
partir de 2024, resultou na transformação de Rui Costa em gerente da trava. A
PEC da Segurança Pública travou? A criação da Autoridade Climática atolou? Tudo
culpa do gaveteiro da Casa Civil.
Quase todos os ministros garantem que têm ideias paradas na
Casa Civil. Em alguns casos, Rui Costa teve ou tem pouco a ver com a trava. A
PEC da Segurança não andou porque o ministro Ricardo Lewandowski acreditou em
sonhos petistas. A Autoridade Climática está atolada porque Lula não quer
encrenca com a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.
Lula não é Médici, Haddad não é Delfim Netto e Rui Costa não
é Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil do general. E mesmo se fossem, o Brasil
de 2025 não é a ditadura dos anos 1970.
A conta foi para o colo de Lula porque não tinha para onde
ir.
Advogados e engenheiros
O Censo de 2022 revelou que o Brasil tinha 2,5 milhões de
advogados e 518 mil engenheiros. Somando-se os 553,5 mil médicos aos
engenheiros, vê-se que existem dois advogados para cada um desses
profissionais. Poucas estatísticas retratam tão bem um país que anda para trás.
A China tem 6,7 milhões de jovens em cursos de engenharia.
Esse número supera os 4 milhões de brasileiros que têm diploma de curso
superior. A China tem 1,4 bilhão de habitantes contra 211 milhões de
brasileiros, mesmo assim, o sinal permanece, com os chineses andando para a
frente.
Para piorar, o Censo mostrou que o Brasil tem 4 milhões de
formados em gestão e administração. Isso se explica por diversos fatores, desde
o custo das faculdades até os salários para quem sai da faculdade. Esses
gestores e administradores cuidam de empresas numa economia que anda de lado.
Vale a pena olhar para trás.
Em 1886, na Alemanha, Carl Benz patenteou um veículo movido
a gasolina. Nos Estados Unidos, o engenheiro Nikola Tesla obteve sua primeira
patente e dois anos depois registrou seu motor de corrente elétrica alternada.
Em Pindorama, esse mesmo ano seria conhecido pelo vigor dos
debates pela abolição.
Nele, o advogado Inácio Martins apresentou um projeto que
proibia o açoitamento de negros escravizados. Na sua discussão, apareceu o
telegrama de um juiz do Vale do Paraíba que informava:
“A cada um dos escravos condenados a 300 açoites, foram
aplicados 50 de cada vez, nos dias em que se achavam em condições de sofrê-los
sem perigo. Segundo a opinião de dois médicos, estes açoites não concorreram
absolutamente para a morte dos dois escravos. Tal é também o juízo das pessoas
que viram o bom estado deles antes e por ocasião de serem entregues aos
enviados de Valle. (Valle era um fazendeiro, dono dos negros.)”
Grandes abolicionistas como Joaquim Nabuco e Luís Gama eram
advogados. O Brasil andava para trás porque os projetos e as ideias de
engenheiros como André Rebouças ficavam no papel.
A alma do Rio
Por mais que as maltratem, as escolas de samba carregam um
pedaço da alma do Rio.
Na noite de hoje a Mangueira desfilará para o mundo com seu
samba-enredo “À Flor da Terra — No Rio da Negritude entre Dores e Paixões”.
Convidado na quinta-feira, no meio dos passistas estará o
jovem mototaxista Thiago Marques. Ele transportava o passageiro Igor Melo de
Carvalho, quando um PM da reserva achou que a dupla havia roubado o celular de
sua mulher. Atirou duas vezes e acertou Igor. Outros policiais chegaram ao
local e prenderam Thiago, que ficou um dia na cadeia. Só foi solto depois da
audiência de custódia.
A Mangueira cantará:
Fui risco iminente
O alvo que a bala insiste em achar
Lamento informar
Um sobrevivente.