Ex-presidente José Sarney relembrou os desafios
enfrentados na transição para a democracia, durante evento no Panteão, que
contou com a presença de autoridades, acadêmicos e ex-chefes de Estado
A celebração dos 40 anos da redemocratização política do
Brasil reuniu autoridades, acadêmicos e ex-chefes de Estado no coração de
Brasília: o Panteão, na Praça dos Três Poderes. O evento Democracia 40
anos: Conquistas, Dívidas e Desafios, apoiado pelo Correio Braziliense,
relembrou o passado e indicou perspectivas para o futuro.
O ex-presidente José Sarney, o principal homenageado,
afirmou que é preciso vigilância permanente para garantir a continuidade do
regime democrático. Primeiro presidente da Nova República, o maranhense,
vice-presidente na chapa vencedora das eleições indiretas, tomou posse no lugar
do presidente eleito, Tancredo Neves, internado no Hospital de Base, em 15 de
março de 1985.
Com a morte de Tancredo, em 21 de abril, Sarney governou o
Brasil durante os anos de mandato subsequentes, época fundamental para a
elaboração da Constituição de 1988. No discurso, Sarney destacou os desafios
enfrentados no período da transição da ditadura para a democracia e ressaltou o
papel da Carta Magna como pilar fundamental da estabilidade política do país.
"Ulysses Guimarães me disse: 'Sarney, podemos não ter Constituição'. Eu
respondi: 'Sem Constituição, não há transição, porque é a Constituição que vai
estabelecer a nova sociedade democrática do Brasil'", recordou o
ex-presidente, ressaltando que a elaboração da Carta Magna foi essencial para
consolidar o Estado democrático.
"Nossa democracia amadureceu, mas
precisa ser protegida. Devemos continuar a exigir a profundidade do processo
democrático e garantir que ele nunca seja interrompido
"José Sarney, ex-presidente
O ex-presidente também destacou o papel da cooperação entre
civis e militares na transição política e alertou sobre a importância de
garantir a continuidade das instituições. "A transição será feita com as
Forças Armadas, e não contra as Forças Armadas", afirmou, ressaltando que
as Forças Armadas continuam "fiéis às instituições, como demonstraram nos
episódios do dia 8 de janeiro do ano passado".
Segundo Sarney, o compromisso de conciliação evitou
conflitos e possibilitou que o país atravessasse um período de forte
instabilidade sem rupturas institucionais. "Foram anos de muita luta.
Enfrentamos mais de 12 mil greves. Muitas vezes, tivemos momentos em que
poderíamos ter retrocessos, mas conseguimos superá-los", disse ele,
afirmando estar feliz e orgulhoso de poder acompanhar as comemorações dos 40
anos de democracia no Brasil.
O ex-presidente encerrou o discurso destacando que a
democracia deve ser um valor inegociável e que a manutenção exige um
compromisso contínuo da sociedade. "Nossa democracia amadureceu, mas
precisa ser protegida. Devemos continuar a exigir a profundidade do processo
democrático e garantir que ele nunca seja interrompido. O preço da liberdade é
a eterna vigilância", concluiu Sarney.
Consolidação
Pelas redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
disse que "mais que a posse de um presidente da República, 15 de março de
1985 será lembrado como o dia em que o Brasil marcou o reencontro com a
democracia". O Correio Braziliense apoiou o evento, organizando uma
exposição no hall de entrada e disponibilizando registros dos acontecimentos
nesses 40 anos.
"O presidente José Sarney governou sob a constante
ameaça dos saudosos da ditadura, mas com extraordinária habilidade e
compromisso político criou as condições para que escrevêssemos a Constituição
Cidadã de 1988 e mudássemos a história do Brasil", disse Lula.
O ex-presidente uruguaio Julio María Sanguinetti também
prestigiou o evento e destacou a importância de Sarney na consolidação da
democracia na América do Sul: "Um presidente prudente de um país livre,
cumprindo sua missão em um momento delicado da história brasileira",
frisou. Sanguinetti e Sarney assumiram a presidência em períodos cruciais para
seus países, um em 1º de março e outro no dia 15.
Sanguinetti enfatizou que a presidência de Sarney marcou uma
aproximação com a Argentina, o que foi vital para o Uruguai, restabelecendo um
equilíbrio regional e dissipando antigos receios em relação ao Brasil. Ele
destacou que Sarney eliminou fantasmas históricos, promovendo acordos como o de
Itaipu e iniciativas nucleares, reforçando que o Brasil não tinha, nem tem,
planos militares agressivos, estabelecendo um momento importante de paz na
região.
Já o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF)
Nelson Jobim afirmou que o país precisa focar no futuro, sem retaliações ao
passado, e buscar a redução do ódio político. Jobim destacou que a democracia
brasileira tem se consolidado ao longo das últimas quatro décadas, apesar dos
desafios e conflitos políticos. "Temos 40 anos de democracia e ela está
durando. As instituições estão acertadas, têm lá os seus conflitos, mas o que
nós precisamos é pensar no futuro", afirmou.
"Temos 40 anos de democracia e ela está durando. As
instituições estão acertadas, têm lá os seus conflitos, mas o que nós
precisamos é pensar no futuro"Nelson Jobim, ministro aposentado do Supremo
Tribunal Federal
Para Jobim, a manutenção da democracia exige não apenas
vigilância, mas também a compreensão de que a política deve ser conduzida com
equilíbrio e sem revanchismos. "Pensar no futuro significa não ter
retaliações do passado e também a redução do ódio político", ressaltou.
Sobre a recente tentativa de golpe, ele disse que é preciso cautela e
vigilância diante dos desafios atuais. "A cautela é ter capacidade de
compreender que os momentos históricos se produzem na história. Temos que
tolerar tudo isso", sinalizou Jobim.
A punição é fundamental
Ao discursar, o diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira
(FAP), Marcelo Aguiar, afirmou que o Brasil só pode celebrar os 40 anos da
redemocratização porque os planos de golpe de Estado, tramados dentro do
governo Jair Bolsonaro, foram derrotados. Ele disse ainda que existem
extremistas, que continuam atuando à espreita, travando uma guerrilha
permanente contra o sistema político, e que a punição aos responsáveis pelos
atos golpistas do dia 8 de Janeiro é essencial para evitar novas ações.
"Estamos comemorando hoje 40 anos da democracia, e só podemos celebrar
porque os planos de golpe de Estado tramados dentro do Palácio do Planalto no
governo Bolsonaro foram derrotados", afirmou.
O embaixador Júlio César Gomes dos Santos foi o último
palestrante da Mesa I - Democracia 40 anos: As conquistas consolidadas.
Ele ficou 38 dias ao lado de Tancredo Neves antes da morte e relembrou
episódios dessa época. "Eu era subchefe do cerimonial, e meu chefe me
disse: "Você vai ser o homem junto ao doutor Tancredo". Foram 38 dias
inesquecíveis, tristes e difíceis de esquecer. Vieram algumas coisas que não
foram publicadas e que mostravam o que era aquele momento tão difícil para o
Brasil."
Uma das lembranças contadas pelo embaixador foi a surpresa
ao ver as condições do Hospital de Base para receber o presidente.
"Surpreendeu-me, enormemente, a deficiência do hospital. O doutor
Tancredo, com os seus médicos, desceu um dia para a sala de radiografia do
hospital, onde havia uma fila de pessoas que iam e entravam. Eram radiografadas
e saíam, e o enfermeiro passava um pano em cima da mesa. E quando chegou a vez
do doutor Tancredo, o homem passou um pano como se fosse um outro paciente que
estava na fila, e eu me perguntei: 'Meu Deus do céu, será que não existe
ressonância magnética? Não desinfetam a mesa?"', recordou.
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