Aparentemente, o governo Lula está com graves problemas.
Caindo nas pesquisas a cada dia, enquanto os seus adversários, à direita,
manifestam pujança. Os quatro governadores de oposição – RS, PR, SP, MG –
apresentam bons sinais de desempenho, todos com índices superiores a 60% de
aprovação. Lula não chega a 30%. Dentre aqueles governadores deverá sair pelo
menos um candidato à presidência. E se ocorrer uma aliança entre eles, será
difícil vencê-la.
Criticar o governo Lula, cuja eleição nos impediu de hoje
estar sob um regime ditatorial não é fácil. Esta é uma dívida que contraímos
com ele, e não poderemos jamais esquecer. Ou alguém duvida que Bolsonaro no
poder aqui, e Trump lá, sobraria algo da nossa democracia?
O fracasso do governo Lula será a porta para a
direita alcançar o poder. E não sabemos quais concessões a direita vitoriosa
fará para a extrema-direita. Por isso, mas não só, é preciso torcer pelo
sucesso do governo Lula, o que implicará atrair a direita democrática para o
governo de forma mais clara, dando-lhe também papel de protagonista. Seguir o
conselho que escutei de Miguel Arraes: “aqui (diria no momento atual) para
vencer (eleitoralmente) é preciso dividir a direita, atraindo sua vertente
democrática”.
De toda forma, é preciso saber,
inicialmente, as razões que estão levando o governo ladeira abaixo. Vou
anunciar algumas, e de forma aleatória, deixando ao leitor a tarefa de
hierarquizá-las. As razões dividem-se em duas ordens, aquelas de ordem conjuntural,
as primeiras, seguidas daquelas de ordem estrutural.
Que não me chamem de machista (pois com certeza minha mulher
sairá em minha defesa), mas a “companheira” Janja é uma presença mais nociva
que positiva no Planalto. Sua participação no governo, para o qual não foi
eleita, é um desastre. Sua simpatia junto à população se desfaz na medida em
que ela “mete os pés pelas mãos”. Fez a cabeça de Lula para escolher uma
ministra da cultura que ninguém sabe a que veio, quando o presidente tinha à
sua disposição o melhor ministro da cultura deste Pais, Juca Ferreira; decidiu
que entende de comunicação e começou a disputar o cargo com o ministro da
comunicação social, que terminou saindo, deixando o governo na lona. Isso para
ilustrar com dois simples exemplos, teríamos dezenas. Mete-se em tudo e mais
alguma coisa, das quais não entende um terço, como se diz no popular.
A comunicação do governo é um fiasco. Os frutos da economia
com a queda do desemprego, do aumento da renda média dos trabalhadores, da
inflação baixa e da retomada do crescimento econômico nos primeiros dois anos
não se traduziram em popularidade. E agora, com o mundo conturbado, a inflação
voltando a crescer, o desemprego parando de cair, a situação não será tão
benfazeja. Mudou-se a comunicação, ótimo, porém, não se pode esquecer que sem
política ela não surte efeitos consistentes. Não se sustenta.
Lula se cercou de uma assessoria palaciana medíocre. Nada de
militantes experientes, com inteligência e sagacidade, capacidade de conversa
entre iguais. Pessoas como José Dirceu, Luiz Gushiken, Gilberto de Carvalho e
Tarso Genro, entre outros, que se fizeram políticos junto com Lula, todos
sabiam quem eram. Eles tinham história, e foram substituídos por pessoas
inexperientes política e administrativamente, que ninguém sabe quem são. O
único mérito, o de se mostrarem fiéis a Lula quando estava na prisão, é bonito,
mas nada diz de suas competências em assessorar um Presidente da República. Não
falam, e quando o fazem, é equivocadamente, como no caso da suspensão do
“decreto do PIX”. Neste episódio, o governo errou três vezes: quando não previu
a reação que o decreto iria causar, quando suspenderam o decreto (que o Lula
não queria) e quando resolveram criar uma publicidade (parece que recuaram, mas
saiu nos jornais e não foi desmentida), dizendo que não haveria taxas sobre o
PIX. Custo previsto: 50 milhões. Seria um desastre. A oposição iria
morrer de rir: “Claro, não tem taxação porque nós obrigamos o governo a
suspender o decreto”.
Seus ministros não fazem entrega e não entendem o momento
político, estimulando a cada dia a polarização, e brigando entre si. Há
personalidades importantes como Haddad na economia, Camilo na
educação e Marina no meio ambiente. Fora estes, o povo não sabe o que estão
fazendo. O Fernando Haddad, preparado, inteligente, e que conhece as tramas do
mercado, o PT e o governo trabalham para desgastá-lo. Impropriamente, diga-se
de passagem, pois é o único político do PT que poderá substituir Lula caso ele
não seja candidato.
Somam-se à assessoria medíocre os erros que Lula
comete a cada dia. Perdão. Segundo alguns jornais é um erro a cada três dias.
Entre eles, esta pérola, em relação à inflação dos alimentos: “Deixem de
comprar os alimentos mais caros e comprem os mais baratos”. Uma amiga me citou
uma rainha que disse frase similar – “Se o povo não pode comprar pão, compre
brioche” – e perdeu, literalmente, a cabeça.
Lula e o PT desprezam seus aliados, como Cristovam Buarque,
desconvidado a participar de cerimônia no palácio sob a alegação de que não
havia lugar suficiente. Era para a assinar o decreto de proibição do uso de
telefone celular nas escolas, coisa pela qual Cristovam, um dos primeiros
políticos fora do PT a apoiar Lula em 2022, tanto lutou.
Atualmente, o governo busca desesperadamente jogar dinheiro
nas mãos dos menos favorecidos, e de uma maneira estabanada, que passa a
impressão de que não tem qualquer compromisso com o equilíbrio das contas
públicas. Só falta jogar dinheiro de helicóptero como, diz a lenda, fez Sarney
para ser eleito senador do Amapá. E esta impressão impulsiona para a oposição
parte do empresariado que não é ideologicamente de extrema-direita.
Lula é um gênio na política, nascido no interior de
Pernambuco, dirigiu-se a São Paulo como um pau de arrara, tornou-se operário e,
finalmente, foi eleito presidente da República, por três vezes. Não é pouca
coisa. Ele precisa descobrir, porém, que o mundo mudou; que as políticas do
passado não funcionam mais; que a comunicação política se faz diferentemente.
Para enfrentar esta nova situação, tem que ter na assessoria pessoas
competentes, que conversem e explanem sobre a natureza das mudanças que estão
ocorrendo no mundo e no Brasil. Por mais genial, ele não sabe tudo. De nada
adiantam assessores que apenas dizem sim, ou que dizem tolices.
É preciso distensionar o ambiente político, que favorece à
extrema-direita. Como Lula fez no dia 27 de fevereiro em São Paulo, com o seu
governador, notoriamente um opositor e possível candidato à presidência. Porém,
Gleisi Hoffmann nas relações institucionais parece ser um tiro no pé. Ela é o
ícone da antipatia, defensora de Maduro, e que segundo uma amiga brasiliense
“gostaria de não pisar no chão, com aquele narizinho empinado”. Parte do PT
está contente, mas será ela competente para o cargo? Ela amplia as alianças do
governo para reduzir suas dificuldades com o Congresso e preparar a esquerda
para as novas eleições? Aparentemente, sua nomeação foi uma forma de
ligar mais o PT ao governo. E Lula, assim, parece estar aplicando a mesma
estratégia de sempre: agrupar a esquerda para em seguida ganhar aliados no
centro e na direita.
Entre as razões estruturais está a de que a situação hoje é
muito distinta de 2003. Hoje, o Congresso Nacional controla parte significativa
do orçamento, graças a inoperância do ex-presidente. É um fato. Não adianta
argumentar que vivemos em um regime presidencialista. Por outro lado, os
partidos de esquerda perderam espaço nos governos estaduais e nas prefeituras
municipais. Dessa forma o governo tem que ampliar seu aliados, tem que governar
em uma frente ampla.
Hoje, os meios de comunicação estão divididos entre as
mídias sociais, de controle individual, e os meios clássicos de comunicação
(rádio, TV e jornais), na maioria em mãos de empresas. E a esta situação a
esquerda ainda não conseguiu se adaptar. Há exceções, como o prefeito de
Recife, do PSB, João Campos. Mas são poucas.
O mais importante, porém, é que o mundo mudou e
a esquerda, não. Seus partido não se renovaram. Seus quadros estão
envelhecidos. Desligaram-se dos jovens, dos empreendedores. Perderam a classe
média urbana. Não entenderam as mudanças religiosas no País e os impactos das
inovações tecnológicas. Por isso, é fundamental governar de olho da renovação
dos quadros, na incorporação dos jovens, de todas as classes e procedências. De
forma universal.
Finalmente, a esquerda não entendeu que o ciclo da esquerda
se esvaneceu com o nascimento do século XXI. A onda conservadora cresceu e toma
conta de tudo. A esquerda abandonou o discurso universal pelas
particularidades identitárias. Os ministérios da mulher, dos povos originários,
da igualdade racial e dos direitos humanos, juntos, não valem um. Inoperantes,
sem recursos, e produtores de escândalos. A postura identitária é um sinal do
abandono do discurso universal, agora ocupado pela direita. Que não significa,
em absoluto, abandonar os clamores e reivindicações legítimas de segmentos
discriminados, como as mulheres, os pretos, os povos originários, os quilombos,
os LGBTQ+. Mas, é preciso ter um discurso includente para estes e outros
segmentos sociais, para a grande maioria da população.
A direita, e com ela a extrema-direita, montou um quarteto
ideológico de sucesso, como diz Guilherme Casarões em conversa com Marco
Aurélio Nogueira: pátria, família, deus e liberdade. Esta, entendida sem o seu
complemento, o da responsabilidade. E este quarteto está ganhando as multidões,
temerosas das mudanças e do futuro sombrio que se desenha. Trump está
enfrentando este mundo sombrio, tentando construir um novo para os seus,
norte-americanos e ricos. Está retomando a lei do mais forte no mercado e na política.
Construindo um Estado privado, que funcionará com a lógica empresarial
norte-americana: perdedor não merece nem respeito nem consideração. Traduzindo,
pessoas socialmente vulneráveis não merecem a atenção do Estado. Trump usa a
força bruta para recuperar o declínio dos Estados Unidos, tentando separar a
Rússia da China e submeter seus aliados, humilhando-os. Este acúmulo de
humilhações, a que se somam os funcionários públicos norte-americanos, não
ficará completamente inerte. Reações estão surgindo, como diz Marta Batalha em
artigo recente no O Globo.
Hoje, as esquerdas pagam o erro de terem passado quase 16
anos no poder executivo, sem terem construído qualquer mudança substantiva
(responsabilidade sobretudo do PT). Trataram seus eleitores como consumidores,
esquecendo que são também cidadãos. Não realizaram uma reforma política. Não
mudaram a educação de base. Investiram muito em assistência social e pouco em
educação fundamental. Nesse período seria possível realizar uma revolução
educacional se tivessem definido a melhoria da qualidade do ensino básico, e
adotado medidas eficientes. Trataram os pobres como beneficiários de ajuda
estatal, sem criar condições de transformá-los em produtores, com autonomia de
renda, capacidade tecnológica e de gestão. Não introduziram mudanças no modelo
de desenvolvimento, deixando-o prisioneiro do consumo intensivo de petróleo.
Não adotaram medidas fortes para transformar o Estado em um agente efetivo de
desenvolvimento sustentável, eficiente, que justifique a montanha de impostos
que arrecada. Não adotaram programas substantivos para transformar a floresta
amazônica, mais da metade do território nacional, em um espaço produtivo com a
floresta em pé. Não lutaram pela existência de um mercado comum
latino-americano.
Os grandes projetos de combate à fome e habitação para todos
tiveram sucesso temporário, pois sustentados em políticas assistencialistas.
Esqueceram que o mais importante é ensinar a pescar e não distribuir o peixe.
Este é necessário aqui e ali, mas é sempre um paliativo, que tem vida curta, e
não dispensa o ensino.
Por isso, os dois grandes desafios hoje são: renovar as
ideias e os quadros da esquerda e impedir a ascensão da extrema-direita. É
preciso criar uma aliança democrática, que vá da esquerda à direta. É preciso
reinventar um discurso universal que incorpore a segurança do cidadão, sua
liberdade, suas diferenças, e a capacidade de trabalhar com a informação, que
nasce em uma escola viva e de qualidade; que funde um Estado eficiente; que
caminhe em direção a um modelo econômico, com disseminação de práticas de uso
racional dos recursos naturais e de medidas de contenção dos desastres
climáticos. Em termos imediatos, é preciso enfrentar os problemas mais sentidos
pela população: segurança, renda e saúde. E, sem esquecer de propor um sonho
novo, pois ninguém vive sem sonho. E não se produz um sonho novo apenas com
indivíduos que nasceram no meio do século passado, embora indispensáveis pela
experiência.
*Sociólogo, doutor em Sociologia, professor associado II
da Universidade de Brasília, ex- diretor do Centro de Desenvolvimento
Sustentável/UnB (2007/2011).
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