Esvaziamento do fluxo do centro de São Paulo, que se
transformará em vitrine eleitoral, teve inicio no MPSP com o enfrentamento de
milícias formadas por guardas civis e PMs
O centro de São Paulo está a caminho de virar uma vitrine
eleitoral em 2026 seja para a reeleição do governador Tarcísio de Freitas seja
para sua postulação presidencial. O primeiro resultado mais concreto nesse
sentido apareceu nesta terça-feira quando a rua dos Protestantes, reduto da
Cracolândia, amanheceu vazia.
Na véspera, Tarcísio, em entrevista a uma rádio, tinha
cravado: “A Cracolândia vai acabar. Contamos todos os dias. Quando iniciamos o
governo eram 2 mil. Hoje pela manhã havia 53”. Explicou as etapas da
revitalização que se seguirão até que a sede do governo volte a se instalar no
Centro: “É o nosso grande legado”.
No dia em que a rua dos Protestantes
amanheceu vazia, a Secretaria de Segurança Pública soltou uma longa nota sobre
as ações do governo na região. Nem ao longo dos cinco minutos em que Tarcísio
discorreu sobre o tema nem entre as mais de mil palavras da nota da SSP-SP,
houve qualquer menção à origem da operação que pôs em pé o desmanche da
Cracolândia.
Foi em julho de 2023 que o Ministério Público do Estado de
São Paulo deu início às investigações que resultariam na operação “Salut e
Dignitas” (saúde e dignidade) um ano depois. Prestava-se a desmontar a rede de
atividades ilícitas gerida pelo PCC em torno da Cracolândia no centro da
capital.
O MPSP mapeou o comércio ilegal de celulares, motocicletas e
peças de veículos roubados, ferros velhos e casas de prostituição que lavavam
dinheiro do tráfico e se valiam do fornecimento, barateado pelo vício, dos
frequentadores da Cracolândia.
Esta rede, ou “ecossistema de atividades ilícitas”, como
prefere o MPSP, contava com a proteção de agentes públicos tanto da Polícia
Militar quanto da Guarda Civil Metropolitana, cuja sede é vizinha ao fluxo. Foi
a atuação dessas milícias que garantiram o domínio daquele território e, por
décadas, deu sobrevida à ferida aberta no centro da maior e mais rica cidade do
continente.
Quando a operação foi deflagrada, chefiava o MPSP o
ex-procurador geral de Justiça, Mario Sarrubbo. Hoje secretário de Segurança
Nacional do Ministério da Justiça, Sarrubbo é um dos idealizadores da PEC da
Segurança, que chegou ao Congresso no mesmo dia em que a Polícia Federal
eclodiu a operação do INSS e lá parou.
O prefeito da capital, Ricardo Nunes, se disse surpreendido
pela rua dos Protestantes vazia, mas não Lincoln Gakiya. Na cola do PCC há mais
de duas décadas, o promotor do MPSP liderou as investigações que resultariam na
operação de 2024 e acompanha seus desdobramentos até hoje.
Gakiya tampouco se surpreende com a perspectiva de
politização do tema, mas começa por apontar as instâncias acionadas pelo MPSP.
Cita pelo menos nove: PM, Guarda Civil Metropolitana, Corpo de Bombeiros,
Cetesb, PF, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal, COAF, Ministério
Público do Trabalho.
Na medida em que os mandados de prisão, busca e apreensão,
arresto, bloqueio e sequestro de bens, além da interdição de imóveis foram
cumpridos, esperava que a rede que abastecia o fluxo começasse a secar.
Presente à deflagração da operação, seu testemunho é de que nenhum tiro de bala
de borracha foi disparado numa situação que define como “complexa e sensível”.
Tampouco vê como a desidratação da Cracolândia seria
possível sem a remoção da favela do Moinho. A última favela do centro de São
Paulo é alvo de grande embate da oposição com os governos estadual e municipal
pelas condições dramáticas - e violentas - nas quais 1,2 mil famílias estão
sendo obrigadas a deixar suas casas, o que levou a União a suspender a cessão
da área ao governo do Estado.
O desmanche da favela começou com a identificação, pelo
MPSP, de duas lideranças do PCC que comandavam, do Moinho, o abastecimento de
drogas da Cracolândia. Quando os usuários desobedeciam regras que impediam
roubos, agressões e estupros, eram levados à favela para justiçamento. Era lá
também que funcionava o aparato de vigilância e monitoramento, pela captação de
sinais de rádios transmissores, das forças policiais.
Gakiya não ignora o drama de saúde pública de usuários
transformados em escravos-zumbis do crime. Espera que as denúncias de maus
tratos sejam apuradas e que a prefeitura e o governo acolham tanto os usuários
quanto as famílias removidas.
Não vê, porém, no espraiamento de usuários, um sinal de que
o problema apenas foi exportado para os bairros porque é a concentração que
garante sua sobrevida. Para que uma cracolândia se enraize, é preciso escala
para sustentar a rede de negócios que vive em torno dela. Na medida em que a
operação seja capaz de evitar novas concentrações, os usuários, sem meios de
garantir o acesso à droga, ficariam menos resistentes ao tratamento.
Gakiya não se queixa da colaboração da prefeitura e do
governo do Estado na adoção das medidas preconizadas. Até porque não vê solução
para o país, como preconiza a PEC da Segurança Pública, que não passe pela
colaboração federativa e a cooperação entre dezenas de órgãos de segurança e
controle em todo o território nacional.
Pelo andar da carruagem, porém, há uma crescente intersecção
entre as forças que colaboram em São Paulo e aquelas que, no Congresso, criam
obstáculos ao enfrentamento nacional ao crime organizado. Nesse ritmo, se
vitrine houver, será apenas bandeirante.


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