É a consequência do presidencialismo de cooptação, do
sistema eleitoral proporcional e da proliferação de partidos sem conteúdo, além
de uma classe política desinteressada
Não há nem harmonia nem independência entre os Poderes, há
desarticulação. O Legislativo, antes de legislar, administra, destinando de R$
50 bilhões a R$ 60 bilhões para obras, na maioria pulverizadas, visando a
atender aos interesses eleitorais dos congressistas, sem respeito a qualquer
política pública.
Segundo a Constituição federal (CF), o Orçamento compreende
metas e prioridades da administração. No entanto, com a aprovação das Emendas
Constitucionais 86/2015, 100/2019 e 105/2019, as emendas individuais de
parlamentares à Lei Orçamentária e as de bancada passaram a ser de execução
obrigatória, além de se criarem emendas de comissão e Pix, esta com recursos
alocados diretamente a Estados e municípios. Cada parlamentar tornouse um
ordenador de despesa de recursos da União.
Diante do fato consumado das emendas
parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) apenas pôde impor meias
medidas, exigindo transparência e rastreabilidade, em terreno minado de
inconstitucionalidade, que não declarou, como deveria fazer, por ser agora
politicamente custoso.
De outra parte, diante da inércia do Legislativo, o STF,
provocado por Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF –
artigo 102, § 1.º da CF) e sob influência do neoconstitucionalismo, fez
prevalecer, por exemplo, o princípio da fidelidade partidária, “acrescentando”
ao artigo 55 da CF a hipótese de perda de mandato de deputado por mudança de
partido sem justa causa. O STF legislou até mesmo em matéria constitucional.
A expansão legislativa do STF deu-se na permissão do aborto
de anencefálico, no reconhecimento do casamento homoafetivo e, agora, na
descriminalização do porte de maconha, considerando que não comete infração
penal quem adquirir, guardar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a
substância cannabis sativa em até 40 gramas.
Em contrapartida à atuação legislativa do STF, surgiram no
Congresso Nacional, por iniciativa de congressistas de diversos partidos,
propostas de emendas constitucionais reguladoras do funcionamento da mais alta
Corte, outorgando inclusive tarefa judicial ao Poder Legislativo.
Assim, o Congresso não só pretende disciplinar o cabimento
de decisão monocrática, como condicionar a edição de súmula pelo STF apenas se
aprovada por quatro quintos dos membros da Corte, tendo força vinculante se
reconhecido tal efeito pelo Legislativo, que apreciará sua pertinência.
De outra parte, duas Arguições de Descumprimento de Preceito
Fundamental merecem destaque diante da importância e procedência do decidido,
como prova de o STF estar a impor, aos inertes Executivos da União e dos
Estados, o cumprimento de ações necessárias para a efetividade de direitos
humanos.
No Recurso Extraordinário 684.612 e na ADPF 347, o STF
decidiu estabelecer, quanto ao calamitoso sistema carcerário, metas a serem
alcançadas pelos Executivos de 2025 a 2027, com adoção de cronograma para a
consecução de diversas melhorias.
Reconhecendo que não cabe ao Judiciário elaborar política
destinada a corrigir situação fática, no entanto, o STF fixou diretrizes para a
elaboração de planos estaduais buscando superar o estado inconstitucional do
sistema penitenciário em três anos, com a adoção do Plano Pena Justa, do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na decisão do STF, reconhece-se o estado de coisas
incompatível com a Constituição, no caso do sistema carcerário, com a
determinação ao Executivo de elaborar plano para superação da situação, a ser
homologado pela Corte, à qual cumpre, com o CNJ, monitorar sua execução. O STF,
dessa maneira, impõe aos Estados uma “providência estrutural”.
Em outra ADPF, a de n.º 635, buscou-se o reconhecimento de
violações a direitos fundamentais decorrentes da política de segurança pública
do Rio de Janeiro. O STF entendeu haver quadro de graves violações de direitos
dos residentes nas favelas e uma omissão estrutural do poder público ao efetuar
operação policial. Em razão disso, determinou ao Estado a elaboração de plano
para reduzir a letalidade policial e outras medidas, como a necessidade de
ambulâncias e o uso de câmeras em viaturas e em uniformes policiais.
Segundo o acórdão, falhas estruturais na política de
segurança pública do Estado justificavam a determinação de medidas pelo STF,
bem como o monitoramento do cumprimento da decisão. Com tais medidas, houve a
redução de mortes pela polícia, a diminuição de policiais mortos e um menor
número de delitos.
Por que as instituições estão fora de lugar: Legislativo e
Judiciário em conflito de competências e o Executivo reduzido a espectador
manietado? É a consequência do presidencialismo de cooptação, do sistema
eleitoral proporcional e da proliferação de partidos sem conteúdo, além de uma
classe política desinteressada dos grandes problemas nacionais. Neste quadro
político sem densidade, vigoram apenas inconsistentes ambições pessoais.
Diante de serem difíceis mudanças no arcabouço político,
resta esperar que o STF cuide com afinco de sua imagem para se legitimar como
alicerce desse processo democrático sujeito a tantos riscos.


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