Bolsonaro deu motivos para ser preso preventivamente, e não
só usar tornozeleira eletrônica. Alexandre de Moraes escolheu poupá-lo
Jair Bolsonaro não está preso ainda, mas chegou o
mais perto que já esteve disso. A decisão do STF tornada pública nesta
sexta-feira (18) impôs ao ex-presidente novas medidas cautelares que se somam
às anteriores (como a retenção de seu passaporte, ocorrida em fevereiro de
2024). As restrições incluem o monitoramento por tornozeleira eletrônica,
proibição de se ausentar de Brasília, recolhimento domiciliar noturno em dias
de semana e integral nos finais de semana, proibição de contato com outros
investigados, autoridades estrangeiras e embaixadas, e proibição do uso de
redes sociais, seja diretamente ou por terceiros. Também foram autorizadas
buscas em sua casa e no escritório do PL, seu partido, onde, segundo
informações preliminares divulgadas pela imprensa, foram apreendidos alguns
milhares de dólares, um pen-drive (encontrado no banheiro) e o celular do
ex-presidente.
A decisão, assinada pelo ministro relator Alexandre de
Moraes e referendada pela 1ª Turma do Supremo, atendeu a um pedido da Polícia
Federal. Essa investigação não faz parte do processo por tentativa de golpe de
Estado, mas se relaciona com ele, porque apura se Bolsonaro e seu filho Eduardo
tentaram obstruir a Justiça para salvar os réus da intentona. Os crimes que
estão sendo investigados são coação no curso do processo, obstrução de
investigação sobre organização criminosa e – novamente, no caso de Bolsonaro –
tentativa de abolição violenta contra o estado democrático de direito, por
haver suspeitas de que a dupla ameaçou a integridade do Judiciário.
Aliados bolsonaristas correram às redes para renovar suas
reclamações contra o que chamam de “ditadura da toga”. Dizem que Bolsonaro foi
preso sem condenação, já que agora terá de usar tornozeleira. Mas estão
duplamente errados. Primeiro, porque o ex-presidente não foi preso: Moraes
adotou justamente medidas alternativas à prisão, entre elas o uso da
tornozeleira e algumas limitações de convívio social. Essas são as ferramentas
que um juiz tem à mão quando quer evitar um mandado de prisão preventiva – medida
que, no caso de Bolsonaro, seria perfeitamente justificada.
Em segundo lugar, a decisão não foi tomada sem fundamento. A
adoção de medidas cautelares requer que haja provas de que crimes foram
cometidos, indícios de quem os cometeu e demonstrações de que, se continuar em
livre circulação, a pessoa investigada pode pôr em risco a ação penal. Esses
três requisitos estão presentes no inquérito. Comecemos pelos crimes: nem a
família Bolsonaro nega que Eduardo viajou aos Estados Unidos no intuito de
conseguir sanções pessoais às autoridades que investigam e processam seu pai. É
verdade que a argumentação da PF parece exagerar quando sugere que seja
imputado aos dois o crime do art. 359-I do Código Penal, onde se fala em
“provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo”. Este não parece
ser o caso (quando se fala em “guerra tarifária”, a guerra não passa de uma
metáfora). Mas a prática dos demais crimes é, sem dúvida, plausível.
A autoria deles, tanto por Bolsonaro quanto por seu filho,
tampouco parece contestável. Eduardo não esconde que, há tempos, vinha tentando
cavar sanções contra o Brasil para garantir a impunidade de seu pai. E
Bolsonaro engrossou o coro tão logo Trump anunciou o tarifaço, deixando claro
que partilhava do plano de tornar a economia brasileira refém de sua sorte
processual. Não bastasse isso, Bolsonaro é também financiador confesso da
peregrinação antipatriótica de seu filho. Neste momento, a principal ocupação
profissional de Eduardo é trabalhar como lobista nos Estados Unidos articulando
punições contra os investigadores, acusadores e juízes. O pai, por sua vez, o
sustenta em troca desse valoroso trabalho. Penalmente, portanto, não há como
dissociar a coautoria do crime entre pai e filho neste caso.
Por último, a lei processual detalha as situações em que a
livre circulação do investigado pode justificar a adoção de medidas
restritivas. Entre eles estão o risco à aplicação da lei penal, comumente
invocado quando há risco de fuga. A cartinha publicada por Trump em 9 de julho
deixou clara sua disposição em tratar Bolsonaro como um perseguido político, o
que poderia favorecer sua acolhida como exilado caso conseguisse, por qualquer
meio – fosse escapando por fronteira seca ou se abrigando numa embaixada –
chegar ao território americano. A partir daquele momento, a hipótese de
concessão de asilo deixou de ser conjectura e virou uma possibilidade tangível.
A apreensão de uma boa quantidade de dólares na casa do ex-presidente, nesta
sexta-feira (18), tampouco o favorece. Afinal, ter moeda estrangeira em espécie
é compatível com a suspeita de que Bolsonaro cogitava se refugiar nos Estados
Unidos, aderindo, com isso, à trend da extrema direita
brasileira em anos recentes.
É certo que o risco de fuga nunca pode ser calculado com
exatidão, e os apoiadores de Bolsonaro dirão que ele estava longe de pegar um
jatinho dando uma banana para o Brasil, como o vilão da novela Vale
tudo. Mas se o objetivo de uma medida cautelar é se antecipar ao dano,
podemos dizer que Moraes foi até generoso. Se nem a retenção do passaporte do
ex-presidente eliminou o receio de que ele pudesse fugir, o natural seria que
fosse decretada agora a sua prisão preventiva. A adoção de medidas alternativas
revela que o ministro se esforçou para poupar Bolsonaro da cadeia, uma
concessão que dificilmente seria feita a outros investigados em situação
similar.
Além da ameaça ao Judiciário, pode-se argumentar que
Bolsonaro e seu filho puseram em risco a ordem econômica do Brasil, o que
também é previsto na lei como motivo para a aplicação de medidas cautelares. É
uma situação rara: afinal, é difícil imaginar como a liberdade de alguém pode
implicar risco à economia do país como um todo. Pois Eduardo, ao se gabar de
ter influenciado Trump a aplicar tarifas escorchantes contra o Brasil, nos
mostrou que realmente nada é impossível.
Passado o furor inicial causado pela operação desta
sexta-feira, a conclusão é de que as medidas determinadas por Moraes, embora
históricas, sejam na verdade tímidas. Eduardo, o protagonista desse novo
capítulo da vida criminal da família Bolsonaro, não foi diretamente atingido
por nenhuma medida cautelar, talvez porque o ministro confie que as restrições
contra seu pai o farão recuar. Desde os seus inexplicáveis pernoites na Embaixada da Hungria, em
fevereiro de 2024, Bolsonaro flerta com uma prisão preventiva da qual até hoje
foi poupado. Não teria sido exagero se ele estivesse agora detido em uma sala
de Estado-Maior, e Eduardo, na lista da Interpol.
Rafael Mafei É advogado e professor de Direito na USP e na ESPM. Publicou Como Remover um Presidente: Teoria, História e Prática do Impeachment no Brasil (Zahar)


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