O leitor mais exigente poderia perguntar: “o articulista
enlouqueceu? O que uma coisa tem a ver com a outra? Não se misturam”. Ledo
engano. Os paralelos são maiores que se possa imaginar. A medicina tem um
caráter mais científico, dada a capacidade de testar em laboratório suas
hipóteses. Para a economia, o campo de experimentação é a sociedade e a
história.
Na economia há princípios gerais consolidados pelo acúmulo
prático (tentativas e erros) e da análise histórica, mas como os agentes
econômicos não têm existência estática, reagem mais e se adaptam às novas
condições geradas por medidas governamentais ou pela própria evolução da
realidade. Daí que cada medida de política econômica tenha que pensar nos
“russos” e suas reações adaptativas, como questionou Garrincha ao seu técnico,
que antecipou o gol que fatalmente sairia de suas instruções precisas.
Mas as relações entre economia e medicina
aparecem na piada de péssimo gosto feita certa vez por um aluno meu: “Quer
dizer que o médico mata no varejo e o economista no atacado?”, sobre as vítimas
de um plano econômico.
Entretanto, a primeira escola de economia política teve um
médico francês como seu maior líder. Dr. François Quesnay foi a maior expressão
dos fisiocratas que, no mundo pré-Revolução Industrial, geraram o pioneiro
desenho sistêmico da economia. Tendo o setor agrícola como protagonista e o
único gerador de riqueza (aqui a referência é ao comércio, já que a
industrialização não tinha ainda expressão, muito menos o setor de serviços
existia como conhecemos hoje), e a ordem natural como base, Quesnay em sua obra
Tableau Economique, de 1758, faz paralelo entre o funcionamento da economia e o
corpo humano, comparando a circulação de riquezas e mercadorias com a
circulação do sangue. Acreditava que se houvesse, obedecendo a fisiocracia
natural, a livre circulação dos fatores econômicos, sem obstruções artificiais
(intervenção estatal), tudo iria bem. Por isso, foi questionado pelo Rei, que
se queixava das dificuldades de suas funções, sem a concordância do médico e
economista, sobre “o que faria se fosse Rei?”. Quesnay cravou: “Nada!”.
A economia brasileira está doente, mas o diagnóstico não é
claro para a sociedade e suas lideranças. Não é ainda caso de hospitalização. O
coração monetário bate bem, embora a inflação tenha escapulido um pouco de
controle. Mas a válvula Banco Central está funcionando bem e corrigindo o
sintoma. O sistema digestivo cambial não é motivo de preocupação principal.
Temos boas reservas cambiais que formam um colchão vitamínico contra crises, a
fisiologia da balança comercial e dos investimentos diretos continua ok. Mas é
preciso check-up permanente para monitorar as transações correntes. Combater o
colesterol da insegurança jurídica e do Custo Brasil é fundamental, mas estamos
avançando.
O pulmão fiscal é que preocupa. Não é doença aguda como um
enfarto, um AVC ou um politrauma que exija pronto-socorro e UTI. Trata-se de
doença crônica, com a diabetes e a hipertensão, que vai minando as condições do
paciente, no caso, a economia brasileira.
Podemos fazer um tratamento superficial e paliativo ou uma
terapia profunda e estrutural Se não cuidarmos desse mal não teremos inflação
sob controle, juros baixos, crescimento acelerado e sustentado. A escolha é
nossa!


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