Nixon fracassou na “guerra às drogas”. George W. Bush, na
“guerra ao terror”. Trump tenta unir as duas, com a adesão da direita no
Brasil. O resultado é previsível
A matança promovida pelo governo do Rio de Janeiro nas
comunidades da Penha e do Alemão, a operação policial mais letal da história do País, desencadeou uma intensa disputa
política em torno da segurança pública. Com 121 mortos, a incursão revelou-se
desastrosa, já que a função da polícia é prender e levar os suspeitos a
julgamento. Agora, a conduta dos próprios agentes estatais está sob investigação do
Supremo Tribunal Federal.
Há fortes indícios de que a ação determinada pelo governador
Cláudio Castro foi deliberada, com o objetivo de se apoderar e de entregar para
a direita a bandeira da segurança pública, nos termos de ações violentas como
modus operandi. As articulações que Castro fez com os governadores
bolsonaristas no pós-massacre evidenciam a manobra eleitoral.
A chacina ocorreu num momento em que Lula e
o governo se recuperavam nas pesquisas. O presidente colhia os dividendos do
sucesso da viagem à Ásia, dos diálogos com o presidente Trump e da firme defesa
da soberania e dos interesses do Brasil diante do tarifaço. Já a direita e o
bolsonarismo haviam sido derrotados na “PEC da Bandidagem”, nas investidas pela
anistia dos golpistas, e vinham sofrendo o repúdio popular pelas ações
desastradas de Eduardo Bolsonaro contra o STF e o País.
O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta,
entrou no jogo eleitoral ao indicar Guilherme Derrite, secretário licenciado do
governador Tarcísio de Freitas, como relator do Projeto de Lei Antifacção. A
primeira investida da direita consistiu em classificar as facções criminosas
como organizações terroristas, enquanto o governo Trump promove um novo
intervencionismo global sob a bandeira da “guerra ao narcoterrorismo”.
A estratégia da “guerra ao narcoterrorismo” foi estruturada
a partir da fusão de duas anteriores: a “guerra às drogas”, implementada pelo
governo Nixon na década de 1970, e a “guerra ao terror”, adotada pelo governo
de George W. Bush em resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001.
A “guerra às drogas” foi uma iniciativa global do governo
norte-americano, destinada a interromper o fluxo de entorpecentes para os EUA.
A estratégia comportava proibições legais internas, aplicação das leis em
âmbito nacional e internacional, combate aos cartéis do narcotráfico e apoio
financeiro e militar aos países que se engajassem ativamente à iniciativa. O
“Plano Colômbia”, com fartos investimentos e cooperação policial, militar e de
inteligência, tornou-se o exemplo mais emblemático dessa política.
A estratégia da “guerra ao terror” integrava a doutrina de
Segurança Nacional de Bush, cujo princípio central era a ideia de “guerra
preventiva”. Esse conceito autorizava os EUA a atacar supostos inimigos, mesmo
sem agressões prévias, com o objetivo de eliminar organizações terroristas
globalmente. Bush impôs o engajamento dos aliados sob a máxima: “Ou vocês estão
conosco ou estão com os terroristas”.
Sob essa estratégia, os EUA invadiram o Afeganistão em 2001,
derrubando o Talibã do poder e atacando as estruturas e campos da Al-Qaeda de
Bin Laden. Em 2003, ocorreu a invasão do Iraque, com a deposição do governo de
Saddam Hussein. Uma terceira medida envolveu a criação de um rígido aparato de
controle, vigilância e restrições internas, que resultou na violação de
direitos civis de cidadãos norte-americanos.
Assim como a “guerra às drogas” não conseguiu interromper o
fluxo de entorpecentes para os EUA, a “guerra ao terror” também não eliminou o
terrorismo. Com altos custos financeiros, violações de direitos humanos e do
direito internacional, além de incontáveis mortes, os resultados foram pífios.
A campanha militar no Afeganistão terminou em uma retirada desastrosa e, no
Iraque, não produziu um governo aliado aos norte-americanos.
A classificação das facções do crime organizado como
narcoterroristas, proposta por bolsonaristas e setores da direita, só abriria
caminho para intervenções dos EUA em território brasileiro. Além disso, o
substitutivo de Derrite restringe a atuação da Polícia Federal, que só poderia
agir contra milícias e organizações criminosas mediante solicitação dos
governos estaduais e em caráter cooperativo com as polícias locais.
A proposta de Derrite e da direita é tão desastrada que
atende a interesses do crime organizado. O substitutivo foi duramente criticado
por integrantes dos Ministérios Públicos, da Polícia Federal, do STF e do
governo Lula. Seus conteúdos mais nocivos foram barrados. Felizmente, Derrite,
Hugo Motta e a direita não vão conseguir enfraquecer o papel de órgãos como
Receita Federal, Coaf e PF no combate às facções. •
Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19 de
novembro de 2025.


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