Em vez de lutar contra a solidão, por que não fazer dela uma
aliada?
Estarmos sós nos obriga a ser inteiros, autônomos. A não
ter medo do silêncio — ou de escutar a própria voz. E isso dá trabalho
‘Solidão é lava/que cobre tudo’, cantava Paulinho da Viola.
“Triste é viver na solidão”, já tinha dito Tom Jobim. Num belo artigo publicado
no GLOBO dois meses atrás, a cardiologista Ludhmila Hajjar fez diagnóstico
parecido e prescreveu:
— A solidão é uma dor moderna que ameaça nossa saúde tanto
quanto as doenças clássicas. Ela fragiliza o corpo e o espírito. O antídoto
está na conexão, com a família, os amigos, a comunidade.
Quem sou eu, solitário crônico, para
discordar de Paulinho, Tom e Ludhmila, que entendem muito mais das coisas do
coração. Só acho que o problema não está na desconexão com o outro, mas consigo
mesmo. Estarmos sós nos obriga a ser inteiros, autônomos. A não ter medo do
silêncio — ou de escutar a própria voz. E isso dá trabalho.
Há quem prefira deixar a televisão ligada, se enfiar nas
redes sociais, suportar as festas da firma ou da família e ser sozinho entre
estranhos — ou pior, entre conhecidos — como uma forma de anestesia. Mas, em
vez de lutar contra a solidão, por que não fazer dela uma aliada? Transformada
em solitude, ela deixa de ser falta de companhia para se tornar aquele estado
propício à reflexão, ao autoconhecimento, ao diálogo interno, ao ócio criativo.
“Ai, a solidão vai acabar comigo.” Vai não, Dolores. Mire-se
no exemplo do Lenine: “Hoje eu quero sair só”. Ou do Milton e do Ronaldo
Bastos: “Invento o cais/Invento mais que a solidão me dá”. Não, Vinicius:
sofrer junto é pior que ser feliz sozinho. Estar só é a melhor forma de se
manter livre para novas relações. Doloroso (e tóxico e cruel) é permanecer
(mal) acompanhado enquanto o par perfeito não aparece. E aí dá-lhe benching e
cushioning (ter alguém no banco de reservas; alimentar relações paralelas, caso
a principal não dê certo), paperclipping e breadcrumbing (dar atenção, gerando
falsas esperanças; oferecer migalhas de afeto para garantir o interesse
alheio), thirst trapping (seduzir, sem intenção de algo mais sério), roaching
(abrir a relação, sem avisar à outra parte — ou, como confessaram Cazuza e
Renato Ladeira, “se eu te escondo a verdade, baby/é pra te proteger da
solidão”). Tudo isso faz parte do show de quem teme ficar a sós consigo.
Há a crença de que pessoas solitárias fracassaram: ninguém
as quis. Que “solidão apavora”, como cantaram Gil e Caetano. Que “a solidão é
fera/a solidão devora” como ecoou Alceu Valença. E essa sensação só tende a
aumentar nesta época de fim de ano, quando ficamos acuados pela pretensa
felicidade alheia.
Mal vivida, a solidão é mesmo fator de risco. A OMS tem uma
comissão dedicada a essa “epidemia silenciosa” que afeta cerca de 1,3 bilhão de
pessoas — aumentando a probabilidade de doenças cardiovasculares, AVCs,
demência, ansiedade, depressão. O Reino Unido criou, em 2018, a Secretaria de
Estado para a Solidão, com o objetivo de enfrentar o “flagelo real e
diagnosticável” que acompanha um em cada cinco adolescentes e um em cada dois
idosos.
Assumida como inerente à condição humana, “a solidão é um
luxo” (Clarice Lispector sabia das coisas). Alvin L. também, ao dizer que “tudo
que eu posso lhe dar/é solidão com vista pro mar”.
É preciso aprender a ser só. E a só ser.
É bem possível ser feliz sozinho.


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