Ele virou, sem dúvidas, a face mais insuportável e
intragável do bolsonarismo. Moralismo religioso, berros, cinismo. Mas hoje
rolou operação da PF e tudo foi por água abaixo
Por muito tempo, o deputado federal Sóstenes Cavalcante
(PL-RJ) se posicionou como o xerife da “moralidade cristã” na política
brasileira, brandindo a Bíblia como escudo para ataques virulentos contra
direitos humanos e instituições democráticas. Mas, como diz a velha e banal
expressão léxico português brasileiro, “tava na cara” que essa fachada de
retidão não resistiria ao escrutínio.
Nesta sexta-feira (19), a Polícia Federal deflagrou a
operação Galho Fraco, autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal
Federal (STF), mirando desvios de cotas parlamentares. No flat funcional do
parlamentar-pastor, em Brasília, agentes encontraram R$ 430 mil em dinheiro
vivo, escondidos num armário. Celulares e documentos também foram apreendidos.
Vídeos divulgados pela imprensa mostram pilhas de notas em sacos plásticos
pretos, uma imagem que contrasta brutalmente com os sermões inflamados do
bolsonarista sempre irascível sobre honestidade, valores familiares e
“patriotismo”.
Sóstenes, que também é pastor da Assembleia de Deus Vitória
em Cristo, liderada por Silas Malafaia, reagiu rapidamente, alegando que o
montante provém da venda de um imóvel em Minas Gerais. “Contrato limpo”,
afirmou ele em nota, justificando a guarda em espécie por “falta de tempo para
depositar no banco”. No entanto, a explicação soa frágil diante das
investigações, que apontam para um esquema de desvio de verbas públicas
envolvendo cotas parlamentares e contratos fictícios. A operação também atingiu
o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), outro expoente bolsonarista, revelando
movimentações financeiras suspeitas que somam milhões.
Mas essa não é a primeira vez que o nome de Cavalcante surge
envolto em controvérsias. Seu histórico é um compêndio de hipocrisias que,
retrospectivamente, tornam o episódio de hoje quase previsível. Ou seja, “tava
na cara” que o castelo de cartas desabaria.
Como autor do Projeto de Lei 1.904/2024, o infame “PL do
Estupro”, ele propôs equiparar o aborto após 22 semanas ao homicídio simples,
com penas de até 20 anos para as mulheres, mesmo em casos de violência sexual.
Isso puniria vítimas, incluindo meninas, mais severamente que os estupradores,
tudo em nome de uma “defesa da vida” que ignora o sofrimento real. Críticos,
incluindo o presidente Lula, tacharam a proposta de “insanidade”, enquanto
Sóstenes espalhava desinformação sobre usos fictícios de fetos em cosméticos.
Seu extremismo foi além: como líder da bancada evangélica,
ele combateu agendas LGBT, opondo-se ao “kit anti-homofobia” e a leis contra a
discriminação, rotulando-as como “ideologia de gênero” que “ameaça a família
tradicional”.
Não para por aí. Em 2022, Cavalcante causou um acidente
fatal na BR-040, em Goiás, ao ignorar uma parada obrigatória, resultando na
morte de uma idosa de 81 anos. Apesar de admitir culpa, o caso pareceu ser
abafado: o boletim de ocorrência foi alterado, e não houve processo criminal,
levantando suspeitas de influência indevida. Ele pagou algumas despesas à
família da vítima, mas recusou um acordo maior, e tentou censurar reportagens
sobre o incidente. Financeiramente, o deputado acumula mais de 30 processos
judiciais nas esferas trabalhista, cível e eleitoral. Agora, somam-se a isso as
acusações de peculato e lavagem de dinheiro envolvendo assessores pagos com
verba pública.
Em 2024, ele destinou R$ 43 milhões em emendas a uma ONG
suspeita de superfaturamento e R$ 5 milhões a um projeto social ligado a
supostos treinamentos de guerrilha por traficantes. Por trás dessa
pseudorreligiosidade, Sóstenes serve ainda como ponta de lança para o que há de
mais antidemocrático no bolsonarismo. Defendeu abertamente a tentativa de golpe
de 8 de janeiro de 2023, chorando em vídeo por ajuda a Eduardo Bolsonaro e
pressionando por anistia aos envolvidos.
E a coisa pode piorar. Votou e fez campanha aberta e
descarada pela “PEC da Bandidagem” para limitar o STF, tornando parlamentares
semideuses imunes a qualquer investigação e apoiou figuras como a criminosa
Carla Zambelli, que fugiu para a Itália para não cumprir pena, alegando que ela
“não roubou nada”.
Essa visão de mundo quase medieval, e teatral, que prioriza
dogmas sobre direitos e transparência, revela um cinismo profundo de Sóstenes,
que prega moralidade enquanto acumula acusações graves de todo tipo, incluindo
corrupção.
A operação de hoje pode, e deve ser, o começo do fim para
essa figura intragável, que transformou o púlpito em palanque para ataques
cínicos. “Tava na cara” que o pastor gritalhão cairia. Agora, resta ver se a
Justiça levará às últimas consequências o seu processo de queda.


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