quarta-feira, 5 de setembro de 2012

FÉ REPUBLICANA

Por Vera Rosa / Brasília - O Estado de S.Paulo

Santa associada à solução de problemas difíceis tem lugar especial no Alvorada

Ela desembarcou em Brasília há dez dias, vinda da Bahia, com a missão de proteger o governo de todo o mal e livrar a Esplanada das aflições do cotidiano. Chegou a se acomodar ao lado da mesa de trabalho de Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, mas, com medo de que fosse levada ao chão, a presidente instalou a nova companheira no Alvorada. Confeccionada em argila, a imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, que Dilma ganhou de presente, é hoje o seu xodó.

"Ela tem muito ciúme dessa peça", conta o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Em temporada de eleições municipais e julgamento do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, não faltam nós para o governo desatar na seara política.

O radar de Dilma, porém, está mais sintonizado nas amarras econômicas. "Noventa por cento dos problemas que tomam conta da cabeça dela são ligados à crise e em como retomar o crescimento num nível elevado, sem risco", diz Carvalho. Enquanto a presidente procura soluções para desobstruir "gargalos logísticos" e se debruça sobre os entraves em portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, há embaraços de todos os tipos com os aliados. A base de apoio do governo está dividida no Congresso, parlamentares reclamam de falta de atenção e candidatos a prefeito rogam pela presença de Dilma nos palanques.

Bem ao estilo Jânio Quadros, famoso por dar broncas nos subordinados por escrito, ela adotou agora os "bilhetinhos" para mandar recados aos ministros, como fez na quinta-feira, quando desautorizou acordo fechado com a bancada ruralista para aprovar, em comissão, a Medida Provisória do Código Florestal.

Escorregão. Na cobrança, Dilma escorregou no português. Escreveu "porque" junto quando, na pergunta, deveria ser separado. "Porque os jornais estão dizendo que houve um acordo ontem no Congresso sobre o Código Florestal, se eu não sei de nada?", indagou, em bilhete endereçado às ministras Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais).

"Cada dia com sua agonia. Esses nós não estão na minha ossada", afirma, bem humorado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fazendo um trocadilho com as palavras. "Aqui eu tenho problema com índios, Polícia Federal, greves, consumidor, Judiciário... Rezo para que, agora, Nossa Senhora Desatadora dos Nós nos ajude a ter apenas um nó por dia para resolver."

A santa de que Dilma tanto gostou foi uma lembrança de Emília Almeida, presidente do Instituto Mauá, repartição ligada ao governo baiano. De autoria do artesão Rosalvo Santana, a imagem é destaque do livro Santeiros da Bahia - Arte Popular e Devoção e consta que tem o poder de libertar os mortais das agruras da vida.

Dilma também convive, em seu gabinete do Planalto, com três imagens de Nossa Senhora Aparecida e uma Imaculada Conceição. Apesar de raramente ir à Igreja, ela é fã de Nossa Senhora.

"É bom rezar porque, depois da eleição, ninguém sabe como os aliados vão voltar para o Congresso. A presidente precisa fazer um carinho ao PT, dizer que a gente existe. O Supremo Tribunal Federal é um nó cego mesmo, que não conseguimos desatar", atesta o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), numa referência à condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) no julgamento do mensalão.

Nuvens negras. Do lado de lá, a oposição enxerga mais nuvens negras no horizonte. Para o deputado Sérgio Guerra (PE), presidente do PSDB, o conflito de petistas com o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ainda trará dissabores ao Planalto. "O PT vai mal no Nordeste e há derrotas anunciadas no Recife, em Salvador, Fortaleza e Teresina", diz Guerra. "A maioria que está com Dilma não gosta dela nem ela gosta da maioria que tem."

Com diagnóstico semelhante, o presidente do DEM, senador José Agripino (RN), avalia que Dilma enfrenta "conflito ideológico" no governo por causa da decisão de fazer concessões à iniciativa privada. "Quero ver se ela terá coragem para desfazer o grande nó do Brasil, que é o aparelhamento do Estado, ou se vai dar um nó em todo mundo", provoca Agripino. À espreita, Nossa Senhora Desatadora dos Nós faz vigília na residência oficial do Alvorada. Bem perto de Dilma.

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