sábado, 14 de setembro de 2013

A MÁQUINA DE MARACUTAIAS

Por Izabelle Torres, da revista IstoÉ
Deivson Oliveira Vidal é um jovem de 32 anos que se tornou uma força emergente da sociedade mineira acumulando, nos últimos seis anos, um império estimado em R$ 20 milhões. Sua ascensão, porém, foi tão meteórica quanto criminosa. A agilidade de Vidal nas relações interpessoais e sua disposição em fazer fortuna rapidamente o levaram a frequentar os círculos políticos de Minas Gerais e a transformar seu Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC), uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), numa fábrica de desvios de recursos e corrupção. À frente da instituição, ele fechou 17 convênios com cinco ministérios, sobretudo o do Trabalho, que somavam mais de R$ 640 milhões. Nesse mesmo período, esse prodígio do “desenvolvimento da cidadania” adquiriu helicóptero, carros de luxo, joias e uma mansão construída em dois terrenos no condomínio mais valorizado da região metropolitana de Belo Horizonte, onde dava festas badaladas com ostentações que incluíam até banhos de champanhe Laurent-Perrier nos convidados. A vida milionária que vinha desfrutando pode ter acabado na semana passada, quando Vidal foi preso pela Polícia Federal com outras 25 pessoas na operação Esopo. Ele foi acusado de chefiar uma máfia que pode ter desviado mais de R$ 400 milhões dos cofres públicos federais, estaduais e municipais de 11 Estados e do Distrito Federal, por meio de fraudes em obras, organizações de eventos, treinamento de jovens e contratos terceirizados. Sob ele pesam as acusações de peculato, corrupção ativa, falsidade ideológica, sonegação fiscal, lavagem ou ocultação de bens e formação de quadrilha.
O poder e o prestígio desfrutados por Deivson Vidal chamaram a atenção da polícia durante as investigações. “A sensação de impunidade não dava limites aos desvios”, ressalta o delegado Marcelo Freitas. O mistério de como um jovem de classe média sem influência familiar conseguia circular com tamanha desenvoltura nos gabinetes dos ministérios e dos governos estaduais pode começar a ser esclarecido na próxima semana, quando terá início a segunda fase das investigações. Com base em depoimentos das testemunhas e dos presos durante a operação, a polícia vai apurar quem está por trás do jovem empresário. Já se sabe que pelo menos três deputados federais intermediaram os contratos do IMDC com seus Estados, quase tudo feito sem licitação. Os nomes dos parlamentares são citados em escutas telefônicas pelo próprio diretor do instituto. O que não se sabe ainda é até que ponto esses políticos se beneficiaram dos desvios capitaneados por Vidal.
A relação mais antiga do presidente do IMDC, segundo as investigações, é com o deputado federal Miguel Corrêa (PT-MG). O petista não tem atuação de destaque no Congresso, mas seu poder em Minas Gerais é considerável. Atual vice-presidente do PT estadual, Corrêa era, até a semana passada, considerado candidato eleito para o comando do diretório de Belo Horizonte. Essa influência de Miguel Corrêa abriu portas para contratos milionários – todos questionados por órgãos de controle – do IMDC. Em 2007, o deputado destinou R$ 300 mil de suas emendas para o projeto Pop Rock Brasil, organizado pelo instituto. No ano seguinte, foram outros R$ 400 mil para uma festa de axé. A relação entre os dois foi denunciada por ISTOÉ em 2009 e a Controladoria-Geral da União (CGU) apurou os convênios durante a auditoria de nove contratos entre o Ministério do Turismo e o instituto de Deivson. Os dois convênios que tinham Miguel Corrêa como intermediário apontaram irregularidades cometidas pelo próprio deputado. “A assinatura de cinco ajustes, todos decorrentes de emenda de um mesmo parlamentar e em período de uma semana para a execução de um mesmo evento, reflete intenção de descaracterizar a inobservância da lei”, diz o relatório.
Mesmo diante das conclusões da CGU, Miguel Corrêa afirma que não conhece Deivson e que financiou os eventos porque tinha relações com a Prefeitura e com a empresa DM Eventos, que era a responsável pela organização da festa. O problema do petista e o que o traz para o epicentro das investigações são documentos que constam no inquérito da Polícia Federal com informações sobre um assalto na sede do instituto em 2010. Na época, assaltantes levaram R$ 820 mil em espécie da sede do IMDC e dois funcionários ouvidos pela polícia afirmaram que o dinheiro iria para campanhas eleitorais daquele ano, especialmente de Miguel Corrêa, que concorria à Câmara dos Deputados. Segundo o Ministério Público, o dinheiro tinha origem não comprovada e poderia servir para abastecer o caixa-dois de campanhas eleitorais.
O deputado Miguel Corrêa não é o único parlamentar que manteria estreita relação com Vidal. Na semana passada, prefeitos e ex-prefeitos que prestaram depoimentos sobre as irregularidades na execução do programa Projovem em seus municípios afirmaram que a indicação do IMDC foi feita pelo deputado federal Ademir Camilo (PSD-MG). Antes, o parlamentar era filiado ao PDT e tinha relação próxima com o ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi. Camilo foi o responsável pela implantação do programa em diferentes cidades mineiras e, segundo apura a Polícia Federal, oferecia os convênios já direcionados para o instituto de Deivson. O parlamentar aparece em pelo menos três gravações da PF tratando sobre o Projovem com o presidente do instituto. “Devo ter ido com ele umas duas ou três vezes ao ministério. Mas não mantenho relações próximas”, diz Camilo.
No Ceará, a atuação de Vidal é atribuí­da ao líder do PDT na Câmara, André Figueiredo. Ele teria sido o responsável pela escolha do IMDC para o convênio de R$ 7,6 milhões entre a secretaria do Trabalho do Ceará e o instituto.
A desenvoltura com que Deivson transitou por anos nos ministérios é decorrente de uma séria de fatores que retratam bem as falhas na fiscalização do dinheiro público. Além da corrupção de funcionários – a operação Esopo derrubou Paulo Roberto Pinto, o número 2 do Ministério do Trabalho –, há uma sequência de omissões e descaso com os relatórios dos órgãos de fiscalização que identificam irregularidades nos convênios do instituto comandado por Vidal desde 2009. Um sinal de que a impunidade ou a demora em se fazer justiça está relacionada com os padrinhos que se conquista.
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