Henrique Bóis, Especial para o Estado Raposa (MA) e Eduardo
Kattah
No município de Raposa, 20 quilômetros a nordeste de São
Luís, a ilha de Curupu é conhecida como um dos símbolos do poderio econômico da
família Sarney. Mas sua área total de 16 milhões de metros quadrados reflete
também o contraste social pelo qual se tornou conhecido o Maranhão.
No lado sul da ilha, duas mansões servem de abrigo para o
clã maranhense e seus convidados vips. Na face norte, um povoado conhecido como
Canto, formado por 30 famílias de remanescentes do local, ainda vive como seus
antepassados. Com a permissão do ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP),
a comunidade simples reside ali em casebres de madeira, cobertas de palha ou de
telhas de amianto. Os moradores alegam que não têm permissão para construir
casas de alvenaria.
Se depender da disposição de um sobrinho de Sarney, a ilha
poderá futuramente contar com novos moradores. Dizendo-se coagido na sua
intenção de vender a parte que lhe cabe em Curupu, ele ameaça fazer um
loteamento “popular” na paradisíaca propriedade da família.
Gustavo da Rocha Macieira, filho de Cláudio Macieira - já falecido
-, irmão de dona Marly Macieira Sarney, esposa do senador, decidiu há dois anos
oferecer, por cerca de R$ 20 milhões, os 12,5% que possui da ilha. Em dezembro
de 2011 ele chegou a publicar anúncios em jornais, contratou uma imobiliária
para cuidar da venda e iniciou uma negociação com um grupo português. Segundo
Gustavo, este e outros compradores desistiram da compra ao saber que se tratava
de um imóvel da família Sarney.
A imobiliária Alzira, que ele contratou em São Luís, não
conseguiu publicar o anúncio da venda no jornal O Estado do Maranhão - de
propriedade da família Sarney - e, com medo de “retaliação”, preferiu desfazer
o contrato com o sobrinho do senador. A governadora Roseana Sarney (PMDB),
afirma Gustavo, quer impedir que ele use nas peças publicitárias fotografias da
sua mansão na ilha.
‘Vai ter fila’. “O que me parece que vai restar como opção
para mim é chegar lá no Maranhão e oferecer lotes a partir de 100 metros
quadrados para quem quiser comprar, fracionar aquilo”, disse ao Estado Gustavo.
“Vai ter fila em São Luís. Aí o problema é deles. Vai ser bom porque eles vão
conviver com o povão, né? Vai ser agradável.”
A sua parcela na ilha é de aproximadamente 2 milhões de
metros quadrados. Há dois anos, segundo corretores locais, o metro quadrado de
terra na região (não especificamente na ilha) estava sendo vendido a R$ 30. É o
preço que o sobrinho de Sarney pretende cobrar pelo metro quadrado de sua
imensa parte na ilha.
Esse valor é menos da metade dos R$ 66 pelo metro quadrado
que Ivanoel Alves de Sousa tenta obter com a venda de um terreno de 10 por 38
metros em área bem localizada no Timbuba, área portuária no município vizinho
de Paço do Lumiar, utilizada pelos Sarney e amigos para embarque e desembarque.
No condomínio Alphaville, na cidade de São José de Ribamar, a venda de lotes
gira em torno de R$ 450 o metro quadrado.
Não há placas de venda em Curupu. Na semana passada, o
Estado teve acesso à ilha a convite de moradores do Canto. A paisagem é como
uma miniatura dos lençóis maranhenses, em frente à sede do município de Raposa,
cidade construída por imigrantes cearenses exilados pela seca da década de 1930
e que ocupa o 3.561.º lugar entre as 5.565 cidades brasileiras no Índice de
Desenvolvimento Humano. A água que abastece os casebres da colônia de
pescadores tem alto nível de salinidade.
Entre os moradores está Valbinho, apelido que Claudiomar
Ferreira da Silva, 43 anos, ganhou nos 18 anos que passou executando serviços
domésticos na casa do Sarney em Curupu. Segundo ele, Sarney o tem como amigo.
Até pouco tempo, o ex-presidente da República costumava ir até o Canto.
Bolsa Família. “Às vezes ele me chamava na casa para saber
das novidades”, conta Valbinho - que é pescador e pai de três crianças, todas
inscritas no Programa Bolsa Família. No município há 5.664 inscritos no
programa social do governo federal. Segundo cadastro do Ministério do
Desenvolvimento Social a frequência escolar é de 71,47% nas escolas que recebem
alunos entre 6 e 15 anos.
Há uma escola no Canto. Luana de Jesus da Silva, 15 anos, e
Diana de Jesus Silva, 9 anos, estudam na Unidade Escolar Manoel Batista, um
anexo da rede de ensino fundamental de Raposa. Luana está na 6.ª série e Diana
na 4.ª.
Ambas dividem o único professor num mesmo espaço. Na
quarta-feira, Diana fechava as portas da escola às 16 horas. Não houve aula.
“Os professores de Raposa não querem vir pra cá”, reclama
Valbinho. Sem ler, nem escrever, o “amigo do senador” sabe da instabilidade em
que vivem os moradores na ilha. “Aqui tem luz. Mas nós não temos conta em nosso
nome. Não podemos provar coisa alguma”, afirma. “Qualquer dia desses o velho
morre e a ilha será vendida”, vaticina.
São poucos os que possuem emprego formal. Há empregados da
casa do Sarney que moram ali. Das 30 casas, pelo menos 20 têm uma moto em
frente. Mas só os homens pilotam. Todos no povoado votam ou votaram em Roseana
nas últimas eleições, como conta Cleudes, esposa de Valbinho.
A política de proteção da Ilha dos Sarney foi mais acentuada
no passado. “Houve uma época em que eles colocaram segurança de um lado e de
outro aqui em Raposa”, conta Francisco “Nego”, barqueiro que tira a modesta
renda diária cobrando R$ 2 por travessia em um barquinho. Não deu certo. Hoje
os caseiros relaxam e abrem as portas aos visitantes, ilustres ou
desconhecidos.
Do outro lado de Curupu a segurança das mansões dos Sarney
costuma ser feita por policiais militares da Secretaria de Estado de Segurança
Pública. De camisetas azuis com logo da ilha estampado, quatro se revezam em
plantões na casa de Roseana, esteja a governadora presente nas dependências da
mansão ou não.
Mas raros são os moradores do porto que já viram o senador
pessoalmente. O barqueiro Domingos Souza Marques, 51 anos, conta que só o viu
pela televisão. San Dumon Kzam, 43 anos, comerciante descendente de libaneses,
viu apenas uma vez o senador passando para o porto no rio Santo Antonio. “Estou
comprando até terreno na lua”, brinca Kzam, ao ser informado sobre a proposta
de loteamento de parte da ilha feita por Gustavo Macieira.
Porém, está ficando raro também o uso do porto em Paço do
Lumiar pelos Sarney. Conforme relatos de moradores, quando se recolhe à ilha, a
governadora utiliza helicópteros oficiais do Estado. Os convivas costumam
partir do heliporto do empresário Eduardo Lago, na praia do Olho D’Água em São
Luís. Vista do céu a visão da ilha esconde os casebres do Canto. O que
sobressai é mesmo a parte sul e o imenso telhado da mansão do senador e de sua
filha entre o recorte do mar e a vegetação preservada.
Respeito. Gustavo, que mora no Rio, diz que não visita a
ilha há quase dez anos. O último encontro com o senador foi na época em que
decidiu vender sua parte na propriedade. Disse que foi ao Senado para comunicar
ao então presidente da Casa sua intenção “por respeito” e “consideração” ao
tio.
“Não estou numa cruzada, não quero comprar briga com
ninguém. Eu quero, eu preciso vender (a ilha). Eu tenho minha mãe e meu filho,
que são dependentes de mim. Eu sou de classe média. Eu nunca ocupei e nem quero
nenhuma diretoria de estatal, não fui educado pelo meu pai nesse tipo de
bajulação a um ‘politicozinho’. Quero apenas vender um patrimônio que foi
constituído, comprado pelo meu avô na época, vendido para o meu pai e que meu
pai me vendeu essa fração ideal”, afirma.
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