Por Dora Kramer, colunista do O Estado de S.Paulo
"Estamos pisando em espinho. Não sabemos a consequência
que isso trará ao quadro político brasileiro e tenho certeza de que não será
boa."
A frase foi dita, ou melhor, o vaticínio foi feito pelo
ministro Joaquim Barbosa em meados do ano passado assim que o Supremo Tribunal
Federal decidiu que o PSD, mesmo não tendo passado pelo crivo das urnas, teria
direito a tempo de televisão e acesso aos recursos do Fundo Partidário para a
eleição de 2012, na proporção da bancada dos 50 deputados que o então prefeito
Gilberto Kassab conseguira atrair para a legenda criada em 2011.
Antecipando a piora do que já estava ruim, Barbosa votou
contra, bem como a atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen
Lúcia. O TSE à época decidiu o mesmo que o Supremo e por unanimidade. Ambos os
tribunais ignoraram solenemente duas leis: a eleitoral e a dos partidos que
determinam com clareza meridiana que a distribuição de tempo e dinheiro deve
obedecer à proporcionalidade das bancadas resultantes da eleição anterior.
Em miúdos, na letra fria da lei, o PSD não teria direito aos
benefícios porque havia sido criado entre as eleições de 2010 e 2012 e os
deputados que conseguiu filiar haviam recebido votos em outros partidos. Mas o
STF e o TSE resolveram entender diferente.
Os argumentos variaram desde a necessidade de se considerar
"o dinamismo do processo político eleitoral" até a necessidade de se
levar em conta a realidade. Qual seja a de que não se poderia impedir um
partido já estabelecido como uma das principais forças do Congresso e em
funcionamento em diversos Estados, de ter direito às condições proporcionadas
aos outros.
Isso ao arrepio dos métodos adotados e da regra ainda em
vigor, dado que as referidas leis (eleitoral e dos partidos) não foram
revogadas. Mas, por que voltar ao assunto agora? Porque por analogia, a
interpretação ultraliberal (no sentido da liberalidade) da legislação poderia -
se é que não deveria - ser aplicada ao caso da criação do partido da
ex-senadora Marina Silva.
Segundo o TSE, faltam 50 mil assinaturas e, pelas contas dos
idealizadores da Rede Sustentabilidade, restam 30 mil para que seja alcançado o
número exigido pela Justiça Eleitoral para a obtenção do registro. Marina Silva
pede o beneficio da dúvida a respeito de 95 mil firmas rejeitadas pelos
cartórios País afora sem justificativa.
Reivindica um "jeitinho"? Depende da
interpretação. À primeira vista, sim. Porém, não deixa mesmo de ser esquisito
que, enquanto a média do porcentual de rejeições no Brasil seja de 24%, no ABC
paulista, reduto do PT cujo interesse que Marina concorra à Presidência é
nenhum, esses índices cheguem a 78% (São Bernardo do Campo), 72% (Mauá) ou 69%
(Santo André).
Em tese, caberia uma verificação; se é que há condições
objetivas para tal. Mas a ligação com aquela decisão que favoreceu o partido de
Gilberto Kassab é outra.
Partindo do princípio de que estejam corretíssimas as
alegações sobre a necessidade de se observar o "dinamismo" do sistema
eleitoral e de se levar em conta o dado de realidade, o que se passa com a Rede
cabe perfeitamente nesse figurino.
Nada menos dinâmico que a metodologia de conferência de
assinaturas, nada mais nebuloso que a recusa sem justificativa de um montante
significativo delas e nada mais irrealista que ignorar a legitimidade de uma
legenda com inequívoca representatividade social, como bem demonstrado pela
votação obtida por Marina Silva em 2010 e os índices de intenções de votos nas
pesquisas para 2014.
Se o peso e a medida dos fatos foram mais fortes que a lei
para o partido de Kassab obter benefícios é de se perguntar por qual razão não
se aplicaria o mesmo critério para assegurar aos eleitores de Marina o sagrado
direito à escolha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário