As pesquisas mostram os brasileiros preocupados com as
mudanças climáticas e os problemas incontornáveis que elas causam agora e
poderão causar no futuro. Enquanto isso, o Fundo Clima, mecanismo federal de
financiamento para o combate ao aquecimento global, tem seus recursos retidos
no BNDES. O banco aposta em "campeões" da mineração e de outros
setores que nem sempre fazem o dever de casa no cumprimento de condicionantes
socioambientais. E concede apenas dois empréstimos, R$ 76 milhões de quase R$ 1
bilhão que recebeu do Fundo Clima.
A tal descompasso entre a consciência do povo e as escolhas
dos dirigentes não basta uma crítica rasa, pois demonstra uma disfunção no
sistema que gera más escolhas estratégicas, e não erros pontuais de gestão.
Para quem gosta de analisar com números: o desmatamento da
Amazônia aumentou em 20%, segundo o governo, embora outras pesquisas digam que
é bem mais; a inflação oficial corrigida está no limite da meta e cálculos
extraoficiais falam em 10%; já o PIB ganha 2,5%, com muita boa vontade.
O que os números dizem é óbvio: o país desperdiça reservas
naturais em troca de crescimento econômico quase nulo. E só pessoas com sérios
limites ideológicos poderiam responsabilizar os ambientalistas por tamanho
atraso. É o modelo de desenvolvimento que está esgotado e sua gestão política
só agrava a situação.
Parte desse atraso, a lógica da situação pela situação nega
os problemas ou os atribui a "intrigas da oposição". Devemos ficar
aliviados quando uma voz mais lúcida reconhece a necessidade de enfrentá-los,
como fez o presidente Lula nesta semana, no Mato Grosso do Sul, ao dizer que os
conflitos com povos indígenas deveriam ter sido resolvidos há muito tempo
(incluindo seus oito anos de governo na autocrítica).
Também parte do atraso, a lógica da oposição pela oposição
atribui todos os problemas ao desempenho do governo e os vê como oportunidades
eleitorais, esquecendo sua própria responsabilidade na gestão do país e de
Estados centrais.
Existe, porém, um pacto possível com uma agenda de
desenvolvimento. O termo de referência já foi dado pela população, nas
manifestações de junho, colocando os serviços públicos e o planejamento urbano,
entre outras questões da qualidade de vida, no centro da nova agenda. De
quebra, denunciou a corrupção, exigiu ética na política e desautorizou a
distribuição de fatias do Estado entre partidos "aliados" como método
de governo.
Aos que ganham com a polarização falta humildade para aderir
à nova agenda. Mas o povo usará as ruas e as urnas para forçar um realinhamento
histórico necessário. Um país com tanto potencial de voo não vai ficar parado
no tempo.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo, página A2.
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