Da Época
Na tarde da terça-feira (12), as algemas fizeram Justiça em
Brasília. A polícia do Distrito Federal prendeu, na periferia da capital, o
borracheiro Daniel Martins de Moraes, de 35 anos, acusado de ter estuprado
cinco meninas no mês passado. A polícia agiu rápido e de maneira eficiente. Da
data dos crimes às algemas no punho do suspeito, transcorreram três semanas. A
Justiça também foi ágil. Autorizou num átimo a prisão de Daniel. Ele está
detido provisoriamente numa carceragem da polícia, onde divide cela com dez
presos. O vaso sanitário da cela é chamado de “boi”: um simples buraco no chão.
Daniel deverá aguardar seu julgamento preso na Papuda, o maior presídio de
Brasília. Será alocado na ala destinada a acusados de estupro, conhecida como
“Ala dos Jack”. Essas são as algemas que, de tão corriqueiras e necessárias, o
Brasil nem sequer lembra, conhece – ou de que se recordará.
Na tarde do dia seguinte, a 30 quilômetros do local onde
Daniel foi preso, os ministros do Supremo Tribunal Federal apresentaram asalgemas que o Brasil nunca conseguiu conhecer – mas de que jamais deverá se esquecer.
São as algemas que tardaram a chegar, as algemas tão necessárias quanto as de
Daniel, apesar da diferença entre os crimes, as algemas daqueles cujos crimes,
por mais danosos e graves que fossem aos demais brasileiros, eram ignorados
pela Justiça. São as algemas do estado de direito, que assegura a saúde da
República por meio de um princípio tão simples quanto imprescindível: todos são
iguais perante a lei. São as algemas do político que, num passado não tão
distante, foi o segundo homem mais poderoso do país. Do tesoureiro que
organizou o assalto aos cofres do Estado, de modo que uma quadrilha pudesse se
perpetuar no poder – e que tinha certeza de que, em vez de algemas, acabaria
rindo de tudo num salão. Do lobista que, como tantos outros ainda atuando às
franjas do poder, de qualquer poder, agiu com o desembaraço e a tranquilidade
que só o desprezo pela lei dos homens permite.
O Brasil começou a conhecer o significado dessas algemas,
ainda que apenas simbolicamente, quando o ministro Joaquim Barbosa, presidente
do STF e relator do julgamento do mensalão, adentrou o plenário da corte, perto
das 3 da tarde da quarta-feira. Talvez antevendo as longas sete horas que
transcorreram até o fim da sessão, talvez ansioso por concluir a missão a que
se propusera oito anos atrás – levar o julgamento a um desfecho triunfal –
Joaquim tinha pressa. Enunciou o tradicional “Sentemo-nos” antes mesmo de os
colegas chegarem a suas poltronas. “Ah, não”, corrigiu-se. Com todos finalmente
a postos, sentaram-se e deram início à 31ª sessão plenária do Supremo Tribunal
Federal.
Por Flávia Tavares e Leandro Loyola, com Marcelo Rocha e
Murilo Ramos, da revista Época desta semana.
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