Artigo do ex-governador José Serra, publicado no O Globo
O Enem foi criado pelo saudoso ministro Paulo Renato para
ser um instrumento de aferição da qualidade do ensino médio no Brasil. O
objetivo era criar ferramentas de intervenção para melhorar a qualidade da
escola pública — e, em certa medida, da escola privada também.
O governo do PT distorceu gravemente o seu sentido. Sob o
pretexto de acabar com os vestibulares nas universidades federais, os petistas
transformaram o Enem no maior vestibular do mundo. Ora, se o exame para
ingresso na universidade pública não era bom, então o ruim agora se agigantou.
E com um prejuízo adicional: o Enem já não serve mais de instrumental para avaliar
a escola pública.
Assim, afigura-se mera demagogia, calcada numa mentira
escandalosa, a afirmação de que o governo federal extinguiu os vestibulares. Ao
contrário: unificou-os. No seu 11º ano de gestão, não houve uma só ação voltada
para a qualificação do ensino médio. No máximo, fala-se numa polêmica mudança
da grade curricular, que, até onde se dá o debate, tende a criar uma enorme
confusão. Há o risco de que professores sejam obrigados a ministrar conteúdos
alheios à sua formação.
À medida que o Enem se agiganta e que mais candidatos
disputam a mesma vaga, a consequência óbvia é a elevação do grau de dificuldade
da prova — como se verificou neste ano. E não há mesmo outra saída: o Enem se
tornou classificatório, como qualquer outro exame de seleção.
Tenho recebido relatos de que tanto alunos de escolas
privadas como alunos de escolas públicas já recorrem a cursinhos pré-vestibular
quando no terceiro ano do ensino médio para fazer a prova do Enem. Vale dizer:
ainda que se quisesse ter a prova como um retrato do ensino médio no país, esse
resultado já estaria gravemente comprometido.
Cada universidade federal faz seu vestibular ou todas elas
fazem um só? É assim tão diferente? Creio que não! O tempo dirá se outra
consequência deletéria não estará em curso. No vestibular tradicional, o
candidato fazia a sua escolha, com uma eventual segunda opção. No geral,
buscava aquela que considerava ser a sua vocação. O Enem permite, segundo a
lógica das pontuações, que ele transite entre as carreiras e entre as universidades
Brasil afora. Há o risco, potencial ao menos, de que vários cursos comecem a
contar com muitas desistências no primeiro ou no segundo anos. Se acontecer, é
dinheiro jogado no lixo. Ainda não há dados disponíveis a respeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário