Por João Antonio Barros e Luisa Bustamante, jornal O Dia
Rio - A teia do crime. A Justiça do Rio de Janeiro tem em
mãos evidências do gerenciamento político de um dos maiores esquemas de
corrupção descobertos no Detran. Gravações telefônicas e depoimentos à 1ª Vara
Criminal de Santa Cruz ligam o deputado estadual Coronel Jairo (PMDB) à
quadrilha que movimentava R$ 2 milhões por mês na legalização de carros
irregulares. O grupo tinha 181 pessoas — funcionários do departamento de
trânsito, despachantes e policiais.
Presa na Operação Cruzamento, há dois meses, uma
ex-funcionária, com 13 anos de serviço no Posto do Detran de Campo Grande,
contou à juíza Regina Célia Moraes de Freitas como a quadrilha agia e qual era
o papel de cada um no esquema. O grupo, segundo a testemunha, foi indicado pelo
deputado Coronel Jairo — chamado de “o dono do Detran de Campo Grande” — para
trabalhar na empresa Facility — responsável pelo recrutamento dos funcionários
tercerizados do posto.
Entre os 22 empregados do Detran de Campo Grande que,
segundo a testemunha, “indicados” pelo deputado, quatro são parentes de Hélio
Oliveira, genro do parlamentar: os irmãos Sandro e Alexandre Afonso, a cunhada
Glauciele Paes e o “compadre” Fagner Gomes.
O quarteto era encarregado por cobrar as propinas. Sandro e
Fagner coordenavam os turnos da manhã e da tarde e exigiam diária de R$ 50 de
cada vistoriador. A caixinha era uma espécie de pedágio para trabalhar nos
guichês onde passavam táxis, vans e carros alugados — classificados como os
mais fáceis de ter irregularidades e candidatos a pagar boas propinas pela
vista grossa. Os funcionários que se recusavam a arrecadar dinheiro — para não
atrapalhar a quadrilha — iam para guichês de emplacamento, com baixa
possibilidade de irregularidade.
O esquema era suprevisionado pelo chefe do posto, Flávio
Tomelin, outra indicação do Coronel Jairo. De acordo com a testemunha, o
deputado passou a “controlar” o Detran de Campo Grande em 2008, após a prisão
dos irmãos Jerominho e Natalino Guimarães, por ligações com a milícia.
Propina usada na campanha
Parte do dinheiro arrecadado com as propinas era destinada à
campanha política. Em depoimento na 1ª Vara Criminal de Santa Cruz, a
ex-funcionária do Detran garante que é comum em todos os postos do Detran do
Rio recolher dinheiro para ajudar políticos encarregados da nomeação.
Sustentou, inclusive, que em 2012 a candidatura do vereador Jairinho (filho do
Coronel Jairo) recebeu ajuda financeira e apoio logístico dos envolvidos no
esquema.
A testemunha descreve as reuniões organizadas às vésperas da
eleição pelo diretor do posto, Flávio Tomelin, para, segundo ela, obrigar os
funcionários a conseguir votos de parentes e amigos para o candidato Jairinho.
Sem contar a entrega de fichas com dados pessoais e idas a comitês de campanha
de Jairinho em Campo Grande e Bangu. O elo entre o deputado e Jairinho com o
posto do Detran era feito por Hélio Oliveira. Segundo a testemunha, era ele
quem comandava os comitês eleitorais.
Entrevista com Coronel Jairo - 'O governo pede que indique'
O DIA - O senhor colocou pessoas no Detran de Campo Grande?
Não é verdade. Essas pessoas não são nomeadas pelo político.
Como é que funciona isso? O governo pede que indique pessoas para fazer curso
lá. Eu não nomeio ninguém, o deputado não tem força para nomear. Isso é feito
pelo governo, o governo faz um curso lá. Tanto é verdade que a gente manda lá
pro governo o nome de 100, 200 pessoas, e só umas 20 é que é (sic) aprovada.
Não é nem o deputado que nomeia. O deputado Iranildo (Campos) estava até
falando isso: “eu indiquei para o governo uns 100, só botaram 20”. Então, se
fosse a gente que nomeasse, todo mundo que a gente mandasse tinha que ser
nomeado, né? Não é o caso.
O processo diz que o chefe do posto, Flavio Tomelin teria
sido indicado pelo senhor.
Pois é, não pode ser indicado por mim. Ele é orientado para
que procure o Detran, é uma pessoa. Quando a gente é aliado do Governo, ele é
orientado para que vá lá, mas quem nomeia é o governo, é o Detran.
O senhor sabe que foi citado na investigação?
Foi uma menina. Agora pega lá e vê se tem alguma coisa. Fala
de um deputado, sem falar... Agora vê se tem alguma coisa lá, vê se tem alguma
ligação minha lá... porque eles fizeram escuta, né? Mas a verdade é que eu nem
fui chamado, ninguém me chamou, o Hélio também ninguém chamou.
Além do Hélio, seu genro, o senhor conhece os outros
envolvidos? E o Sandro e o Alexandre?
São irmãos dele. Não tem nada a ver, e também já está todo
mundo solto. O negócio era tão grave que já está todo mundo solto (ironiza).
Eles trabalham no Detran?
O Sandro é despachante, nunca trabalhou no Detran. O outro
trabalhou, mas o Sandro nunca trabalhou não, era despachante, não tem vínculo
nenhum com o Detran. Assim como o Hélio também não tem vínculo nenhum com isso.
A juíza fala que há evidência do envolvimento do senhor...
O desembargador lá não concordou com isso não, nem o
promotor que está à frente dos trabalhos.
A testemunha revela que o senhor era o “dono” do Detran.
Ela, desesperada lá, falou um montão de bobagem. O que é que
a gente vai fazer, né? Eu estou te dizendo a expressão da verdade. Os próprios
meninos que foram presos, muitos deles eu nem conheço.
À espera do procurador
O processo que apura a máfia no Detran foi enviado pela
juíza Regina Freitas, de Santa Cruz, ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça —
justamente por envolver um parlamentar com direito a foro privilegiado. Ele
aguarda, há duas semanas, o parecer do procurador-geral de Justiça, Marfan
Martins Vieira.
Na decisão, a juíza diz que na investigação fica
‘evidenciada a participação no esquema do deputado estadual Coronel Jairo’, que
o depoimento da testemunha corrobora as transcrições telefônicas e os ‘demais
elementos encontrados nos autos’. A testemunha ganhou direito a delação
premiada.
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