O que os olhos não veem, o coração não sente. Seguindo o
dito popular, o Brasil pretendeu não sentir a dor que acumulava em suas
penitenciárias. Hoje a realidade salta aos olhos em contraste com a Copa do
Mundo e outros eventos em que o país se expõe na vitrine internacional.
São cerca de 550 mil presos, grande parte em condições
terríveis: amontoadas, sob temperaturas que superam os 50 graus, sem água e
circulação de ar, entre fezes e ratos. O ministro da Justiça, em novembro de
2012, disse que preferia morrer a cumprir pena em lugares assim. Já era titular
da pasta há dois anos. Outro ano se passou desde aquela afirmação pública
corajosa, mas preocupante, por não ser acompanhada de ações correspondentes à
magnitude do drama. As prisões continuam sendo "sucursais do inferno"
e "escolas do crime", expressões da falência do sistema.
Agora novas crises nos Estados mobilizam a opinião pública e
a dramaturgia política repete a cena já conhecida: o governo se cala, a
oposição grita. Será porque a crise mais evidente está no Maranhão, dirigido
por aliados incômodos de uns e adversários cômodos de outros?
Não podemos deixar que se naturalize a insensibilidade na
visão de que o Maranhão é assim mesmo e não tem jeito. De fato, o drama local é
antigo. Circula na internet o filme de Glauber Rocha feito na posse de José
Sarney como governador em 1966. Criticado na época, o genial cineasta é hoje
saudado pelo contraste entre as imagens duras da realidade social e um discurso
desprovido de ação efetiva para mudar a realidade, que só se agrava 50 anos
depois.
Mas não é só no Maranhão, e as responsabilidades envolvem
Estados e União, Executivo e Judiciário –e também o Legislativo, cuja função é
fiscalizar.
A população carcerária cresce rapidamente: em 20 anos passou
de 140 mil presos para mais de meio milhão. A maioria é pobre e tem baixa
escolaridade, 65% são negros. Tuberculose e outras doenças contagiosas,
inclusive sexualmente transmissíveis, afetam mais da metade.
Dois terços cumprem pena por crimes contra o patrimônio ou
tráfico; cerca de 12%, por homicídios. Essa é uma grande distorção. Cerca de 50
mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil e apenas 8% dos casos são
investigados com êxito. Gastamos R$ 1.500/mês para enjaular as pessoas e
devolvê-las piores à sociedade.
As conclusões são óbvias: é preciso transformar o sistema de
segurança e Justiça criminal em seu conjunto, não basta repassar verbas e jogar
água no mesmo moinho.
E, atenção: esgotou-se o tempo das platitudes. A tarefa
requer a ousadia e a urgência de um pacto nacional.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo.
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