Por Gabriel Castro, do site de Veja
Nos primeiros minutos da entrevista que concedeu ao site de
VEJA, o governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB), citou a palavra
"gestão" quatorze vezes. Não é por acaso: pragmático ao extremo, o
tucano despreza bandeiras ideológicas e diz que a eficiência deve ser o norte
da administração pública. Anastasia, de 52 anos, ocupou cargos no governo
federal durante a gestão Fernando Henrique Cardoso e, em 2001, passou a dar
aulas de direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ingressou no
governo de Aécio Neves em 2003, quando foi chamado a comandar a Secretaria de
Planejamento do Estado. Teve início o chamado "choque de gestão", uma
série de medidas de contenção de custos e aumento da eficiência na gestão do
governo. Com incentivo à meritocracia e incentivos financeiros a servidores que
cumprissem suas metas, o novo modelo permitiu que o Estado zerasse o déficit
financeiro e elevasse os investimentos – que cresceram 250% desde então, já
descontada a inflação do período.
Dez anos depois, o governador assina o prefácio do livro Do
Choque de Gestão à Gestão para a Cidadania – 10 Anos de Inovações Gerenciais em
Minas Gerais, lançado nesta quinta-feira. O livro compila dados para sustentar
a tese de que mudança dos mecanismos de administração pública permitiu ao
Estado gastar menos com custeio e gastar com o que interessa. Editado pelo
próprio governo mineiro, o estudo deve servir para reforçar a imagem de
Anastasia – e sobretudo de Aécio Neves – no ano eleitoral de 2014. Leia a entrevista do governador ao site de
VEJA.
Já é possível fazer um balanço confiável do choque de
gestão?
Eu acho que sim, porque depois de dez anos de uma mudança no
modo de governar, não só os resultados objetivos nas diversas áreas como as
estatísticas mostram uma melhora em Minas Gerais. Mas, mais do que isso,
modificou-se um sentimento interno à administração. Foi adotado um novo método
de funcionamento do Estado, baseado em metas e resultados, com base em um
acompanhamento mais firme exatamente das ações de governo. Tão importante
quanto os resultados objetivos e estatísticos, incorporou-se uma metodologia de
busca pela eficiência no âmbito da administração. Isso tornou-se irreversível
no futuro do Estado.
Então o choque de gestão é mais uma mentalidade do que uma
fórmula?
O mais importante é exatamente a mentalidade, para mudar a
sensibilidade das pessoas em relação à forma de atuação do governo. Tenho dito
sempre que o Brasil precisa de menos governo e mais administração. Essa ideia
sinaliza que a administração pública tenha um cuidado especial com mecanismos,
insumos e instrumentos bastante ágeis para fazer frente às necessidades do
Brasil, que são imensas.
É possível ter uma máquina enxuta e ao mesmo tempo oferecer
serviços de qualidade?
O Estado não deve ser nem grande nem pequeno. Deve ser
necessário e ter o tamanho de acordo com as circunstâncias da sua atuação. Se
você observar pelo mundo afora, vai ver que nas nações africanas o poder
público tem uma atuação muito maior no dia a dia do que na Europa Ocidental. É
natural, pelo estado de civilização a que se chegou. O Brasil está evoluindo.
Nós temos necessidades muito grandes da presença do Estado e da condução de
diversas políticas públicas, mas também é fundamental que nós tenhamos a
participação da sociedade civil, em diversas áreas. É esse ponto de equilíbrio
que se busca. O poder público, quando age, deve agir sob o primado da
eficiência e sempre buscar metas e resultados. No Brasil de dez, quinze ou
vinte anos atrás não se buscava isso. A ação governamental era marcada muito
pelo improviso, pelos costumes, pela ideia do "sempre foi assim".
Isso tudo começa a se modificar com uma nova concepção: a de que a
administração pública deve ser técnica, gerencial, racional e deve dar
resultado.
O que o senhor considera a maior marca da gestão do PSDB no
Estado?
A área de que nos temos mais orgulho é a educação. Minas
Gerais é um Estado populoso, geograficamente grande e tem regiões com graus
diferentes de desenvolvimento. Mas vem apresentado nos últimos anos os
primeiros lugares na educação pública do Brasil, tanto pelo Ideb tanto pelos
demais indicadores – inclusive as olimpíadas de matemática, em que nós somos
heptacampeões. Isso se deveu a um trabalho muito sério demonstrando que, na
educação, também havia necessidade de uma gestão empreendedora. A educação é a
mais reluzente comprovação de como uma boa gestão pode contribuir muito para o
êxito de uma política pública. É claro que a gestão sozinha não resolve, mas
ela é imprescindível para, juntamente com o conteúdo adequado das políticas
públicas, conseguir o resultado que seja construído de modo coletivo.
Por outro lado, a carga tributária do Estado não caiu, e
algumas alíquotas, como a do ICMS, são relativamente altas. Não é uma
contradição com o discurso oficial?
Nós nunca modificamos a questão tributária do Estado. O
choque de gestão não foi concebido para isso. O primeiro impacto dele seria
colocar as finanças do Estado em ordem, sem elevar o padrão tributário que nós
já tínhamos e com o objetivo de colocar pelo menos um mínimo de funcionamento
do Estado. O nosso ICMS é igual ao dos outros Estados, na média. Ao contrário,
nós é que sofremos muito com guerra fiscal. A receita do Estado subiu bastante,
mas muito através de um esforço de combate à sonegação e melhoria da estrutura
de arrecadação. O próprio ambiente empresarial do Estado é extremamente
amistoso e vinculado a projetos de parceria com o governo. Não há sentimento de
que houve aumentos tributários. O que nós não podemos ter é um Estado que
arrecada e não entrega os serviços
É possível aplicar o modelo mineiro no governo federal?
Em Minas Gerais, foi adotado conjunto de medidas que também
são adotados em outros Estados e até outros países. Então, não há qualquer
dificuldade em adotá-lo na esfera federal – é claro que sempre adaptando às
circunstâncias. O que vale para Minas pode não valer para o Amazonas, o Amapá
ou o Rio Grande do Sul. Eu acho que é perfeitamente possível fazer as devidas
adaptações à adoção de um conjunto de medidas que coloque a gestão pública como
um eixo importante de governo. O governo não existe para a gestão, mas não
existe governo sem gestão. O pressuposto, o antecedente é a boa gestão. Só
teremos educação e saúde de qualidade com a gestão adequada. Na semana passada
o Banco Mundial fez um relatório mostrando que na saúde, não adianta mais
dinheiro, é gestão. Isso nós sabemos
aqui há muitos anos. É perfeitamente factível que haja esse esforço. E o
governo federal, já há alguns anos, não tem colocado a gestão como um foco.
O senhor acredita que este é um problema central no governo
Dilma?
Falta, talvez, priorizar a gestão. A questão de gestão
publica é essencial. O governo constituiu uma câmara importante. O Jorge
Gerdau, que nos ajudou muito aqui e é um homem especializado nisso, foi para
lá. Mas nós não percebemos avanços. O governo federal comemorou em novembro 112
bilhões de reais de receita mensal. No mesmo mês, Minas Gerais arrecadou pouco
mais de 5 bilhões. São Paulo deve ter arrecadado 10,6 bilhões. Veja a diferença
abissal: os recursos estão na esfera federal. E, com esse montante, os
resultados poderiam ser bem melhores.
As ideias do PT são um obstáculo à busca pela eficiência na
administração pública?
Algumas questões ideológicas podem influenciar em algumas
resistências. A questão da avaliação de resultados, meritocracia e remuneração
diferenciada esbarra em algumas ideologias que não veem com simpatia esses
mecanismos - que existem pelo mundo afora, não são invenção nossa.
O senhor concorda que falta vigor na oposição feita pelo
senador Aécio ao governo federal?
É uma critica infundada, porque diariamente vejo o senador
Aécio criticando veementemente o governo. Basta ver nesses últimos dias como o
debate está vigoroso. O que acontece é que muitas vezes a percepção das pessoas
no Brasil é de que a oposição tem de ser destrutiva, como o PT fazia no
passado. Não existe isso. A oposição tem de ser realista, apontar os defeitos
mas fazer um esforço a favor do Brasil. E muitas vezes não aparece exatamente
isso. O senador tem um papel muito adequado no Senado, com seus pares. Ele não
tem liderança partidária no Congresso, preside o partido há poucos meses e o
seu comportamento é exatamente aquele que deve ser como líder da oposição. E é
claro que no ano que vem a coisa vai se agudizar, porque nos vamos ter uma
campanha eleitoral.
O senhor vai ter algum papel na campanha presidencial do
PSDB?
Nesse momento exato, como governador, eu não tenho
capacidade de atuar de forma mais efetiva. Eventualmente, ao final do mês de
março, nós vamos ver o que vai acontecer, se eu serei candidato ou não. De todo
modo, até pela minha proximidade, admiração e amizade com o senador Aécio, eu
naturalmente gostaria de participar de alguma forma. Vamos ver como será.
Certamente vou ajudá-lo.
Mantém contato frequente com Aécio?
Falo, não digo diariamente, mas dia sim, dia quase também.
Tenho um relacionamento muito próximo com o governador. Essa ligação continua.
O senhor sabe que rumo vai tomar em 2014?
O cenário eleitoral está claro: nós teremos um candidato a
governador, a ser decidido entre janeiro em fevereiro. Alguns nomes estão se
afunilando neste momento, mas não houve decisão. A partir deste nome, nós
teremos a composição da chapa para vice-governador e senador. Há um estímulo
para que eu eventualmente deixe o governo em março e me candidate ao Senado,
mas essa decisão vai ser fruto de uma conversa coletiva. A minha primeira
pretensão era concluir o mandato, mas vamos aguardar a quê essas conversas
levarão. Ainda não há uma clareza definitiva neste momento.
A trajetória política do senhor não é convencional. O senhor
acha que faltam mais técnicos na política?
Eu acho que não. Na verdade, é natural que a pessoa que tem
vocação política tenha também conhecimento técnico, de administração. E tem de
ter sensibilidade social e política. É sempre um conjunto. Cada pessoa tem uma
trajetória, uma circunstância. O Fernando Henrique Cardoso também era professor
e fez carreira política. Uma coisa não exclui a outra. O que as pessoas têm
grande dificuldade de fazer é compor as equipes. Não podemos exigir de um
político ou governante o conhecimento pleno sobre todas as áreas, porque isso
não existe. O que deve se impor é a capacidade de liderança e a racionalidade
de escolher uma equipe competente. Mas é evidente que o conhecimento técnico
nunca atrapalha, sempre ajuda.
O ministro Fernando Pimentel (PT) é pré-candidato ao governo
de Minas e vem apresentando bons resultados nas pesquisas. Há um desgaste do
PSDB no Estado?
O governo é a
demonstração do exercício das boas qualidades do grupo político, das pessoas,
das ideias e da plataforma. É natural que, após doze anos, o governo apresente
muitos resultados e é natural que haja oposição. Mas eu acredito que a
proposta, a plataforma, os exemplos, as práticas e os métodos do PSDB têm sido
tão reconhecidos que há boas chances de continuidade. Claro que devemos sempre
avançar e evoluir, mas creio que daremos prosseguimento ao nosso trabalho aqui
em Minas Gerais – como, aliás, acontece em São Paulo, onde o PSDB já está há
cinco mandatos.
As alianças no Estado para 2014 estão sob risco, com a
ascensão do PSB e o apoio do PSD à reeleição de Dilma?
Eu acredito que nós devemos reproduzir o grupo que me apoia
hoje no governo, talvez à exceção do PSB. São muitos partidos que compõem a
nossa base governamental. O modelo de federação facilita isso. Pode-se apoiar
um grupo partidário na esfera federal e outro nos Estados atendendo às
circunstancias nacionais. Tenho a impressão de que o PSD nacional tomou a
decisão em prol da reeleição da presidente Dilma mas liberou os Estados. Aqui o
PSD integra o nosso governo, tem um relacionamento muito próximo e tenho muita
confiança de que ficará conosco.
O senhor pertence a um partido de centro-esquerda, mas
defende bandeiras claramente liberais. Como se identifica ideologicamente?
Eu acho que, com todo o respeito, isso não existe mais. O
mundo já derrubou isso tudo há algumas décadas. O que nós temos que ter hoje,
independentemente dessas opções, é eficiência, a eficiência de cumprir aquilo
que está na nossa Constituição. A Constituição de 1988 tomou uma decisão: somos
uma nação capitalista. Temos uma nação que prestigia a propriedade mas valoriza
o trabalho e impõe a função social à propriedade. Está tudo na Constituição. O
que nós temos de ter é eficiência para cumpri-la, dentro de prioridades que são
definidas por cada governo. Mas é difícil definir se a pessoa é de esquerda ou
de centro: acho que a época disso já passou.
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