Em meio aos abraços amigos e desejos de feliz Ano-Novo,
costumamos reconhecer a sinceridade dos desejos para além das palavras, pois
estas são, muitas vezes, gastas e repetidas. As palavras necessitam de gestos
que recuperem e sustentem seu sentido.
Releio Hannah Arendt, para melhor refletir sobre a
possibilidade de restaurar a capacidade humana de lidar com as desconfianças e
incertezas causadas pela ameaça do imprevisível, por meio do milagre da
"promessa". Na dimensão política da crise civilizatória que vivemos,
a crise de confiança é o centro do problema. O ano que passou foi didático
nesse ponto: o atual sistema de representação recebeu um claro voto de
desconfiança e não foi capaz sequer de manter –ainda menos cumprir– até mesmo
as promessas apressadas que faz sob pressão.
Ainda é possível refazer a confiança, dentro de um espaço de
heteroestima política, social, cultural, como indivíduos e como povo? como
indivíduos e como povo? Temos motivo para descrer, num mundo fragmentado em que
as relações se liquefazem e escorrem, sem estabilidade. Mesmo as novas formas
de relacionamento e comunicação que inventamos, muitas vezes parecem ser uma
desesperada tentativa de agarrarmo-nos uns aos outros, multiplicando conexões
frágeis e superficiais na ausência de laços de confiança efetivos e afetivos.
Revejo, no entanto, a importância que H. Arendt dá ao
nascimento como fonte de fé e esperança (cuja expressão poética e profética ela
localiza nos Evangelhos: "nasceu uma criança entre nós") capaz de
renovar a confiança em nós, nos outros, no futuro. Somos, assim, impelidos a
olhar o que está nascendo ao nosso redor e, sim, tem muita coisa boa começando
além de um novo ano.
Podemos abandonar o pensamento defensivo, que recebe as
críticas como se fossem expressões de pessimismo ou até declarações de guerra
para saudar, entre nós, o nascimento –renascimento, como queiramos– de uma
consciência aguda e exigente, que já não se ilude com velhas promessas mas que
pode ser base sólida para um novo pacto ético e social.
Podemos nos alegrar com o surgimento de uma nova geração de
protagonistas da política, iniciantes ainda, mas com enorme capacidade de
aprender e evoluir rapidamente. Podemos compartilhar desse novo sentimento de
poder e liberdade que se espalha dando origem a uma democracia espalhada em
todos os espaços da vida.
Podemos, sim, superar a fragmentação do mundo em crise
compondo novas sínteses baseadas em novas harmonias. Se já não confiamos
naqueles que prometeram tudo, eis aí o sinal para que nossa nova promessa seja
um acordo, simples e claro, naquilo que é essencial. A confiança vem do que é
sustentável.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo.
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