Da revista Carta Capital
Por André Barrocal e Fábio Serapião
Dois dias antes do início do outono, Dilma Rousseff tomou
uma decisão que alvoroçaria o clima em Brasília. Culpou o parecer “falho” de um
ex-diretor da Petrobras pela aprovação, em 2006, no conselho de administração
por ela comandado, da compra de uma refinaria nos Estados Unidos. O negócio
gerava dúvidas e investigações havia tempos, mas a Petrobras sempre o
defendera. Com a decisão a presidenta alimentou a cobrança e uma CPI por parte
de uma oposição sedenta para desgastar o governo em um ano eleitoral. Brasília
parece experimentar agora uma precoce troca de estações. A temporada de
Pasadena começa a ficar para trás. Os personagens da vez são o deputado federal
André Vargas, do PT do Paraná, e outro ex-diretor da Petrobras. O inverno
chegou para eles, graças às suas relações com o doleiro Alberto Youssef.
Na quarta-feira, 9, Vargas renunciou ao cargo de
vice-presidente da Câmara e virou alvo de um processo de cassação no Conselho
de Ética por suas ligações com Youssef, de quem é um velho amigo de Londrina,
interior do Paraná. O parlamentar pediu emprestado ao doleiro um jato
particular para viajar à Paraíba, de férias com a família, no fim do ano
passado. Ajudou um laboratório de fachada do doleiro a buscar contratos com o
Ministério da Saúde. E cobrou de Youssef repasses financeiros a um irmão. Nas
três situações, as investigações dirão se houve ou não prejuízo ao Erário.
Tanta intimidade com um doleiro enrolado é, no mínimo, atendado ao decoro
parlamentar.
A sina de Vargas tem tudo para monopolizar as atenções
políticas e midiáticas nas próximas semanas. E com o PT sem disposição para
salvar o filiado, como o ex-presidente Lula deixou claro na terça-feira 8 em
uma entrevista a blogueiros, o deputado pode preparar o pescoço para o
cadafalso. Lula sugeriu ser impróprio o vice-presidente de uma instituição
importante solicitar avião a um doleiro. Disse esperar não haver nada além, “porque,
no final, quem paga o pato é o PT”. Vargas não tem como fugir do processo nem
se abrir mão do mandato. O que não planeja fazer, como sinalizou a colegas na
Câmara. Demonstra querer cair de pé ou ao menos para não perder logo o foro
privilegiado que lhe garante tratamento especial na Justiça. Os laços de Vargas
e Youssef foram descobertos pela Polícia Federal ao longo de três anos no
encalço de um esquema de lavagem de dinheiro que seria comandado pelo doleiro.
Youssef teria três comparsas: Raul Srour, Carlos Habib Chater e Nelma Mitsue
Kodama. Desde 2011, eles movimentaram, em conjunto, 10 bilhões de reais em
dinheiro proveniente de tráfico de drogas, sonegação fiscal, extração ilegal de
diamantes e desvio de verbas públicas, entre outras nobres atividades. A PF
botou a mira na patota após denúncia de um empresário do ramo imobiliário que
se sentiu prejudicado por um doleiro em um empreendimento em Londrina.
Autorizada pela Justiça, a PF foi às ruas com a Operação Lava Jato há cerca de
um mês, com o objetivo de asfixiar o fluxo financeiro. Houve prisões, entre
elas a de Youssef, e a apreensão de documentos e de milhões em dinheiro vivo.
Debruçados sobre o material, os investigadores vão tentar
descobrir quem abasteceu a lavanderia e qual a origem dos recursos branqueados
pela turma de Youssef. Uma força-tarefa com seis procuradores de Justiça foi
montada para auxiliar na análise da papelada. É possível a realização de uma
nova operação, ainda maior que a Lava Jato, com foco na clientela dos doleiros.
Segundo uma autoridade, empresários e empreiteiros do País deveriam ficar com
as barbas de molho.
Talvez, como diz Lula, sobre apenas para o PT. Mas Youssef e
sua trupe são ecumênicos. Prestam ou prestaram serviços a partidos governistas
de hoje e de ontem, e também para boa parte do empresariado. No dia em que a PF
empreendeu a Lava Jato, um dos doleiros encarcerados em Brasília gritava a quem
quisesse ouvir: tinha as costas quentes entre políticos e na elite do eixo São
Paulo-Brasília, e cedo ou tarde os policiais sofreriam retaliação dos
responsáveis por nutrir o esquema, os verdadeiros donos da grana.
A lavanderia recém-desmontada lembra o escândalo do
Banestado, duto pelo qual empresários, figurões e políticos mandaram
ilegalmente ao exterior uma montanha estimada em 30 bilhões de dólares. O
Banestado pertenceu até 2000 ao governo do Paraná, estado de André Vargas,
Youssef e do centro nervoso da Operação Lava Jato. O juiz federal que examinou
as fraudes no Banestado, Sergio Moro, foi quem autorizou a batida da PF há um
mês. Agora, como antes, Youssef aparece como personagem central.
O Banestado é um exemplo do ecumenismo de Youssef. Segundo
um laudo de peritos financeiros da PF concluído no fim do governo Fernando
Henrique Cardoso, o doleiro foi usado pelo mais famoso tesoureiro do PSDB,
Ricardo Sérgio de Oliveira, para enviar 56 bilhões de dólares ao exterior em
1996 e 1997. O dinheiro, dizia o laudo, saiu do Brasil com o auxilio de
Youssef, foi ao Banestado em Nova York, de lá ao Chase Manhattan, então para
offshores em paraísos fiscais, que, por sua vez, os devolveram ao Brasil. O
vaivém, próprio nesse tipo de transação, tentaria encobrir a origem do
dinheiro, provavelmente ilícita, e sua real aplicação (enriquecimento pessoal e
caixa 2 de campanha).
A arrecadação ilegal de fundos para campanhas é o motivo de
Youssef ter sido denunciado por crimes contra o sistema financeiro pelo
Ministério Público do Paraná, em 2003.
Às vésperas da eleição de 1998, o Banestado fez três empréstimos fraudulentos,
no valor total de 3,5 milhões de dólares. Em troca, e com uma mão de Youssef,
os beneficiados deram 10% ao então secretário estadual da Fazenda, Geovani
Gionédis. O destino final dos recursos pegos por Gionédis seria a campanha à reeleição do governador
Jaime Lerner, do ex-PFL, hoje DEM. Moro condenou os empresários em 2009.
Youssef colaborou com as investigações e se livrou. Em 2008, Gionédis foi
condenado pela Justiça a quatro anos de prisão por fraude similar.
Não é comum, porém, processos contra Youssef serem julgados.
Até hoje, esperam por decisão duas ações abertas há 11 anos por aquilo que é
conhecido no Paraná como Caso Olvepar. Em setembro de 2002, de novo às portas
de uma eleição, Youssef intermediou a compra, pela estatal paranaense de
energia, a Copel, de 39 milhões de reais em créditos tributários podres de uma
massa falida de Mato Grosso, a Olvepar. Em acordo de delação premiada feito com
Moro em dezembro de 2003, Youssef disse que parte do dinheiro pago à Olvepar
voltou ao Paraná e foi distribuída a uma série de agentes públicos. Entre os
receptores, o ex-deputado estadual Durval Amaral, que de 2011 a 2012 foi chefe
da Casa Civil do governador do Paraná, o tucano Beto Richa.
“o Banestado impulsionou o Youssef, o hoje o maior doleiro
do Brasil”, diz Luiz Fernando Delazari, ex-promotor que denunciou o Caso
Olvepar à Justiça. Sem a enervante lentidão da Justiça brasileira, Youssef
poderia ter saído de circulação há tempos, e Vargas talvez não tivesse ido tão
longe na política e assumido o posto de número 2 na Câmara. A proximidade entre
eles é antiga ea suspeita de que o amálgama não seja republicano, também.
No fim dos anos 1990, foram descobertos fraudes na autarquia
do Meio Ambiente de Londrina, a terra onde Vargas e Youssef prosperaram. O
doleiro ajudou a lavar o dinheiro, enquanto o petista fez chear parte da verba
das fraudes ao grupo político do então prefeito Antonio Belinati os três foram
denunciados à Justiça pelo Ministério Público em 2000, ações ainda sem
desfecho. “Se o Youssef tivesse sido condenado nesse processo, provavelmente
não estaria delinquindo novamente. Isso mostra a falha do sistema de Justiça
Criminal no Brasil”, afirma o promotor responsável pela ação, Cláudio Esteves.
Uma quantia de 10 mil reais oriunda das fraudes em Londrina,
diz o MP, foi depositada, em 1998, no caixa da campanha do deputado federal do
atual ministro das Comunicações, o petista
Paulo Bernardo. Há dois anos, Vargas foi condenado a devolver a verba
aos cofres públicos e recorreu da decisão. Bernardo foi excluído da ação, mas não
deixa de ser uma ligação embaraçosa para quem está empenhado em fazer da
mulher, a senadora petista Gleisi Hoffmann, governadora do Paraná na eleição de
outubro. Vargas era cotado para integrar a equipe de coordenadores da campanha
da senadora Hoffmann.
As falcatruas que, diz o MP, Youssef e Vargas praticaram em
Londrina ocorreram na gestão de um prefeito filiado ao PP, legenda apontada
como responsável por abrir as portas da capital federal ao doleiro. Quem
ciceroneou Youssef na corte brasiliense foi o ex-deputado federal José Janene,
integrante do PP com base eleitoral em Londrina. Janene foi líder do PP na
Câmara e um dos acusados no “mensalão” de facilitar a capitalização de
correligionários. Morreu em 2010. Vargas herdou dele alguns assessores e, ao
que parece, sua rede de relações e contatos, o que talvez explique como o
petista chegou à vice-presidente da Câmara logo em seu segundo mandato.
Em 2005, em depoimento secreto à CPI dos Correios que
investigou o “mensalão” e com a qual fez acordo de delação premiada, Youssef
contou ter lavado dinheiro para o inefável Paulo Maluf, notório por se envolver
em casos de corrupção e por seguir incólume, livre, leve e solto. Na Operação
Lava Jato, a polícia encontrou papéis com provas de que, nas eleições de 2010,
Youssef intermediou diversas doações de empreiteiras para candidatos do PP e,
em menor grau, do PMDB. Para os federais, as doações tinham uma contrapartida
irregular. O então diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto da
Costa, arranjaria contratos para as empreiteiras. Costa, outro personagem
paranaense desta história, sustentou-se na direção da estatal por oito anos com
o apoio de PP, PMDB e setores do PT. Como Youssef, também foi preso pela PF.
Ex-governador do Paraná e provável candidato ao cargo em
outubro, o senador Roberto Requião, do PMDB, diz que a blindagem da política
brasileira contra doleiros de má fama e
a promiscuidade entre público e privado exigem a proibição de contribuições
empresariais para campanhas. A vedação está a um passo de ser imposta pelo
Supremo Tribunal Federal. No Senado, uma lei semelhante foi aprovada em uma
comissão há duas semanas, sob a relatoria do Requião. “O Parlamento funciona à
base de doações privadas e de favores públicos. É preciso uma inibição pesada.”
Lançada pela presidenta
após os protestos de junho do ano passado, a proposta de reforma
política via plebiscito voltou a ser defendida por Dilma Rousseff em um
encontro com jovens na quinta-feira 10, no embalo da crise de Vargas. Uma crise
que, na visão do deputado petista, foi criada artificialmente pelo governo para
tirar a Petrobras do foco da opinião pública e desfazer a pressão por uma CPI.
Ele está convencido, como afirmou a colegas, de que os fatos que o mandaram ao
corredor da morte política chegaram à mídia por meio de alguma autoridade
governamental. Detentora das informações comprometedoras, a Polícia Federal
subordina-se ao Ministério da Justiça.
Atropelada pelo caso Vargas-Youssef, a batalha entre governo
e oposição pelos rumos da comissão parlamentar de inquérito continua. E o roteiro
traçado no Planalto prevalece até o momento. Se sair mesmo alguma CPI, a
tendência é de que se crie uma comissão ampla, destinada a investigar também o
cartel do metrô no governo tucano de São Paulo e obras em Pernambuco, do
presidenciável Eduardo Campos, e não uma exclusiva sobre a Petrobras.
Na quarta-feira 9, uma comissão do Senado decidiu que a CPI
ampla se sobrepõe à restrita. Criticado pela oposição, o presidente da Casa,
Renan Calheiros, peça-chave no plano, foi firme na resposta dada no dia seguinte.
“E qual seria a decisão? A CPI que investiga, mas investiga pela metade,
restringe, deixa fatos sem investigar? Ou a CPI que investiga tudo?” A palavra
final será dada pelo plenário do Senado nos próximos dias, mas é provável um
terceiro movimento: uma CPI mista de deputados e senadores, também ampla nos
alvos de investigação, mataria uma comissão apenas no Senado.
O contragolpe de Dilma não teve o aval de Lula. Para o
ex-presidente, o governo deveria ter aceitado um embate restrito à Petrobras e
se armado para rebater as acusações da oposição no tema que nutre o desejo de
uma CPI, a compra da refinaria de Pasadena. Ampliar o escopo, disse Lula em uma
entrevista a blogueiros na terça-feira 8, deixará o PT exposto, pois toda
investigação sacrifica o partido, mesmo se na origem dos fatos esteja outro
grupo político. Foi o que se viu, exemplificou, na CPI dos Correios, instalada
pra averiguar um apadrinhado do deputado cassado Roberto Jefferson flagrado a
embolsar 3 mil reais de propina. Ele também reclamou da pouca firmeza do
Palácio do Planalto e da presidenta da Petrobras, Maria das Graças Foster, na
defesa da estatal. No mesmo dia em que Lula se pronunciava e cobrava uma
“ofensiva” do PT e do governo em defesa da companhia, o presidente da empresa à
época da compra de Pasadena, José Sergio Gabrielli, reuniu-se em Brasília com
deputados e senadores do PT, a fim de municiá-los (logo abaixo).
O Palácio do Planalto não espera uma CPI “de fato”, mesmo se
tal investigação permitir atacar, direta ou indiretamente, os dois principais
rivais de Dilma Rousseff na eleição de outubro, Aécio Neves, do PSDB e Eduardo
Campos, do PSB. O envolvimento de grandes empresas, notórias financiadores de
campanhas eleitorais, inibiria o ímpeto dos parlamentares, inclusive aqueles da
oposição. O ecumenismo de Youssef é uma arma deste jogo. Quem terá coragem de
investigar a fundo um doleiro acusado de lavar 10 bilhões de reais e que tem
sido generoso com todos os espectros políticos há, no mínimo, duas décadas?
Talvez a máxima prevaleça: as CPIs ladram, Youssef passa.
GABRIELLI RESPONDE
Presidente da Petrobras durante a aquisição da refinaria de
Pasadena, José Sergio Gabrielli costuma dizer que a empresa está no centro de
disputas politicas desde a sua criação em 1653. E assim ele vê a tentativa de
oposição de abrir uma CPI para investigar transação. “Em 2006, a refinaria
tinha um preço justo e era bom negócio. O PSDB, o DEM e o PPS fazem esse ataque
irresponsável à maior empresa do Brasil por interesses eleitorais.”
O debate sobre a Pasadena, diz Garielli, está turnado. Essa
visão o levou a se reunir na terça-feira 8, com deputados e senadores do PT.
Queria explicar a operação e municiar os
parlamentares com argumento, inclusive por acreditar que a presidente da
estatal, Graça Foster, não o faz o com ênfase necessária. A polêmica estaria
baseada em premissas falsas. A compra não foi intempestiva: desde 1999 havia um
plano estratégico de internacionalização da Petrobras. A companhia não gastou 1
bilhão de dólares com instalações que haviam custado 42 milhões de dólares, mas
486 milhões. E a refinaria é rentável.
No plano de 1999, a internacionalização era meta, pois o
consumo interno de combustíveis estava estagnado. Pasadena era uma opção
atraente por estar instalada no maior mercado do mundo e perto do Golfo do
México, fonte de petróleo. Por 50% da refinaria, a Petrobras pagou 190 milhões
de dólares à belga Astra Oil, do ramo de venda, não de produção de
combustíveis. E mais 170 milhões por metade dos estoques de óleo da refinaria.
Em 2008, a Petrobras e a Astra entram em colisão por conta
dos rumos da refinaria. É o ano da crise global que bagunça a indústria do
petróleo. A brasileira aciona a sócia extrajudicialmente para fazer valer o
contrato a prever investimentos conjuntos. A belga reage com um processo na
Justiça e vence a disputa em 2010. A Petrobras é obrigada a pagar 296 milhões
de dólares pela parte da sócia na refinaria e mais 170 milhões pelos estoques
de óleo pertencentes à belga.
A estatal encerra o caso em 2012 com um acordo que lhe
custaria mais 173 milhões de dólares a título de fianças bancárias e advogados.
“A refinaria não foi superfaturada. O PSDB fala isso por estratégia eleitoral e
porque quer acabar com a lei de partilha no pré-sal”, acredita Gabrielli. A Carta
Capital, o presidenciável tucano Aécio Neves já disse que talvez fosse melhor
aplicar ao pré-sal a lei de concessões, mais favorável à participação das
petroleiras estrangeiras. Segundo Gabrielli, a suspeita sobre Pasadena e as investigações do Ministério Público e do
Tribunal de Contas da União têm origem comum, uma reportagem da revista Veja
que foi às bancas em 15 de dezembro de 2012 e cita documentos sigilosos. Dois
dias antes, o então primeiro secretário da Câmara, Eduardo Gomes, na época no
PSDB, recebera do governo papéis confidenciais sobre a Petrobras. O
destinaritario final era o atual líder do partido Antonio Imbassahy, que os
solicitara por meio da prerrogativa parlamentar. Imbassahy recebeu a papelada
em 18 de dezembro e denunciou a falta de duas páginas, justamente aquelas que
tratavam de Pasadena. Haveria ligações entre a reportagem e o sumiço dos
papéis?
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