Por João Loes, da revista ISTOÉ
De noite, orgias, festas e bebedeiras. De dia, missa,
confessionário e oração. De noite, jeans, pele bronzeada à mostra e gel no cabelo.
De dia, batina, estola e ascetismo. É assim a rotina de um sem-número de padres
católicos que vivem uma vida dupla nas grandes capitais do mundo, Roma
inclusive. Pelo menos é isso que garante, com vídeos, fotos e descrições
dolorosamente ricas, um dossiê em forma de livro e site lançado em abril, na
Europa. Batizado de “Sex and the Vatican”, uma alusão ao seriado “Sex and the
City” – que conta as aventuras sexuais de quatro mulheres em Nova York –, a
obra detalha orgias entre sacerdotes gays e seus amantes e conta histórias de
religiosos que engravidam mulheres, compram, com dinheiro da Igreja, o silêncio
das mães e, em alguns casos, até bancam seus abortos. Já em sua segunda edição
na Itália e na França, “Sex and the Vatican – Viaggio Segreto Nel Regno Dei
Casti” (Ed. Piemme) (“Sexo e o Vaticano – uma viagem secreta no reino dos
castos”, sem tradução no Brasil) está em via de ser publicado em inglês
enquanto versões em espanhol e português são negociadas. “Não faço campanha
contra a Igreja”, justifica Carmelo Abbate, jornalista e autor da obra. “Ela é
que se complica quando se recusa a admitir que coisas comso essas acontecem
dentro da instituição”, explica.
Abatte resolveu escrever o livro depois do sucesso de uma
matéria que publicou em julho de 2010 na revista “Panorama”, a semanal de maior
prestígio da Itália. Nela, o foco eram os padres homossexuais. Detalhes
inéditos dessa apuração abrem o primeiro capítulo do livro (leia trechos nos
destaques). Mas o grosso da obra mergulha em um submundo que revela desvios do
sacerdócio bem mais chocantes do que a homossexualidade. Na Índia, por exemplo,
o autor descobriu o caso de um padre que estuprava, sistematicamente, as
freiras de sua missão. Muitas ficaram grávidas, algumas abortaram por pressão
do religioso e da missão e outras morreram durante processos toscos para
interromper a gravidez. As missionárias que reclamavam eram transferidas para
obras em outros países. Histórias semelhantes foram ouvidas pelo jornalista nos
Estados Unidos, na Inglaterra e na Irlanda.
“O fenômeno é mundial e inclui o Brasil”, garante ele, que
ainda não descobriu nenhum caso com provas irrefutáveis no País.
Esse tipo de comportamento é tão comum que existem
associações para dar auxílio às amantes e aos filhos de padres em diversos
países. Abbate, por exemplo, arrolou nove delas em seu livro. Uma é a Bethany,
coordenada pelo ex-padre irlandês Pat Buckley. A instituição, sediada em
Dublin, dá assistência a pelo menos 120 mulheres que são não só amantes de
sacerdotes como também mães de seus filhos. Há casos de mulheres com mais de
dez crianças, muitas criadas com ajuda financeira dada secretamente pelas
paróquias dos padres pais. Nos atendimentos a essas pessoas, Buckley descobriu
que houve até uma excursão coordenada por padres com o objetivo de levar suas
amantes grávidas até Londres para que elas fizessem abortos, proibidos na
Irlanda. “São muitos casos como esses, mas, como tudo acontece escondido, é
difícil quantificar”, admite. “A Igreja se dispõe a aceitar muita coisa se houver
chances de o assunto não virar escândalo”, diz o jornalista.
O caso das orgias gays em Roma, porém, é forte candidato a
se tornar um escândalo incendiário. Primeiro, porque foi filmado e as imagens
são fortes e reveladoras. Segundo, porque os mesmos padres flagrados em festas
bebendo e mantendo relações sexuais com outros homens dizem ter rezado missas
em lugares como a Basílica de São Pedro, no Vaticano, e encontrado pessoalmente
o papa Bento XVI. Terceiro, porque a população tende a ser menos tolerante com
padres homossexuais do que com heterossexuais – o pecado, no caso dos gays,
seria duplo. “Ninguém imagina um padre em uma boate gay ”, diz a psicóloga
Maria Luiza Macedo de Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos da
Sexualidade Humana (Sbrash). “Lugar de sacerdote é na igreja e o contraste
entre o que é pregado e o que é feito é que choca.” Se depender do Vaticano,
porém, o caso, deve passar despercebido. Questionado sobre o lançamento do
livro, o órgão se limitou a dizer, por meio de porta-voz, que “não pode reagir
a todos os livros que falam mal da instituição”. No Brasil, a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) disse que “não tinha conhecimento do livro
e por isso não poderia comentar os temas citados”.
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