Há uma explosão de sentimentos e desejos nas ruas, mídias,
redes sociais, em todos os espaços e ocasiões onde as pessoas podem se
expressar. Na avenida aberta pelas manifestações do ano passado transitam hoje
inúmeras demandas de setores sociais e categorias profissionais, comunidades
atingidas em seus direitos, minorias, grupos de pressão, movimentos com
reivindicações históricas, tudo e todos ao mesmo tempo.
É evidente o aumento da impaciência, de uma irritação com a
resposta –ou falta dela– dos governos e instituições que, com raras exceções,
postergam as soluções dos problemas e buscam o conflito em vez do diálogo.
Um tema se destaca: a desconexão entre as obras da Copa e as
necessidades reais da população, especialmente nas cidades em que estádios e
outros equipamentos são reformados sem atenção às comunidades próximas,
aumentando uma insatisfação que já era generalizada pela comparação com a
péssima qualidade dos serviços públicos.
No final dos prazos ficamos sabendo que até as obras mais
específicas –estádios e transporte– estão atrasadas, têm baixa qualidade
técnica e, em alguns casos, deixarão mais problemas que benefícios. As notas
dadas pelo Sindicato Nacional de Arquitetura e Engenharia em apenas três itens
(estádios, mobilidade e aeroportos) são baixas para a maioria das cidades, a
imprensa anuncia o cumprimento de menos da metade das metas e até integrantes
do governo reconhecem publicamente o atraso.
Vemos hoje que o "relatório executivo" apresentado
pelo governo brasileiro para convencer a sociedade de que a Copa seria um bom
investimento e deixaria um grande legado pode ser comparado ao relatório da
Petrobras para a compra da refinaria em Pasadena (EUA). Não é de admirar que os
brasileiros sintam que foram enganados e que seu amor pelo futebol e pela
seleção foi usado pelos que ganham com outro tipo de jogo.
Eis por que o amor não é o único sentimento a passear pelas
ruas. Lá estão a indignação e a mágoa, carências de todo tipo, raiva e
tristeza. É irônico que a propaganda do partido governista pretenda reavivar
mais um sentimento negativo, o medo. E medo de fantasmas.
A manipulação política de tais sentimentos é uma perigosa
irresponsabilidade, ainda mais num momento em que a civilização balança,
fragilizada pela violência social expressa em frequentes linchamentos.
Cito o intelectual Edgar Morin: a mudança começa com
pequenos desvios e damos força àqueles que queremos ver prosperar. É hora de
ouvir e compreender os sentimentos que o povo expressa, dialogar com a
indignação para que seja energia de mudança, antes que se torne repetição da
queixa. Recolher os desejos como um buquê de esperança.
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