sábado, 8 de novembro de 2014

POLÊMICA SUPREMA

Da IstoÉ
Pela primeira vez desde o regime militar, um governo terá a oportunidade de escolher dez dos onze ministros do STF. Como pensam os atuais magistrados, quais os riscos para a democracia, e o que se espera do Senado nesse processo
O sistema democrático brasileiro está ancorado na separação dos poderes, que permite decisões independentes, e no equilíbrio de forças entre as instituições. É justamente por isso que, desde a reeleição de Dilma Rousseff, o futuro do Supremo Tribunal Federal (STF) se tornou tema obrigatório no mundo político. A composição da mais alta Corte do País depende da indicação do presidente da República, o que, na maioria das vezes, é feito quando os ministros se aposentam ao atingir os 70 anos de idade. Nesse cenário, Dilma Rousseff pode conseguir o feito inédito de nomear seis dos onze integrantes da Corte até 2018. Isso porque, além da vaga do ex-ministro Joaquim Barbosa, que antecipou sua aposentadoria e deixou o tribunal em julho, vão se aposentar por idade nos próximos quatro anos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber. Com isso e com as indicações feitas no mandato que chega ao fim em dezembro e os nomes indicados por Lula, o PT pode ser o padrinho de dez ministros na ativa. Uma ampla maioria que desperta dúvidas e questionamentos sobre o aparelhamento das instituições por um partido político e, principalmente, sobre os riscos dessa preeminência para a desejada harmonia entre os poderes. A preocupação se baseia especialmente na lista de interesses do Planalto em tramitação no tribunal e, claro, no mau exemplo de países da América Latina, cujos governos trabalharam pela formação de Judiciários submissos ao presidente e aos seus interesses totalitários.
Na avaliação da oposição, um plenário mais alinhado com o Planalto poderia reduzir eventuais riscos que rondam o governo. Há, hoje, no STF potenciais bombas capazes de explodir no colo de Dilma, dependendo da maneira como os ministros as manejarem. Na área política, por exemplo, o STF deverá decidir se abre ações penais contra os personagens do Petrolão, acusados de receber propina de contratos da Petrobras. As denúncias atingem figurões do PT, do PMDB e de outros partidos aliados. O caso pode criar uma crise política semelhante à do mensalão, com o agravante de que o esquema, desta vez, envolve a maior empresa estatal do País. Questões financeiras capazes de afetar o governo também estarão na pauta do STF. Uma ação que tramita há anos no tribunal pretende incidir o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Se perder, a União pode ser obrigada a devolver aos contribuintes mais de R$ 90 bilhões. Contando-se todos os processos de interesse do Executivo pendentes de julgamento, a estimativa da Advocacia-Geral da União é de que o prejuízo em eventuais derrotas poderia ultrapassar a marca de R$ 300 bilhões.
A pergunta que se impõe é: será mesmo que uma presidente cujo partido foi responsável por quase 100% das indicações poderia influenciar decisivamente nas deliberações do plenário? O senso comum e a lógica política que tem norteado importantes setores do PT nos últimos anos permitem acreditar que sim. Para experientes magistrados, a questão é outra. Na última semana, ISTOÉ conversou com especialistas, integrantes e ex-ministros do STF. Embora o ministro Gilmar Mendes, em recentes declarações, tenha manifestado estupefação com o aumento do poder do PT na nova composição, e dito que teme a conversão do STF “numa corte bolivariana”, seus colegas são unânimes em afirmar que essa não é a maior preocupação. Segundo quatro ministros consultados, os temores recaem mais sobre o perfil dos indicados do que propriamente sobre quem os indicará. Ou seja, para os magistrados, a resposta ao questionamento acima pode ser positiva ou não, a depender do critério adotado pela presidente na hora de escolher os futuros ministros do tribunal. Na prática, o que ninguém quer é que se repitam indicações como a de Antonio Dias Toffoli, que, embora tenha sido reprovado no concurso para magistratura, conseguiu uma vaga no Supremo porque foi um dedicado advogado do PT e amigo do ex-presidente Lula. Se reeditados casos como o de Toffoli, acreditam ministros ouvidos por ISTOÉ, a presidente teria sim o poder de influir nos rumos do STF.
A história mostra que as indicações de um partido ou de um presidente, por si só, não são capazes de assegurar períodos de tranquilidade no STF para o governo e para a legenda que os escolheu. Ministros lembram o recente caso do mensalão, quando as posições mais radicais partiram justamente de indicados por Lula, como Joaquim Barbosa, o relator do processo que levou cabeças coroadas do PT para a cadeia, e Carlos Ayres Britto. “Os ministros são cabeças independentes e a Corte já deu demonstrações disso”, afirmou Marco Aurélio Mello. “Quem levanta essa hipótese de bolivarianismo teria antes de dizer se quem está lá agora serve a algum interesse. Os julgamentos recentes mostraram que não”, avalia o professor da faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas Diego Werneck.Embora a atual composição do STF desfrute do respeito dos especialistas, justamente por ter se mostrado independente nos últimos anos, a sociedade deve estar atenta aos movimentos políticos em torno do tribunal. Hoje, essas tentativas de interferência ficam mais evidentes no PT. Por variados motivos. Desde que ascendeu ao Planalto, o partido se revelou adepto do jogo de influência típico do poder no Brasil. Nos últimos anos, a sociedade deparou-se com declarações do ex-ministro José Dirceu – um dos principais réus do mensalão – afirmando que fora procurado pelo ministro Luiz Fux quando esse fazia “campanha” pelo cargo. Fux teria prometido até beneficiar os mensaleiros em troca da nomeação. Não foi o que aconteceu durante o julgamento. Mas paira a dúvida se Fux foi nomeado por causa da promessa de contentar os petistas. Na mesma época, o ministro Gilmar Mendes afirmou que fora procurado pelo ex-presidente Lula para adiar o julgamento dos envolvidos no escândalo. Já no governo Dilma Rousseff , a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins na importação, uma das ações que mais preocupam a União, foi retirada de pauta depois de uma conversa do ministro Dias Toffoli com o advogado-geral da União, Luiz Adams. Se perdesse, o governo poderia ter prejuízo estimado em R$ 33 bilhões. Até hoje, Toffoli não pautou a matéria.
Em meio à polêmica sobre as indicações ao Supremo, ganhou força no Congresso um movimento organizado para tentar reduzir a concentração de nomeações de ministros nas mãos de Dilma. Encabeçado por caciques do PMDB e endossado por ministros que devem se aposentar nos próximos anos por completarem 70 anos, voltou à baila um projeto esquecido desde 2006 na Câmara. A PEC 457/2005, apelidada de PEC da Bengala, que aumenta para 75 a idade em que os integrantes do Judiciário são obrigados a se aposentar. A proposta foi aprovada pelo Senado e, se for chancelada pelos deputados ainda neste ano, até o decano Celso de Mello, que se prepara para deixar a Corte em novembro de 2015, poderia estender sua permanência.
Na semana passada, integrantes da cúpula do PMDB defenderam a proposta durante uma reunião da legenda. Eles afirmam que vão pressionar para que a votação da PEC seja pautada para o fim de novembro. Com a mudança, os cinco ministros que se preparam para deixar a Corte até 2018 poderiam ficar até o fim do próximo governo. “Eu defendo essa proposta desde 2003, quando não era suspeito e a aposentadoria ainda estava distante de mim. Sigo com as mesmas posições”, argumenta Marco Aurélio Mello, que pelas regras atuais deve deixar a Corte em um ano e meio. A proposta, entretanto, sofre muitas resistências. De fato, Dilma foi eleita com as prerrogativas constitucionais de qualquer presidente da República de indicar membros do STF de acordo com o surgimento das vagas. Isso já era conhecido antes das eleições. Mudar o rito atual a essa altura seria como alterar as regras da partida com o jogo em andamento. Para escapar dessa encruzilhada, ganham força no meio jurídico propostas para que a PEC da Bengala passe a valer não para os atuais ministros, mas para os futuros indicados. O problema estaria resolvido, e a PEC seria aprovada sem o atropelamento de regras já preestabelecidas.
Independentemente da aprovação ou não da proposta, o controle da qualidade dos indicados para ministro do STF, e a garantia de que não teriam relação direta e ideológica com o PT, poderia ser feito pelo Senado Federal, caso os parlamentares cumprissem efetivamente a prerrogativa constitucional de participar do processo de escolha. Se os senadores utilizassem o poder de sabatinar e avaliar com critérios rigorosos os indicados pela Presidência, poderiam ser um contraponto ao poder – hoje quase unilateral – do presidente da República no processo de escolha dos membros do STF. Apesar de poderem barrar indicações presidenciais, os senadores adotam quase como regra aprovar os indicados depois de participarem de sessões que mais se assemelham a um bate-papo entre amigos do que propriamente a uma sabatina.
Para se ter uma ideia dessa passividade, desde a criação do STF, em 1891, o Senado barrou apenas cinco indicações do presidente. Todas no governo do marechal Floriano Peixoto, que tentou nomear ministros cujos perfis não guardavam relação com o tribunal. “O Senado precisa desempenhar seu papel nas sabatinas e no aval que dá aos ministros. É um papel constitucional que não vem recebendo a devida relevância”, afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). O importante para a democracia é evitar que a guerra política transforme o STF em um instrumento de disputa de interesses pessoais ou partidários.
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