Da IstoÉ
Pela primeira vez desde o regime militar, um governo terá a
oportunidade de escolher dez dos onze ministros do STF. Como pensam os atuais
magistrados, quais os riscos para a democracia, e o que se espera do Senado
nesse processo
O sistema democrático brasileiro está ancorado na separação
dos poderes, que permite decisões independentes, e no equilíbrio de forças
entre as instituições. É justamente por isso que, desde a reeleição de Dilma
Rousseff, o futuro do Supremo Tribunal Federal (STF) se tornou tema obrigatório
no mundo político. A composição da mais alta Corte do País depende da indicação
do presidente da República, o que, na maioria das vezes, é feito quando os
ministros se aposentam ao atingir os 70 anos de idade. Nesse cenário, Dilma
Rousseff pode conseguir o feito inédito de nomear seis dos onze integrantes da
Corte até 2018. Isso porque, além da vaga do ex-ministro Joaquim Barbosa, que
antecipou sua aposentadoria e deixou o tribunal em julho, vão se aposentar por
idade nos próximos quatro anos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello,
Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber. Com isso e com as indicações
feitas no mandato que chega ao fim em dezembro e os nomes indicados por Lula, o
PT pode ser o padrinho de dez ministros na ativa. Uma ampla maioria que
desperta dúvidas e questionamentos sobre o aparelhamento das instituições por
um partido político e, principalmente, sobre os riscos dessa preeminência para
a desejada harmonia entre os poderes. A preocupação se baseia especialmente na
lista de interesses do Planalto em tramitação no tribunal e, claro, no mau
exemplo de países da América Latina, cujos governos trabalharam pela formação
de Judiciários submissos ao presidente e aos seus interesses totalitários.
Na avaliação da oposição, um plenário mais alinhado com o
Planalto poderia reduzir eventuais riscos que rondam o governo. Há, hoje, no
STF potenciais bombas capazes de explodir no colo de Dilma, dependendo da
maneira como os ministros as manejarem. Na área política, por exemplo, o STF
deverá decidir se abre ações penais contra os personagens do Petrolão, acusados
de receber propina de contratos da Petrobras. As denúncias atingem figurões do
PT, do PMDB e de outros partidos aliados. O caso pode criar uma crise política
semelhante à do mensalão, com o agravante de que o esquema, desta vez, envolve
a maior empresa estatal do País. Questões financeiras capazes de afetar o
governo também estarão na pauta do STF. Uma ação que tramita há anos no
tribunal pretende incidir o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Se
perder, a União pode ser obrigada a devolver aos contribuintes mais de R$ 90
bilhões. Contando-se todos os processos de interesse do Executivo pendentes de
julgamento, a estimativa da Advocacia-Geral da União é de que o prejuízo em
eventuais derrotas poderia ultrapassar a marca de R$ 300 bilhões.
A pergunta que se impõe é: será mesmo que uma presidente
cujo partido foi responsável por quase 100% das indicações poderia influenciar
decisivamente nas deliberações do plenário? O senso comum e a lógica política
que tem norteado importantes setores do PT nos últimos anos permitem acreditar
que sim. Para experientes magistrados, a questão é outra. Na última semana,
ISTOÉ conversou com especialistas, integrantes e ex-ministros do STF. Embora o
ministro Gilmar Mendes, em recentes declarações, tenha manifestado estupefação
com o aumento do poder do PT na nova composição, e dito que teme a conversão do
STF “numa corte bolivariana”, seus colegas são unânimes em afirmar que essa não
é a maior preocupação. Segundo quatro ministros consultados, os temores recaem
mais sobre o perfil dos indicados do que propriamente sobre quem os indicará.
Ou seja, para os magistrados, a resposta ao questionamento acima pode ser
positiva ou não, a depender do critério adotado pela presidente na hora de
escolher os futuros ministros do tribunal. Na prática, o que ninguém quer é que
se repitam indicações como a de Antonio Dias Toffoli, que, embora tenha sido reprovado
no concurso para magistratura, conseguiu uma vaga no Supremo porque foi um
dedicado advogado do PT e amigo do ex-presidente Lula. Se reeditados casos como
o de Toffoli, acreditam ministros ouvidos por ISTOÉ, a presidente teria sim o
poder de influir nos rumos do STF.
A história mostra que as indicações de um partido ou de um
presidente, por si só, não são capazes de assegurar períodos de tranquilidade
no STF para o governo e para a legenda que os escolheu. Ministros lembram o
recente caso do mensalão, quando as posições mais radicais partiram justamente
de indicados por Lula, como Joaquim Barbosa, o relator do processo que levou
cabeças coroadas do PT para a cadeia, e Carlos Ayres Britto. “Os ministros são
cabeças independentes e a Corte já deu demonstrações disso”, afirmou Marco
Aurélio Mello. “Quem levanta essa hipótese de bolivarianismo teria antes de
dizer se quem está lá agora serve a algum interesse. Os julgamentos recentes
mostraram que não”, avalia o professor da faculdade de direito da Fundação
Getulio Vargas Diego Werneck.Embora a atual composição do STF desfrute do
respeito dos especialistas, justamente por ter se mostrado independente nos
últimos anos, a sociedade deve estar atenta aos movimentos políticos em torno
do tribunal. Hoje, essas tentativas de interferência ficam mais evidentes no
PT. Por variados motivos. Desde que ascendeu ao Planalto, o partido se revelou
adepto do jogo de influência típico do poder no Brasil. Nos últimos anos, a
sociedade deparou-se com declarações do ex-ministro José Dirceu – um dos
principais réus do mensalão – afirmando que fora procurado pelo ministro Luiz
Fux quando esse fazia “campanha” pelo cargo. Fux teria prometido até beneficiar
os mensaleiros em troca da nomeação. Não foi o que aconteceu durante o julgamento.
Mas paira a dúvida se Fux foi nomeado por causa da promessa de contentar os
petistas. Na mesma época, o ministro Gilmar Mendes afirmou que fora procurado
pelo ex-presidente Lula para adiar o julgamento dos envolvidos no escândalo. Já
no governo Dilma Rousseff , a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da
Cofins na importação, uma das ações que mais preocupam a União, foi retirada de
pauta depois de uma conversa do ministro Dias Toffoli com o advogado-geral da
União, Luiz Adams. Se perdesse, o governo poderia ter prejuízo estimado em R$
33 bilhões. Até hoje, Toffoli não pautou a matéria.
Em meio à polêmica sobre as indicações ao Supremo, ganhou
força no Congresso um movimento organizado para tentar reduzir a concentração
de nomeações de ministros nas mãos de Dilma. Encabeçado por caciques do PMDB e
endossado por ministros que devem se aposentar nos próximos anos por
completarem 70 anos, voltou à baila um projeto esquecido desde 2006 na Câmara.
A PEC 457/2005, apelidada de PEC da Bengala, que aumenta para 75 a idade em que
os integrantes do Judiciário são obrigados a se aposentar. A proposta foi
aprovada pelo Senado e, se for chancelada pelos deputados ainda neste ano, até
o decano Celso de Mello, que se prepara para deixar a Corte em novembro de 2015,
poderia estender sua permanência.
Na semana passada, integrantes da cúpula do PMDB defenderam
a proposta durante uma reunião da legenda. Eles afirmam que vão pressionar para
que a votação da PEC seja pautada para o fim de novembro. Com a mudança, os cinco
ministros que se preparam para deixar a Corte até 2018 poderiam ficar até o fim
do próximo governo. “Eu defendo essa proposta desde 2003, quando não era
suspeito e a aposentadoria ainda estava distante de mim. Sigo com as mesmas
posições”, argumenta Marco Aurélio Mello, que pelas regras atuais deve deixar a
Corte em um ano e meio. A proposta, entretanto, sofre muitas resistências. De
fato, Dilma foi eleita com as prerrogativas constitucionais de qualquer
presidente da República de indicar membros do STF de acordo com o surgimento
das vagas. Isso já era conhecido antes das eleições. Mudar o rito atual a essa
altura seria como alterar as regras da partida com o jogo em andamento. Para
escapar dessa encruzilhada, ganham força no meio jurídico propostas para que a
PEC da Bengala passe a valer não para os atuais ministros, mas para os futuros
indicados. O problema estaria resolvido, e a PEC seria aprovada sem o
atropelamento de regras já preestabelecidas.
Independentemente da aprovação ou não da proposta, o controle
da qualidade dos indicados para ministro do STF, e a garantia de que não teriam
relação direta e ideológica com o PT, poderia ser feito pelo Senado Federal,
caso os parlamentares cumprissem efetivamente a prerrogativa constitucional de
participar do processo de escolha. Se os senadores utilizassem o poder de
sabatinar e avaliar com critérios rigorosos os indicados pela Presidência,
poderiam ser um contraponto ao poder – hoje quase unilateral – do presidente da
República no processo de escolha dos membros do STF. Apesar de poderem barrar
indicações presidenciais, os senadores adotam quase como regra aprovar os
indicados depois de participarem de sessões que mais se assemelham a um
bate-papo entre amigos do que propriamente a uma sabatina.
Para se ter uma ideia dessa passividade, desde a criação do
STF, em 1891, o Senado barrou apenas cinco indicações do presidente. Todas no
governo do marechal Floriano Peixoto, que tentou nomear ministros cujos perfis
não guardavam relação com o tribunal. “O Senado precisa desempenhar seu papel
nas sabatinas e no aval que dá aos ministros. É um papel constitucional que não
vem recebendo a devida relevância”, afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). O
importante para a democracia é evitar que a guerra política transforme o STF em
um instrumento de disputa de interesses pessoais ou partidários.
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